Por Hermes C. Fernandes
Esqueçam todos os grandes lances ocorridos dentro dos campos
da Rússia nesta Copa. A imagem mais marcante do evento, pelo menos em minha
opinião, foi a de Pelé chegando de cadeira de rodas e sendo recebido
efusivamente pelo presidente Putin, Maradona e outros ícones do mundo
futebolístico mundial. O craque argentino, ex-desafeto, não se contentou em cumprimenta-lo,
e deu-lhe um beijo registrado por câmeras do mundo inteiro. As pernas hoje
paralisadas são as mesmas que tantas alegrias deram aos torcedores brasileiros
em outras copas. Durante décadas, Pelé foi considerado uma das personalidades
mais famosas do mundo ao lado dos Beatles e de Mohamed Ali. Bastava
apresentar-se como brasileiro no exterior para ouvir de imediato o nome “Pelé”.
E como quem foi rei, nunca perde a majestade... Perde sim! Apesar
de celebrado no mundo todo, Pelé se tornou persona non grata em alguns círculos,
principalmente nas redes sociais. Bastou que a foto circulasse para despertar o
ódio de quem não sabe distinguir entre vida privada e vida pública. Como
torcedor brasileiro, não me compete julgá-lo como pai, como chefe de família ou
mesmo como empresário. Estes são departamentos diferentes. Para quem marcou
mais de mil gols[1],
sua vida privada são outros quinhentos. Assim como Davi que apesar de ter sido
o mais notável rei de Israel, não foi lá grande coisa como pai. Nem por isso,
Jesus se queixou de ser chamado “Filho de Davi”.
Se hoje os jogadores da seleção vestem uma camisa que exibe
cinco estrelas sobre a insígnia da CBF, deve-se muito à atuação de
extraordinário esportista. Eles já entram em campo como pentacampeões se terem
conquistado nenhum campeonato. Os méritos pertencem às gerações que os
antecederam. Dos cinco títulos do
Brasil, três foram disputados por Pelé: 1958, 1962 e 1970. Não são seus
problemas familiares particulares que diminuirão o brilho de suas proezas em
campo.
Se for para avalia-lo como pessoa, deixemos de lado o
personagem Pelé e falemos de Edson Arantes do Nascimento. Quem não tiver
problemas relacionados à família que atire a primeira pedra. As mesmas pernas
que driblaram tantos adversários, não conseguiram driblar situações envolvendo
sua casa, incluindo o reconhecimento de uma filha fora do casamento. Sua luta
pelo reconhecimento de seus 1281 gols, já que oficialmente foram 757 gols[2]
contrastou com a luta judicial de Sandra Regina, que morreu em 2006, pela sua
paternidade jamais reconhecida. Recusar-se a ir ao seu sepultamento foi um baita
chute na trave. O mesmo chute que sacudiu tantas redes ao redor do mundo, não
deu conta de afastar o fantasma do divórcio, já tendo se casado três vezes. Mas
nada disso macula seu desempenho como jogador. Suas vitórias em campo jamais
poderão ser anuladas por seus fracassos amorosos ou familiares.
Deixando de lado sua vida privada, o fato inconteste é que
Pelé foi e sempre será uma referência, um ícone do esporte. E dificilmente
algum jogador atual conseguirá destrona-lo.
Se o Brasil chegar a ser hexa nesta Copa, não será apenas
pelo desempenho de Neymar e companhia, mas também porque lá atrás ele ganhou
três campeonatos sob o cetro de Pelé. Caso contrário, o máximo que o Brasil
conseguiria agora seria um tricampeonato.
Pelé é para o mundo futebolístico o que Jesus é para a nossa
fé. Depois de nos apresentar a escalação de uma seleção de primeiríssima
qualidade no capítulo 11 de Hebreus, o escritor sagrado nos brinda com a
seguinte advertência:
“Portanto, visto que nós também
estamos rodeados de tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo embaraço e o
pecado que tão de perto nos rodeia e corramos com perseverança a carreira que
nos está proposta, OLHANDO FIRMEMENTE PARA JESUS, autor e consumador da nossa
fé.”[3]
Cada geração deu sua contribuição no meio do campo, mas quem
iniciou a jogada lá trás e vai concluí-la lá na frente é ninguém menos que o
Filho de Deus. E agora, aquelas mesmas gerações que nos antecederam na partida
da vida formam uma “Nuvem de testemunhas”. Por muito tempo, achei que esta tal
nuvem fosse formada por aqueles que nos acompanham das arquibancadas da vida,
torcendo contra ou a favor. Em outras palavras, seriam nossos contemporâneos,
que nos acompanham in loco, nossos amigos, familiares, colegas de trabalho,
irmãos de fé, etc. Todavia, a conjunção “portanto” com a qual se inicia o
capítulo 12 revela que o escritor sagrado tinha em mente todos os que citou no
capítulo anterior, isto é, os heróis da fé desde os primórdios. Logo, a nuvem de testemunhas que avalia nosso
desempenho “em campo” é formada por aqueles que nos antecederam. Digamos, em
termos atuais, que ela estaria mais para os comentaristas contratados pelos
canais de TV do que propriamente para os espectadores nos estádios. Já parou
para reparar quem são os comentaristas? Geralmente, jogadores que atuaram em
outras copas. Pelé mesmo foi comentarista na vitória que nos garantiu o tetra.
Ronaldo Fenômeno, Casagrande e outros que atuaram em campeonatos anteriores,
hoje nos brindam com suas avaliações.
Nunca veremos um jogador em campo sendo entrevistado durante
o jogo acerca do desempenho de seus colegas ou adversários. Seu papel ali é
jogar, não avaliar outros.
À luz das Escrituras, não se pode julgar ninguém antes do
tempo. Isto porque o placar ainda pode ser alterado. Quem agora é vaiado por dar
um passe errado, daqui a pouco será aclamado pela mesma torcida por ter marcado
um pênalti decisivo. A bola está rolando... Quem hoje é celebrado, amanhã será execrado.
Vide o próprio Jesus, que num dia foi recebido aos gritos de “Hosana!” e noutro
teve sua sentença gritada pelos mesmos lábios: CRUCIFICA!
Quem esteve em campo antes de nós reúne as condições
necessárias para fazer uma avaliação menos parcial, desprovida do calor das
paixões. Por isso, Jesus diz que os ninivitas ressurgirão no dia do juízo e
darão testemunho contra aquela geração que teve a oportunidade que eles não
tiveram, pois se converteram pela pregação de um homem falho como Jonas,
enquanto os contemporâneos de Jesus se negavam a se converter mesmo diante de
tantos sinais que Ele fizera. A rainha de Sabá se levantará para dar testemunho
contra a geração que se recusou a dar ouvidos à sabedoria divina encarnada,
pois em seus dias, deixou uma terra longínqua para aprender dos lábios de
Salomão. [4]
Quem soube aproveitar as oportunidades em seu próprio tempo está apto a avaliar
os que agora a têm, mas a desperdiçam. Talvez Pelé não fosse um ótimo
conselheiro amoroso, mas como comentarista de futebol sua autoridade é
inquestionável.
Além dos que nos antecederam, ninguém melhor do que os que
nos sucederem para avaliar nossa atuação nesta vida. Seremos julgados pelos
nossos filhos! Não por uma pisada de bola eventual ou por um pênalti perdido, mas
pelo conjunto da obra. Gerações futuras enxergarão em retrospectiva o que hoje
não conseguimos ver, pois poderão levar em conta nossas limitações, nossa
indisponibilidade de recursos e oportunidades, bem como as oportunidades que
deixamos vazar por entre os dedos. Talvez sejam até mais condescendentes que
nossos antecessores. Pois estes nos julgam à luz do que tiveram em comparação
ao que temos. Imagine, por exemplo, os cristãos do primeiro século que em
apenas dois anos evangelizaram toda a Ásia, sem disporem dos recursos que hoje
nos sobejam. O que aquela geração não faria se tivesse às mãos recursos como a internet,
os meios de comunicação e de transportes em massa. Uma vez que as gerações
seguintes tenham recursos superiores aos que temos atualmente, há de se supor
que sejam mais compassivas em sua avaliação. Talvez sim, talvez não.
Repare no que Jesus diz:
“Ai de ti, Corazim! Ai de ti,
Betsaida! Se em Tiro e em Sidom se tivessem feito os milagres que vós se
fizeram, há muito que se teriam arrependido (...) E tu, Cafarnaum, serás levado
até os céus? Serás derrubada até o inferno. Se em Sodoma tivessem sido feito os
milagres que em ti se operaram, ela teria permanecido até hoje. Eu, porém, vos
digo que no dia do juízo haverá menos rigor para Sodoma, do que para ti.”[5]
Logo, os critérios com que somos avaliados estão diretamente
ligados às oportunidades e recursos a que temos acesso.
Portanto, não deveríamos nos preocupar tanto com as
avaliações precipitadas de quem está em campo juntamente conosco, seja no mesmo
time ou no time adversário. Deveríamos, antes, nos preocupar com o que dirão os
que vieram antes e os que vierem depois de nós.
Quem pode nos julgar senão os que nos precederam e os que nos sucederem? Os primeiros, por já terem passado pelos mesmos caminhos e enfrentado desafios semelhantes aos nossos, sem contudo disporem dos mesmos recursos. Os últimos, por poderem avaliar o conjunto da obra já devidamente finalizada. Só resta aos nossos contemporâneos solidarizarem-se por percorrerem a mesma jornada, sujeitos às mesmas intempéries e limitações. Somos todos filhos do mesmo tempo.
Quem pode nos julgar senão os que nos precederam e os que nos sucederem? Os primeiros, por já terem passado pelos mesmos caminhos e enfrentado desafios semelhantes aos nossos, sem contudo disporem dos mesmos recursos. Os últimos, por poderem avaliar o conjunto da obra já devidamente finalizada. Só resta aos nossos contemporâneos solidarizarem-se por percorrerem a mesma jornada, sujeitos às mesmas intempéries e limitações. Somos todos filhos do mesmo tempo.
E justamente por conta disso é que devemos deixar todo
embaraço e o pecado que tão de perto nos rodeia. Isto é, temos que driblar a
marcação do adversário. Seu objetivo é desarmar nosso jogo, inviabilizar nossos
passes e com isso, impedir nossa vitória.
Não há times de um único jogador. Ou vencemos juntos, ou
fracassaremos igualmente juntos. E para tal, faz-se necessário que aprendamos
com Jesus a desprezar a afronta da torcida contrária. E só há uma maneira de
fazê-lo: OLHANDO FIRMEMENTE PARA JESUS. Ele é o nosso gol! Nossa meta! Foi pela
“alegria que lhe estava proposta” que Ele “suportou a cruz, desprezando a
afronta.”[6]
Mesmo que pareça que o jogo esteja perdido, não é hora de
jogar a toalha. Quem visse Jesus na cruz, acharia que Ele havia sofrida uma
derrota irreversível. Mas o placar virou dentro do tempo regulamentar de três
dias.
Ainda que nos julguem como alguns têm feito a Pelé, outros,
porém , reconhecerão nosso esforço para vencer nossas próprias limitações em campo, ainda que este reconhecimento seja
tardio.
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