Por Hermes C. Fernandes
O segundo livro de Reis registra o drama
de uma mulher que recorreu ao profeta Eliseu em busca de socorro, pois seu
marido falecera e lhe deixara uma dívida impagável. Desesperada, ela diz:
“Meu marido, teu servo, morreu; e tu sabes que ele temia ao SENHOR. É chegado o credor para levar os meus dois filhos para lhe serem escravos.” 2 Reis 4:1
Seu falecido esposo era um dos
discípulos dos profetas. Provavelmente havia sido colega de Eliseu durante o
ministério de Elias. Inconsolável por não querer ceder seus filhos ao credor
como pagamento da dívida, ela recorre ao profeta em busca de uma solução.
Repare que ela não critica seu marido
morto, apesar da dívida que lhe deixara. Em vez disso, ela o honra, dando
testemunho de que temia ao Senhor. Encontramos aí uma importante lição. Filhos
que crescem ouvindo a mãe apontando os defeitos do pai têm sérias dificuldades
de honrá-lo, e vice-versa. Recuso-me a acreditar que Eliseu teria dado atenção
àquela mulher, se em vez de honrar a memória de seu esposo, ela se apresentasse
queixando-se dele deliberadamente. Foi sua postura idônea que levou o profeta a
considerar sua situação, dispondo-se a ajudá-la.
Sem ter como ajuda-la, Eliseu pergunta:
“Que te hei de fazer?” (2 Reis 4:2). Não seria justo imaginar que Eliseu
quisesse apenas tirar o corpo fora. O
fato é que ele recebera de Elias, seu antecessor, um verdadeiro abacaxi. Antes
de partir, a maioria daqueles que o seguiam simplesmente o abandonou. Por isso,
Elias se queixou com Deus de que havia ficado só. Seu ministério antes em
franca expansão, a ponto de manter uma escola de profetas, agora experimentara
uma queda brusca e repentina, de sorte
que ele precisou ser mantido miraculosamente por corvos que lhe traziam
comida na caverna em que se escondera. Se Elias houvesse partido no auge, teria
deixado para Eliseu uma situação bem confortável. O marido daquela mulher havia
sido um dos poucos que se mantiveram fiéis, mesmo depois que Elias fora
arrebatado ao céu.
Por mais que Eliseu quisesse ajuda-la,
ele simplesmente não tinha de onde tirar. Não há sensação pior do que querer
fazer o bem, mas não poder. E o pior é quando somos julgados por isso. Sem
encontrar outra saída, o profeta pediu-lhe: “Dize-me que é o que tens em casa.”
Às vezes, a resposta para nossas
necessidades está bem debaixo do nosso nariz, porém, o desespero nos impede de
enxergar.
Permita-me relatar um sonho que tive
dias atrás: Sonhei que entrava num casebre de um único cômodo, cujas paredes
estavam cheias de infiltração. Quem morava ali era um jovem casal muito
querido. Em vez de uma cama de casal normal, havia duas camas, cada qual
encostada numa parede, mas que se encontravam pelas cabeceiras na quina,
formando assim um L, de modo que o casal dormia com os corpos separados, mas
com as cabeças próximas uma da outra. Mas o que me chamava a atenção eram as
guitarras caras que estavam penduradas nas paredes internas ao redor da casa.
Eu comentava com alguém que o valor das guitarras era maior que o da casa, e que
se fossem vendidas, daria para adquirir um imóvel muito melhor. Acordei com a
sensação de que Deus queria me dizer algo com isso. Nem sempre a gente dá valor
ao que tem em casa, e por isso, passa por privações desnecessariamente. A gente
perde tempo prestando atenção ao que pertence aos outros, e não percebe que
tudo de que precisamos está ao alcance de nossas mãos. A gente busca ajuda de
terceiros sem nos dar o trabalho de verificar e esgotar todas as
possibilidades.
O texto prossegue com sua resposta à
indagação do profeta:
“Tua serva não tem nada em casa, senão uma botija de azeite. Então, disse ele: Vai, pede emprestadas vasilhas a todos os teus vizinhos; vasilhas vazias, não poucas. Então, entra, e fecha a porta sobre ti e sobre teus filhos, e deita o teu azeite em todas aquelas vasilhas; põe à parte a que estiver cheia. Partiu, pois, dele e fechou a porta sobre si e sobre seus filhos; estes lhe chegavam as vasilhas, e ela as enchia. Cheias as vasilhas, disse ela a um dos filhos: Chega-me, aqui, mais uma vasilha. Mas ele respondeu: Não há mais vasilha nenhuma. E o azeite parou. Então, foi ela e fez saber ao homem de Deus; ele disse: Vai, vende o azeite e paga a tua dívida; e, tu e teus filhos, vivei do resto.” 2 Reis 4:2-7
Como podemos ver, tudo que ela tinha em
casa era uma botija de óleo. Aos seus olhos, aquela botija era o lembrete de
uma era de vacas gordas que se encerrara. Porém, aos olhos do profeta, aquilo
seria o ponto de partida para uma mudança radical em sua situação.
Aquela mulher poderia alegar que seria
uma baita humilhação pedir que seus filhos batessem de porta em porta em busca
de vasilhas emprestadas. Ela poderia achar que o profeta lhe devesse alguma
coisa, já que seu marido havia sido tão fiel, trabalhando ao seu lado durante um
tempo em que a maioria o abandonou. Em vez disso, seu caráter revelou-se
humilde e obediente, de sorte que não titubeou em enviar seus filhos para
cumprir a missão delegada pelo homem de Deus.
Seus filhos não deveriam ser vistos como
parte do problema, mas como solução. Se ela houvesse semeado em seus corações
algum tipo de revolta contra seu pai, ou
contra o profeta, eles certamente se recusariam a fazer o que lhes fora pedido.
Ela, porém, sendo uma mulher sábia, percebia claramente o que estava em jogo.
Por isso, engoliu o choro, recobrou o ânimo e fez o que o profeta lhe orientou.
Ela contagiou o coração de seus filhos com sua esperança, e não com seu
desespero ou algum desejo de vingança.
Depois de providenciadas as vasilhas,
seguindo à orientação de Eliseu, ela fechou a porta sobre si e seus filhos, e
começou a enchê-las com o óleo que havia em sua pequena botija.
“Fechar a porta” significa manter no
âmbito privado o que jamais deveria se tornar público. A sacralidade do lar
deve ser mantida a qualquer preço. Deve-se pensar no futuro, e não apenas nas
necessidades momentâneas. Se deixarmos as portas abertas, línguas ferinas
circularão livremente, levando e trazendo, cutucando feridas ainda não
cicatrizadas, agravando a situação. Às vezes, a porta que precisa ser fechada é
a da nossa boca, expondo situações particulares a quem não tem nada a ver com
isso.
À medida que as vasilhas eram
miraculosamente cheias, ela as separava das demais. Depois que estavam todas
repletas, Eliseu a orientou a vendê-las e assim, viabilizar sua subsistência
juntamente com a de seus filhos. Foi assim que o desespero inicial deu lugar à
esperança. De uma hora para outra, ela deixou de ser um problema, para ser um
canal de bênçãos para aquela comunidade. Deixou de ser uma mera consumidora,
para ser fornecedora. Nascia ali uma empreendedora bem sucedida. Alguém que em
vez de suscitar pena nos demais, passou a servir-lhes de inspiração.
Há situações permitidas por Deus que
servem para despertar o nosso potencial. Um dia, olhando em retrospectiva,
daremos graças a Deus por nos haver permitido passar por aquilo, pois somente
assim descobrimos quem realmente somos e do que verdadeiramente somos capazes.
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