Por Hermes C. Fernandes
Antes de se desarmar as mãos e os lábios dos que atentam contra a nossa dignidade e credibilidade, há que se desarmar seus corações. Antes de calar argumentos difamatórios, há que se fazer aquietar almas enfurecidas e desapontadas por suas próprias expectativas.
“Mandaram as irmãs de Lázaro dizer a Jesus: Senhor, aquele a quem amas está enfermo.” João 11:3
O recado enviado por Marta e Maria a Jesus era carregado de cobrança. Foi como uma chantagem emocional para que Jesus Se apressasse a visitar a Lázaro. De fato, Jesus o amava, como também amava suas irmãs, “porém, quando ouviu que Lázaro adoecera, ficou ainda dois dias no lugar onde estava” (v.6).
Fico imaginando o que deve ter passado na cabeça de Seus discípulos. Que amor é esse? Por que Jesus não aperta os passos, interrompe todos os Seus compromissos, e vai logo visitar aquele a quem Ele diz amar?
Depois de dois dias, para a surpresa dos discípulos, Jesus disse: “Voltemos para a Judeia” (v.7). O que? Voltar ao ponto de partida, quando há alguém precisando de Sua visita com urgência? Os discípulos ainda tentaram argumentar com Jesus para dissuadi-lO de retornar à Judeia: “Rabi, ainda agora os judeus procuravam apedrejar-te, e voltas para lá?” (v.8). Parecia ser um argumento bem razoável. Aquele povo O odiava, incitado pelos seus líderes. Mesmo assim, Jesus não estava disposto a alterar Sua agenda.
Jesus não estava preocupado com as pedras que queriam atirar n'Ele, mas com uma pedra que precisava ser tirada para que Sua glória se manifestasse. Ele sabia exatamente o que estava fazendo. Ele jamais daria um tiro no escuro. Daí Sua incisiva resposta: “Não há doze horas no dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, pois vê a luz deste mundo. É quando anda de noite que tropeça, pois não tem luz” (v.9-10). Em outras palavras: “Fiquem tranquilos, sei o que estou fazendo! Estou apenas seguindo a orientação do meu Pai”. Jesus nunca Se preocupou em ficar bem na fita ou ser politicamente correto. Algumas de Suas atitudes foram extremamente impopulares. Porém, Ele seguia à risca as determinações do Pai, e jamais Se atreveu a alterar o cronograma por Ele determinado.
Embora tivesse que passar pela Judeia (onde Sua popularidade estava em baixa, e ainda corria o risco de ser apedrejado), o objetivo último de Jesus era alcançar Betânia, onde Seu amigo Lázaro estava. Antes de partir, Jesus informou-os: “Nosso amigo Lázaro dorme, mas vou despertá-lo” (v.11). Os discípulos acharam que Jesus estava falando de um sono literal. Não era sempre que Jesus Se fazia entender. “Então Jesus disse claramente: Lázaro está morto, e me alegro...” . Respira fundo... leia de novo... foi isso mesmo que Jesus disse? Lázaro, aquele a quem Ele tanto amava, havia morrido, e Ele estava alegre? Como assim? Esse é o problema de se pinçar algo de seu contexto imediato. Antes de tirarmos conclusões precipitadas, que tal deixarmos que Jesus conclua Seu pensamento?
“Então Jesus disse claramente: Lázaro está morto, e me alegro, por vossa causa, de que lá não estivesse, para que possais crer. Mas vamos ter com ele” (vv.14-15).
Jesus não disse que estava alegre porque Lázaro havia morrido. Ele estava alegre por haver poupado Seus discípulos de algo, atrasando propositadamente Sua caminhada. Jesus sabia que Seus discípulos não tinham estrutura espiritual para assistir às certas cenas. Vê-lo morrer poderia inibir sua fé e confiança em Deus. Foi por amor a Seus discípulos que Jesus retardou Sua viagem a Betânia. Portanto, ninguém poderia acusá-lo de falta de amor.
Devemos tomar redobrado cuidado com aqueles que pinçam palavras fora de seu contexto, e a distorcem a seu bel-prazer, para servir a seus propósitos e interesses. Uma palavra pode ter seu sentido inteiramente alterado, bastando que se mude o tom de voz, ou ainda, a expressão corporal e facial. Também devemos aprender com Jesus a poupar as pessoas daquilo para o qual não estão ainda preparadas. Isso é agir com responsabilidade. Noutra feita, Jesus disse a Seus discípulos que ainda tinha muito que lhes dizer, porém eles não estavam preparados (Jo.16:12).
Às vezes me pergunto quais teriam sido os critérios usados por Jesus na seleção de Seus discípulos. Pedro, aquele em quem mais Jesus parecia confiar, negou-O três vezes. Judas, o que cuidava da tesouraria do ministério de Jesus, traiu-O por trinta moedas de prata, e ainda teve o descabimento de justificar-se, dizendo que sua esperança era que, ao ser preso e condenado pelos romanos, Jesus Se revelasse ao mundo com todo o Seu poder e glória, e assim, libertasse os judeus do domínio romano. Em outras palavras, a traição visaria o próprio bem de Jesus. Quanta cara de pau! E como se não bastasse esses dois, ainda havia Tomé, o incrédulo. Neste episódio, Tomé foi responsável por um comentário infeliz na frente de seus colegas: “Vamos nós também para morrer com ele” (v.16). Pelo jeito, perdeu uma grande chance de ficar calado.
Infelizmente, ainda nos deparamos com gente incrédula no seio do povo de Deus, e que não consegue enxergar os propósitos de Deus em nada que acontece. Gente que só está preocupada em se preservar, salvar sua pele, ou simplesmente, impor seu ponto de vista.
“Quando Jesus chegou, já fazia quatro dias que Lázaro havia sido enterrado. Betânia distava cerca de quinze estádios de Jerusalém, e muitos judeus tinham vindo visitar Marta e Maria, para consolá-las acerca de seu irmão” (vv.17-19).
Os mesmos judeus que estavam buscando uma oportunidade de apedrejar a Jesus, agora demonstravam compaixão pela situação de Marta e Maria. Eles se colocaram ao lado das irmãs de Lázaro, mas estavam armados contra o Filho de Deus. E o pior é que tudo indica que tenham conseguido o que, de fato, queriam: jogá-las contra o mestre.
“Ouvindo Marta que Jesus vinha, saiu-lhe ao encontro. Maria, porém, ficou em casa” (v.20). Fica nítido que Maria não queria ver Jesus. Ela estava engasgada com aquela situação. Os judeus a convenceram de que Jesus não vivia o que pregava, pelo fato de não ter visitado Lázaro enquanto ainda estava enfermo.
Marta, entretanto, resolveu sair ao encontro de Jesus e tirar aquilo a limpo.
“Disse Marta a Jesus: Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido” (v.21). Aquilo foi uma acusação. Fica claro que ela estava sob a influência dos líderes judeus, agitadores, que foram ali com o pretexto de consolá-las, mas no fundo, queriam mesmo era lançá-las contra Jesus, e assim, destruir a credibilidade do Seu ministério.
Porém, enquanto O acusava, Marta caiu em si, lembrando-se de tudo o que havia presenciado no ministério de Jesus, dos Seus ensinamentos, de Seu exemplo de vida, e, imediatamente, recobrou o ânimo, e complementou: “Mas ainda agora sei que tudo o que pedirdes a Deus, ele te concederá” (v.22). Isso parece indicar que o estrago feito pelos judeus não havia sido completo. Ainda havia uma fagulha de fé no coração de Marta. Jesus, então, resolveu alimentar essa fagulha, dizendo: “Teu irmão ressurgirá” (v.23). Marta ainda tentava encontrar um sentido para tudo aquilo, e por isso, respondeu: “Eu sei que ressurgirá na ressurreição, no último dia” (v.24). De quem Marta havia ouvido aquilo? De quem ela aprendera sobre aquela verdade? Dos judeus agitadores, ou de Jesus que era acusado de negligência? No entanto, Jesus ainda tinha muito que ensiná-la. Seu discipulado não havia terminado. Agora era hora de uma nova lição.
Disse Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim, nunca morrerá. Crês isto? Disse ela: Sim, Senhor, creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo” (vv.25-27). Finalmente, Marta começava a enxergar as coisas na perspectiva certa. Daí sua confissão de fé. Todos os argumentos dos judeus caíram por terra ao som desta confissão.
“Depois que ela disse isso, voltou e chamou Maria, sua irmã, em particular, dizendo: O Mestre está aqui e te chama” (v.28).
Repare nos detalhes que o texto oferece. Agora que ela sabia a verdade, e não apenas uma versão pervertida da verdade, ela tinha que compartilhar com sua irmã, que também estava sob a influência dos judeus “consoladores” (ou seriam “agitadores”?). Sabiamente, para não causar mais tumulto, Marta chamou sua irmã em particular. Ao referir-se a Jesus como “o Mestre”, Marta estava dizendo a Maria: Ele ainda tem muito que nos ensinar. Será que esquecemos de tudo o que aprendemos com Ele? Vamos parar para ouvi-lo, e saber o que Ele tem a dizer. Vamos parar de ouvir a versão da turma do contra, e ouvir Àquele que é a Verdade, JESUS.
“Quando Maria ouviu isso, levantou-se depressa e foi encontrar-se com Jesus. Ora, Jesus ainda não tinha entrado na aldeia, mas estava no lugar onde Marta o encontrara. Quando os judeus que estavam com Maria em casa e a consolavam, perceberam quão rapidamente ela se levantara e saíra, seguiram-na, supondo que ia ao túmulo para chorar ali” (vv.29-31).
Maria não ficou argumentando com Marta. Não alegou que havia resolvido dar um tempo. Pelo contrário, ela se apressou em atender ao convite do Mestre. Deixou os judeus para trás, e saiu ao encontro de Jesus. Os judeus ficaram atordoados. Acharam que ela tinha ido ao cemitério chorar a morte do irmão, e por isso, decidiram segui-la.
“Quando Maria chegou ao lugar onde Jesus estava e o viu, caiu-lhe aos pés, dizendo: Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido” (v.32). Jesus já ouvira isso antes. Maria fazia coro com sua irmã, pois ambas haviam bebido da mesma fonte de indignação: os judeus que queriam a destruição do ministério de Jesus.
“Jesus, vendo-a chorar, e também chorando os judeus que com ela vinham, comoveu-se profundamente em espírito, e perturbou-se” (v.33). A maneira como este versículo está disposto, dá a entender que Jesus reagiu de maneira diferente diante de cada choro. Ele comoveu-Se com o choro de Maria, mas “perturbou-se” com o choro forçado dos judeus.
“Perguntou ele: Onde o pusestes? Responderam: Senhor, vem e vê. Jesus chorou” (vv.34-35). O que teria levado Jesus à essa reação emocional? Por que Ele chorou ante o túmulo de Lázaro? Impotência diante da morte? Não! Seu choro foi um misto de comoção e perturbação. Comoção com o sofrimento das irmãs de Lázaro, e perturbação diante da hipocrisia dos judeus.
Para fazer uma média, os judeus disseram: “Vede como o amava! Mas alguns disseram: Não podia ele, que abriu os olhos ao cego, fazer também que este não morresse?" (vv.36-37). Agora fica claro de baixo de que influência Marta e Maria estavam, e de onde elas tiraram aquelas conclusões acerca de Jesus.
Os judeus já espreitavam a Cristo em busca de algo para incriminá-lo. Porém, Jesus não lhes dava chance. Tentaram acusá-lo de blasfêmia, mas seus argumentos foram jogados por terra. Não havia como acusá-lo de adultério, de mentira, de roubo, então, o único trunfo que conseguiram foi esse: acusá-lo de incoerência entre o que pregava e vivia. Se pregava tanto amor, como poderia ser tão negligente com quem dizia amar? Como poderia ter deixado que ele morresse daquele jeito, sem ao menos visitá-lo enquanto estava vivo? Se podia evitar sua morte, por que não o fez? A conclusão deles era uma só: Jesus não vive o que prega!
Já que pedradas vindas de fora não O atingiam, o melhor a fazer era promover uma rebelião entre os de dentro, levando-os a duvidar do caráter e do amor do Mestre. Por um momento, eles conseguiram influenciar até pessoas do círculo íntimo de Jesus, como eram Marta e Maria. Mas a erva dadinha da dúvida estava prestes a ser arrancada.
“Jesus, comovendo-se profundamente outra vez, dirigiu-se ao sepulcro. Era uma gruta, como uma pedra posta sobre ela. Disse Jesus: Tirai a pedra. Disse Marta, irmã do morto: Senhor, já cheira mal, pois é o quarto dia. Então Jesus lhe disse: Não te disse que se creres verás a glória de Deus?” (vv.38-39).
Observe: Jesus comoveu-Se outra vez. A diferença é que agora Sua comoção era voltada inteiramente para as irmãs de Lázaro. Em nenhum momento Jesus apresentou uma defesa, e nem Se preocupou em provar nada para ninguém. O que o movia não era o prazer do espetáculo, mas a compaixão pelo sofrimento alheio.
Tirai a pedra! Não seria a pedra do sepulcro uma perfeita alegoria para a pedra em que se tornou o coração daquele povo? Deus promete em Sua Palavra que removeria do nosso peito o coração de pedra, e nos daria um coração de carne.
Em outras palavras, Jesus estava dizendo aos Seus acusadores: Em vez de me atirar pedras, tirem a pedra de seus corações. O que incomodava mais a Jesus não eram as pedras que traziam nas mãos, mas a pedra que havia em seus peitos.
Espíritos armados inibem a manifestação da glória de Deus. A pedra tem que ser removida. A parede de separação tem que ser destruída, para que a glória do Senhor seja vista entre nós.
Primeiro, Jesus Se dirige ao Pai, dando-Lhe graças por sempre Lhe ouvir. Depois é que se dirige ao túmulo aberto, exalando mau cheiro, clamando em alta voz: “Lázaro, vem para fora!” (v.43).
Você pode imaginar a cena? Já assistiu a algum filme de múmia? Pois é. “O morto saiu, tendo as mãos e os pés enfaixados, e o rosto envolto num lenço. Disse Jesus: Desatai-o e deixai-o ir” (v.44). Cada vez que leio esta passagem, ela se renova em meu entendimento e fico admirado com a atitude de Jesus.
A ordem de Jesus foi “desatai-o e deixai-o ir”.
Este é o Espírito do Evangelho! Liberdade!
Jesus não constrange ninguém a segui-Lo. Nem mesmo os membros de Sua própria família, Sua mãe e irmãos, eram forçados a segui-lo. Ele jamais usou argumentos humanos para tentar cativar as pessoas. Ele sempre as deixou bem à vontade. E sabe qual foi o resultado disso? Basta ler o capítulo seguinte, e verificaremos que o mesmo Lázaro promoveu, juntamente de suas irmãs, um banquete para receber Jesus em seu lar.
Jesus os cativou pelo amor. Não foi com argumentos, nem Se defendendo das injúrias e acusações dos judeus, mas simplesmente, amando.
Esse é o nosso Jesus! Quem O conhece, reconhece a Sua voz!
Ele nos atrai com “cordas de amor” (Os.11:4) e diz: “Com amor eterno te amei; com benignidade te atraí” (Jeremias 31:3).
Quem conseguirá nos separar deste amor? Que argumentos seriam convincentes o suficiente para nos remover dos Seus braços?
E é por confiar inteiramente em Seu amor por nós, que Ele nos dá liberdade.
Gosto de uma frase dita por John Lennon: “Amo a liberdade, por isso deixo as coisas que amo livres. Se elas voltarem é porque as conquistei. Se não voltarem é porque nunca as possuí.”
O que garante que haja um nós não são os nós, mas os laços do amor.
O que garante que haja um nós não são os nós, mas os laços do amor.
Portanto, sintam-se desatados!
Se não nos virmos mais por esses dias, quem sabe um dia, a gente se reencontra.
Christus Victor! Semper Invictus!
Já são alguns anos que leio seus posts. Só hoje me deparei com seu pedido de registro de reação. São todos interessantes. São todos subversivos. Subversivo no sentido de derrubar um muro que construímos em volta de nossas convicções. De arrancar a pedra nos nossos corações. Arrancar mesmo. Não é retirar. Deus te abençoe.
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