quarta-feira, agosto 26, 2015

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Toda história tem dois lados


Por Hermes C. Fernandes

“Forrest Gump – O contador de histórias” foi um filme estrelado por Tom Hanks que se tornou num fenômeno de bilheteria no ano de 1994. O filme começa com uma pena caindo aos pés de Forrest Gump, sentado numa parada de ônibus. Ao pegá-la e colocá-la dentro de um livro, Forrest começa a contar a história de sua vida a uma mulher sentada ao seu lado. Os ouvintes na parada de ônibus variam.

Quem não gosta de ouvir uma boa história? Uma de suas interlocutoras perde seu ônibus só para continuar a ouvi-lo. E o que mais atrai em suas histórias é o fato de se confundirem com a história recente de seu próprio país. Acontecimentos emblemáticos como a guerra no Vietnã são alguns dos quais Forrest teve participação. Sem contar figuras importantes que cruzaram o seu caminho, dentre as quais John Lennon e os presidentes John Kennedy e Richard Nixon. Porém, em suas histórias, tais personagens entram como coadjuvantes, e, às vezes, meros figurantes. Forrest Gump é o protagonista.

Cada ser humano é protagonista em sua própria história, que por sua vez, contribuiu na composição do grande mosaico que é a História da Humanidade. Mas, ao mesmo tempo, somos coadjuvantes na história daqueles que integram nosso círculo de amigos e familiares. Às vezes, heróis. Outras, vilão. E de quebra, somos figurantes na história de todos que cruzam nosso caminho a cada dia. Como tais, entramos mudos, e saímos calados, limitando-nos a servir de componentes no cenário de outras tantas histórias.

Deus é, por assim dizer, o Senhor das circunstâncias, o Arquiteto das contingências, Aquele que promove encontros e desencontros, que liga os pontos de cada história particular, enriquecendo assim a trama universal. Através de cada história, Deus revela facetas do Seu plano redentor.

Israel sabia de sua vocação para ser luz para as nações. Desde o início, Abraão, o patriarca, foi avisado que sua história se entrelaçaria com a história de todos os povos. Ele e sua descendência seriam bênção para todas as famílias da terra. Ser escolhido não significa ser preferido. Deus escolhe alguns para o bem de todos. Onde há preferidos, também há preteridos. Se fosse questão de predileção, logo, uns sairiam ganhando, outros, perdendo.

Porém, aos poucos, Israel perdeu de vista sua missão. Começou a achar-se o povo predileto de Deus, ou melhor, os únicos com os quais Deus tratava. Passou a referir-se aos demais como “eles”, os gentios, os pagãos. A expressão “propriedade exclusiva” deixou de significar que pertenciam exclusivamente ao Senhor para significar que eram os únicos a gozarem deste status.

Até que Deus levantou profetas para adverti-los e conclamá-los ao arrependimento. Um deles foi Amós, o profeta cowboy, o John Wayne dos profetas menores. Talvez por não ter pedigree profético, Amós se viu com liberdade para dizer o que precisava ser dito, sem temer por sua reputação. Dentre as coisas que disse, talvez a mais corajosa tenha sido esta:

“Não me sois, vós, ó filhos de Israel, como os filhos dos etíopes? diz o SENHOR: Não fiz eu subir a Israel da terra do Egito, e aos filisteus de Caftor, e aos sírios de Quir?” Amós 9:7

Deve ter sido desconcertante descobrir que não era tão importante quanto se imaginava, e ainda ser comparado à gente de um país distante na África. Deus e sua mania de pôr nosso preconceito à prova...

Então, o Êxodo de Israel não foi o único? Tanto os filisteus quanto os sírios (ambos desafetos de Israel) tiveram seu próprio êxodo? Os mesmos poderosos braços que arrancaram Israel do Egito também arrancaram os filisteus de Caftor e os sírios de Quir?

Logo, a conclusão a que chegamos é que a história de Israel não é o único fio através do qual Deus está trançando a teia da trama universal.  As histórias das nações se cruzam, e o mesmo se pode dizer da história de cada ser humano.

Isaías, contemporâneo de Amós, reforçou a ideia:

 “Naquele dia haverá estrada do Egito até a Assíria. Os assírios virão ao Egito, e os egípcios irão à Assíria. Os egípcios adorarão com os assírios ao Senhor. Naquele dia Israel será o terceiro com os egípcios e os assírios, uma bênção no meio da terra. O Senhor dos Exércitos os abençoará, dizendo: Bendito seja o Egito, meu povo, a Assíria, obra das minhas mãos, e Israel, minha herança.” Isaías 19:23-25

Por mais de quatrocentos anos, o povo de Israel amargou a escravidão no Egito. E agora vivia sob a ameaça assíria. Seria maravilhoso ouvir do juízo iminente que cairia sobre tais nações que exploravam e oprimiam o “povo escolhido do Senhor”. Mas agora, Isaías, usado pelo Espírito de Deus, leva-os a compreender as coisas de uma inusitada perspectiva. Deus estava prestes a inaugurar uma estrada entre o passado  (Egito) e o presente (Assíria).  Uma estrada de mão-dupla. Os egípcios iriam à Assíria, e os assírios viriam ao Egito. Haveria intercâmbio entre os povos e ambos adorariam ao Senhor, o Deus de Israel. Sim, Ele é o Deus de Israel, mas também é o Deus de todos os povos.  Chegaria o dia em que Israel, que se acostumara a enxergar-se como o filho predileto de Deus, seria o terceiro, vindo logo após os egípcios e assírios. Quem diria... Israel em terceiro.

Geograficamente, Israel ficava no meio do caminho entre o Egito e a Assíria. Talvez até pudesse se aproveitar deste intercâmbio entre as duas potências criando um pedágio. Mas em vez de lucrar com isso, Deus diz que eles estavam estrategicamente localizados para serem bênção para ambos os povos.

Todos querem se locupletar de alguma maneira. Ninguém está interessado em ser bênção. O importante é se dar bem, ser cabeça em vez de cauda, ser primeiro, jamais segundo ou terceiro. Mas a lógica do reino subverte isso. Quem quiser ser o maior, tem que ser o menor, aquele que serve.

Como se não bastasse, o Senhor se refere ao Egito como “meu povo” e a Assíria como “obra das minhas mãos”, porém, não tiraria de Israel o título de “minha herança”.

Não deve ter sido fácil ouvir Deus referindo-se ao Egito nesses termos.  Não, depois de ter amargado quatro séculos de escravidão naquele país. Talvez Israel nem se incomodasse tanto se Deus chamasse “meu povo” alguma nação amiga.

Dizer que Deus é fiel não significa afirmar que Seus planos se limitem a nós e àqueles com os quais mantemos laços amistosos. Pode ser que Ele inclua muitos dos nossos desafetos em Seus planos. Quem poderia argui-lo por isso?  Só questiona a Sua justiça quem, de fato, não compreendeu nada de Sua graça. Se Ele agisse de acordo com os critérios da justiça, ninguém escaparia, nem mesmo nós. Seríamos todos igualmente condenados. Porém, Ele decidiu que agiria tomando por base a Sua graça. Assim como não há méritos nossos envolvendo o que te bom nos aconteça, não há deméritos por trás do que de ruim nos aconteça. Tudo é graça! Ele faz nascer o sol sobre justos e injustos, mas também faz chover sobre ambos.

Deus é fiel... não a mim, ou a quem quer que seja, mas ao Seu propósito. E este, por sua vez, inclui, de uma maneira ou de outra, a cada ser humano que já viveu, vive ou viverá na face da Terra.

Quantas vezes dizemos que perdoamos aos nossos desafetos e até pedimos que Deus os abençoe. Porém, quando os vemos prosperar, questionamos a justiça de Deus. Afinal, se nossa oração foi sincera, deveríamos agradecer a Deus por termos sido atendidos.

Chamar a Assíria (império sediado na Babilônia) de “obra das minhas mãos” parecia um insulto. Aquilo só podia ser obra do diabo! Mas Deus não vê assim. Devemos redobrar nossos cuidados antes de creditar algo a Deus ou ao diabo.

Se Ele é o Senhor das circunstâncias, o arquiteto das contingências, logo, sabe exatamente como conduzir a História a fim de que Seus propósitos sejam alcançados. Como dizia Lutero: Deixe Deus ser Deus! Ele não nos deve explicação alguma. 

4 comentários:

  1. Anônimo10:31 AM

    João 14:10 Não crês tu que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo de mim mesmo, mas o Pai, que está em mim, é que faz as obras.

    PAIXÃO, Edson.

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  2. muito bom. Faz a gente viajar se sair do lugar. Uma verdadeira parabola.

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  3. Que palavras são essas???Só podem ter vindo do coração de Deus!!!Obg Jesus,Tu és Gracioso...

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  4. Hermes, leio todos os textos que você publica no seu blog.
    Com certeza, esse é um dos melhores que você já escreveu.

    Parabéns!! Que o Arquiteto do Universo continue dando inspiração e coragem para publicar textos que trazem uma reflexão a nós, leitores.

    Grande abraço.

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