terça-feira, dezembro 01, 2009

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Por uma Fé engajada - 1

Meu propósito nessa conversa será o de fazer uma breve avaliação crítica da questão do engajamento (social, político, cultural, histórico) da igreja evangélica brasileira. Sei da amplitude desse assunto, e não pretendo esgotá-lo aqui. Apenas quero olhar um pouco para a atuação ou não dos evangélicos no contexto brasileiro e então apontar algumas pistas ou desafios para que a igreja esteja cada vez mais engajada (comprometida, envolvida) com essa realidade.

Para tanto, minha reflexão está embebida da influência do “evangelicalismo integral”, advindo do movimento de Lausanne, que por sua vez nos remete ao Congresso realizado em Lausanne, Suíça, em 1974. Deste congresso saiu um documento que ficou conhecido como Pacto de Lausanne, e posteriormente veio embasar o conceito e a práxis da teologia da missão integral na América Latina. Ao longo desta exposição, farei uso de parte do conteúdo deste pacto para o que aqui nos interessa, mostrando, também, sua atualidade e relevância.

Engajamento? Onde e quando mesmo?

Ao tratar de “engajamento”, não posso abster-me de falar do que esta palavra significa hoje, seja na igreja, seja fora dela. Não tenho dúvidas que se trata de um termo “fora de moda”, e aqui não estou sendo pejorativo. Vivemos em uma sociedade pós-industrial, pós-histórica, pós-moderna, consumista e globalizada, onde quase não há mais agenda para a luta pelos interesses coletivos. Pelo contrário, se exalta cada vez mais a primazia dos interesses privados: do indivíduo, de sua tribo, de seu gueto, de sua confraria. A palavra de ordem da sociedade de consumo é “conforto”, e o grito de guerra é a nova música do Jota Quest: e se quiser saber pra onde eu vou, pra onde tenha sol, é pra lá que eu vou[2].

O conforto é uma das grandes ambições do ser humano, um verdadeiro lema de vida. Caminhamos em busca de uma espécie de “paraíso perdido”, como se Adão e Eva tivessem se arrependido de conhecer o “lado sombrio” da existência – tendo, porém, de se contentar em trabalhar pra sobreviver às custas de seu próprio suor, em saber que todo prazer relativo a esta vida é efêmero e que nada mais será como no “passado”, quando predominavam a inocência e a despretensiosidade. É óbvio que o conforto é bom, isso “ninguém pode negar”. Contudo, há pelo menos dois enganos comuns referentes à palavra “conforto”.

O primeiro deles diz respeito à ânsia humana por um lugar confortável no mundo. Constantemente nos prendemos a tentativas, quase sempre mal-sucedidas (salvo engano), de evitar a realidade, de enxergar situações cotidianas como elas são e acontecem, de saber que nosso mundo está repleto de dores, as quais começam, tantas vezes, dentro de nossos seguros lares, com nossas famílias e seus dilemas, até chegar na sociedade como um todo. Violência, guerra, desemprego, miséria, gente mendigando pelas ruas, morte... Quem, hoje, está disposto a encarar todas estas e outras conjunturas? Nosso pecado maior talvez seja o da indiferença. Estamos sempre evitando situações que possam nos causar aquele tipo de desconforto insuportável, aquele que incomoda nosso âmago egocêntrico.

Há um outro engano, talvez ainda mais nocivo, que gostaria de mencionar: a busca por um lugar confortável ao lado de Deus. Nosso comprometimento com Deus (o deus-ópio dos anseios humanos) está permeado por um ligeiro utilitarismo, seja proposital ou não. Amar ou se submeter a ele, há muito tempo, deixou de ser uma questão de entrega pessoal, passando a ser um condicionante circunstancial, isto é, só amo ou sigo a Deus enquanto ele me for útil ou conveniente. Assim, as expectativas geradas estão de acordo com a concepção de que, ao lado de Deus, sempre encontraremos conforto e “favor” em todas as situações. Isto é uma grande falácia, posto que com Deus (ou “sem Deus”) a vida não é só feita de ganho e refrigério, mas também de perdas, descontentamentos e consternações.

É lógico que, em variadas circunstâncias encontradas na Bíblia, Deus mantém as promessas de que, ao seu lado, encontraremos conforto no enfrentamento de nossas angústias. Todavia esta segurança não nos exime da dor, apenas a alivia e dá a ela renovada esperança; não nos livra das idiossincrasias e inconstâncias do mundo, mas nos ensina a enfrentá-las com discernimento, entendendo que fazem parte da vida, afinal “o sol nasce pra todos, só não sabe quem não quer”, diria o poeta Renato Russo. O mundo está em constante distúrbio, e assim permanecerá. Portanto, não há lugar suficientemente confortável no mundo real, a não ser que optemos pela alienação, pelo ópio, ao invés de aprofundarmo-nos na realidade, progredindo espiritualmente, porém, com os pés-no-chão.

Vivemos nada mais que o resultado de um momento histórico, que atinge a vida toda e a sociedade em seus mais diversos setores. Quase não se fala mais em revolução, em transformar o mundo, em gerar incômodo ou desinstalar as pessoas de seus lugares de comodidade, pelo menos não tanto quanto se falava e agia-se há pelo menos vinte anos atrás. Muito pelo contrário. A apatia tem extrapolado seus limites e a ambição por esse lugar de conforto tem sido a grande ilusão plantada na mente do ser pós-moderno.

Continua...

Escrito por Jonathan Menezes com título original "Missão integral, desafios a uma fé engajada na igreja" (Via Emeurgência)

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