Por Hermes C. Fernandes
O assassinato covarde do congolês Moïse Karbamgabe em um quiosque carioca reacendeu o debate acerca da maneira como o país tem lidado com os imigrantes, sobretudo, os que vêm do continente africano, de países islâmicos ou de vizinhos da América Latina. Ao que tudo indica, a imagem do Brasil como um país amigável aos imigrantes tem sido maculada pela onda de ódio que acompanha o nacionalismo extremista. Em 2015, Bolsonaro se referiu a senegaleses, haitianos, iranianos, bolivianos, todos imigrantes refugiados, e complementou: “e agora tá chegando os sírios também aqui. A escória do mundo tá chegando aqui no nosso Brasil como se nós já não tivéssemos problemas demais para resolver.” Suponho que ele desconheça a passagem em que Paulo, o apóstolo, identifica a si mesmo e os demais apóstolos como “o lixo deste mundo, e como a escória de todos” (1 Coríntios 4:13). Sim, o apóstolo conhecia na pele a dor conhecida pela maioria dos imigrantes: “Até esta presente hora”, complementa, “sofremos fome, e sede, e estamos nus, e recebemos bofetadas, e não temos pousada certa, e nos afadigamos, trabalhando com nossas próprias mãos. Somos injuriados, e bendizemos; somos perseguidos, e sofremos.”
Como não sentir-se ultrajado ao ver concidadãos brasileiros indocumentados sendo tratados como bichos em voos fretados para trazê-los de volta ao Brasil? Por que as autoridades brasileiras não se manifestam em defesa de seu próprio povo?
Não há como seguir a Cristo sem se identificar com o sofrimento do imigrante.
Há vários precedentes bíblicos de pessoas retas que em algum momento de suas vidas foram imigrantes. A principal delas é o próprio Jesus, que fugindo da perseguição de Herodes, foi levado pelos seus pais para o Egito, onde viveu os primeiros anos de sua infância. Um Deus que conhece na pele o que é viver em terra alheia, sendo vítima de todo tipo de preconceito, pode perfeitamente identificar-se com aqueles que vivem a mesma situação. Será que ele viveu legalmente no Egito? Bem, se viveu escondido, como diz a Escritura, logo, viveu na clandestinidade.
E o que dizer de Moisés? Pelo decreto de Faraó, todos os recém-nascidos dentre os hebreus deveriam morrer. Mas as parteiras o desobedeceram deliberadamente. Por algum tempo, Moisés, além de filho de imigrantes, viveu na ilegalidade, até ser descoberto e adotado pela filha do monarca egípcio. Poderíamos apontar outros precedentes bíblicos, mas em vez disso, que tal buscar a instrução dada por Deus quanto ao trato que deve ser dispensado ao imigrante?
Logo durante a organização civil do povo hebreu, Deus ordena:
“O estrangeiro não afligirás, nem o oprimirás, pois estrangeiros fostes na terra do Egito.” Êxodo 22:21
O Supremo Legislador chama seu povo à consciência: Lembrem-se de que vocês também foram imigrantes. Não tratem o estrangeiro da maneira como vocês foram tratados no Egito!
Além do mandamento claro, Deus ainda adverte:
“Se de alguma maneira os afligirdes, e eles clamarem a mim, eu certamente ouvirei o seu clamor. A minha ira se acenderá.” Êxodo 22:23-24a
Ora, o Brasil é um país construído por imigrantes. Os mesmos brasileiros que vociferam contra imigrantes são filhos e netos daqueles que deixaram a Europa, a Ásia e a África em busca de oportunidades. O próprio presidente Bolsonaro é descendente de alemães e italianos.
Muitos acham que a decadência moral e espiritual do Brasil se deva à equivocadamente chamada “ideologia de gênero”. Porém, não encontramos advertências bíblicas de que a ira de Deus se acenderia caso as crianças recebessem uma educação que as levasse a respeitar os diferentes e a se precaverem contra abusos sexuais. Em vez disso, a advertência de Deus diz respeito ao tratamento dado aos estrangeiros. Pelo jeito, tem muita gente coando mosquito e engolindo camelos.
Outros alegam que leis migratórias mais duras coibiriam o aumento de criminalidade, diretamente ligado à imigração ilegal. Afinal, dizem eles, uma significativa parcela de crimes é praticada por estrangeiros. Ora, este raciocínio, além de preconceituoso, é raso e falacioso. Por que jovens imigrantes se envolvem com o crime? Não será pelo fato de não poderem concluir seus estudos? Ou ainda por não terem acesso ao mercado de trabalho formal? Quiçá estejamos invertendo a ordem, enxergando causas onde há efeitos, e efeitos onde há causas.
Não basta simplesmente não afligir o imigrante. A orientação bíblica vai além:
“Como o natural entre vós será o estrangeiro que peregrina convosco. Amá-lo-eis como a vós mesmos, pois fostes estrangeiros na terra do Egito. Eu sou o Senhor vosso Deus.” Levítico 19:34
O imigrante precisa ser aceito, amado, acolhido. E mais: Deve ser tratado como se fosse nativo. Em momento algum Deus ordena que se dê privilégios aos imigrantes, e sim, que sejam tratados sem discriminação. Caso contrário, o juízo de Deus virá.
Deve-se amar o estrangeiro pelo simples fato de Deus mesmo amá-lo (Deuteronômio 10:17-19).
O trato que Deus ordenou que seu povo dispensasse ao estrangeiro era de tal ordem, que é usado como referência para o trato que devemos dispensar a nossos irmãos, quando estes atravessarem alguma dificuldade econômica:
“Quando teu irmão empobrecer e as suas forças decaírem, sustentá-lo-ás como a um estrangeiro ou peregrino, para que viva contigo.” Levítico 25:35
Quem diria... Em vez de o estrangeiro ser tratado como irmão, o irmão que deveria ser tratado como estrangeiro. Porém, hoje, tratar um irmão como se fosse um estrangeiro, seria considerado um total descaso, dado o desprezo com que tratamos àqueles que consideramos diferentes de nós.
Portanto, não se pode tomar o estrangeiro como bode expiatório da crise econômica. É comum justificar a perseguição aos imigrantes alegando que estes estejam tomando as vagas de emprego que poderiam ser ocupadas pelos nativos. Será que o americano, por exemplo, estaria disposto a assumir o tipo de serviço exercido pela mão-de-obra estrangeira? Será que o europeu típico se ‘rebaixaria’ a fazer o que um imigrante africano faz?
Por que daríamos boas vindas aos que vêm da Europa, e não acolheríamos com o mesmo calor os que vêm de um país dilacerado como Haiti ou Congo, ou os que fogem da guerra na Síria?
Que direito teríamos de tratar refugiados como escória? Por mais grave que seja a crise que estejamos atravessando, nada justifica esta postura xenófoba que tem sido verificada em nossa sociedade nos últimos tempos.
Assim como damos boas vindas aos turistas que aportam em nossas cidades durante o carnaval e o réveillon, com os bolsos cheios de dólares para serem gastos aqui, devemos abrigar os que deixam sua pátria em busca de refúgio ou de oportunidades de melhorar sua qualidade de vida. Se os turistas vêm para gastar, os imigrantes vêm para nos ajudar a construir.
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