Por Hermes C. Fernandes
Mais uma eleição se avizinha e duas opiniões antagônicas e radicais têm sido adotadas por muitos cristãos. Dois extremos que precisam ser evitados para que a igreja não caia no fosso entre a alienação e o comprometimento.
De um lado estão os que se envolvem no processo, apoiando candidatos indicados pela liderança da igreja. Qualquer que ouse questionar é reputado por rebelde.
Do outro lado estão os que defendem o distanciamento da igreja do processo político eleitoral.
Há que se buscar o ponto de equilíbrio. A igreja, enquanto instituição, deve manter-se isenta, permitindo que seus membros exerçam cabalmente sua cidadania. Porém isso não lhe tira a responsabilidade de orientá-los quanto ao uso consciente do direito de votar.
Não confundamos isenção com alienação, nem engajamento com comprometimento.
Uma igreja pode engajar-se no processo de conscientização, desempenhando o papel de agente politizador. Mas jamais deve comprometer-se com qualquer que seja o partido, a candidatura ou projeto de poder, sob pena do prejuízo de seu papel profético.
Cada membro deve ser estimulado a pensar por si mesmo, e fazer suas próprias escolhas. Portanto, a função da igreja é pedagógica, não ideológica.
A despeito disso, um número cada vez mais expressivo de cristãos tem se engajado em
campanhas políticas. Uns até movidos por ideais (ainda que ingenuamente), outros por interesses pessoais.
Aproveitando-se disso, candidatos ávidos pelos votos dos fiéis assediam sistematicamente as igrejas durante a época de eleições.
O que para alguns líderes pode ser traduzido como provisão de Deus em tempo de crise, para outros menos ingênuos, tal assédio revela o caráter oportunista e desonesto de nossa classe política, e por isso, deve ser rechaçado.
Para fazer a ponte entre pastores e políticos surge a figura do pulpiteiro, geralmente alguém pertencente ao meio evangélico ou egresso dele, e que domina o evangeliquês. Num País de 46 milhões de evangélicos, o pulpiteiro pode pesar mais para uma candidatura do que o marqueteiro profissional.
Mesmo alguns líderes tidos como referência ética no meio, acabam cedendo ao assédio do pulpiteiro. A lógica é simples: se a maioria se beneficia disso, por que ficar de fora? Que mal haveria em aceitar uma oferta generosa para apoiar publicamente um candidato?
Ademais, parece mais simples (e conveniente) apontar um candidato, do que ensinar o povo a votar com consciência.
Não é debalde que durante esta época muitas igrejas concluem suas obras, adquirem equipamento novo de som, ou aquela tão sonhada propriedade para a construção do novo templo. É também nesta época que muitos líderes eclesiásticos desfilam de carro novo, ou anunciam à igreja que depois de tanto tempo de trabalho ininterruptos, finalmente sairá em férias com a família logo após os festejos de fim de ano.
O que está em jogo, afinal?
Não é apenas a postura ética que escorre pelo ralo da conveniência. Um candidato capaz de oferecer propina (este é o nome correto) em troca de votos, do que será capaz depois de eleito?
E mais: de onde ele consegue tanto dinheiro para bancar esta compra de votos no atacado? Que grupos estariam por trás de sua candidatura? Que interesses têm?
Portanto, líderes que se rendem (ou se vendem) às propostas destes políticos estão cometendo traição. Traem seu povo, sua consciência, seus votos ministeriais, e o pior, seu Deus.
Deveriam ler atentamente a advertência proferida pelos lábios do profeta Isaías:
“Os teus príncipes são rebeldes, companheiros de ladrões; cada um deles ama o suborno, e corre atrás de presentes. Não fazem justiça ao órfão, e não chega perante eles a causa das viúvas”. Isaías 1:23
Está na hora de darmos um basta nesta famigerada prática. Púlpito não é palanque, e igreja não é curral eleitoral, mas aprisco das ovelhas de Cristo.
Pastores, preparem-se para prestar contas ao dono da Igreja. Deus não os terá por inocentes. Portanto, “apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente, não por torpe ganância, mas de boa vontade, não como dominadores dos que vos foram confiados, mas servindo de exemplo ao rebanho. E, quando se manifestar o sumo Pastor, recebereis a imarcescível coroa de glória” (1 Pedro 5:2-4).
Embora reconheçamos a postura antiética e vexatória de muitos líderes no que tange à política, não podemos nos afastar do processo político, mas nos engajar no afã de produzir entre as ovelhas de Cristo uma consciência política sadia e honrosa.
Cidadania celestial e cidadania terrena não são necessariamente excludentes. Como cristãos comprometidos com o futuro da humanidade, precisamos encarnar os valores e princípios do reino de Deus e expressá-los através de nossa conduta no processo político/eleitoral.
Urge rejeitarmos a ideia de messianismo político, que afirma que o Brasil só será transformado quando um “justo” (que na linguagem das igrejas significa um membro de igreja evangélica) governar o país. Lamentamos a manipulação e ambição de alguns líderes evangélicos pelo poder temporal que se esconde por trás dessa alegação. Lembrando que, conquanto o Reino de Deus não seja deste mundo, é para este mundo, mas não será implantado por coação, na canetada, na promulgação de leis baseadas em valores religiosos, mas pela proclamação do evangelho do amor que conclama o indivíduo a adotar uma postura comprometida com o bem comum e a justiça social.
Que os púlpitos não sejam transformados em palanques eleitorais em épocas de eleição. Que nenhum pastor induza o seu rebanho a votar neste ou naquele candidato por ser de sua preferência ou interesse pessoal. Que haja liberdade de pensamento e ideologia política entre o rebanho (Gálatas 1:10). Que as igrejas recusem ajuda financeira ou estrutural de políticos em épocas de campanha política a fim de zelarem pela coerência e liberdade do Evangelho (Ezequiel 13:19).
Negamos, veementemente, no âmbito político, qualquer entidade que se diga porta-voz do povo evangélico. Nós somos livres em nossas ideologias políticas, não tendo nenhuma obrigação com qualquer partido político ou organização que se passe por nossos representantes (Mateus 22:21).
O versículo bíblico “Feliz a nação cujo Deus é o Senhor” não deve ser interpretado sob olhares políticos como “Feliz a nação cujo presidente é evangélico” e nem utilizado para favorecer candidatos que se apresentem como cristãos (Salmos 144:15).
Qualquer cristão tem o direito de se candidatar a um cargo político, mas jamais deve pretender ser representante dos interesses da igreja, e sim dos interesses populares, sobretudo das minorias e dos excluídos. O advogado da igreja é Cristo. Defender a causa dos fracos, pobres e oprimidos é praticar a justiça do Reino de Deus (Salmos 82:2-3; Isaías 10:1-4). Como cristãos, devemos submeter-nos às autoridades constituídas, desde que para isso, nossa consciência e nosso compromisso com o reino de Deus e a Sua justiça não sejam violados (Romanos 13:1-7; 1 Pedro 2:13-17; Atos 4:19).
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