Por Hermes C. Fernandes
Lamentável a cena de um pastor candidato a vereador no Rio que montou palanque em frente ao condomínio da Xuxa gritando palavrões intercalados com versículos bíblicos para denunciar o que ele chamou equivocadamente de ideologia de gênero. Fica evidente que o tal pastor só queria se promover em cima de uma falácia inventada por líderes inescrupulosos para eleger seus candidatos. O fato de Xuxa ter lançado recentemente um livro sobre a temática (Maya, o bebê arco-íris) foi apenas o pretexto e o estopim. No livro, a apresentadora conta a estória de um bebê que escolhe nascer em um lar com duas mães. Trata-se de uma estória de amor que depõe contra preconceitos arraigados na sociedade e regados pelo discurso odioso travestido de religião.
A primeira vez que me deparei com a questão da homossexualidade eu tinha por volta de 8 ou 9 anos e estudava na Escola Municipal Haiti, escola pública no bairro de Quintino, zona norte do Rio. Havia um casal de gêmeos em minha classe. O menino era o que costumávamos chamar de afeminado. Devido a seus trejeitos, sofria todo tipo de bullying. Houve um dia em que vários garotos correram atrás dele para espancá-lo. Apesar de não participar das brincadeiras cruéis de que ele era vítima, confesso que não me importava. Como cristão, havia aprendido que aquilo era uma abominação. Se não quisesse sofrer, ele que mudasse sua maneira de ser e passasse a ser portar como um homem. Era exatamente assim que eu pensava. Até que um dia, os mesmos garotos que correram atrás dele para espancá-lo, correram atrás de mim para me espancar. Ele sofria por sua orientação sexual e eu por causa da fé intransigente que professava. Após a aula, juntaram-se nove garotos para me bater. Saí disparado rua afora e consegui me esconder atrás do balcão de uma farmácia próxima da praça e da estação ferroviária. Naquele dia, eu e aquele garoto de trejeitos delicados e femininos tínhamos algo em comum. Ambos sabíamos o que era sofrer por causa do preconceito. Desde então, comecei a olhá-lo com outros olhos, posicionando-me em sua defesa.
O ambiente escolar costuma ser cruel com os diferentes. Por isso, acredito que cabe aos professores trabalhar para atenuar este tipo de comportamento.
Tempos atrás, um menino de apenas doze anos, colega de algumas crianças que frequentam nossa igreja, suicidou-se tomando chumbinho e sufocando-se com um saco plástico, por não suportar o bullying sofrido na escola. Não se trata de um caso isolado, mas de um fato cada vez mais frequente, apesar de nem sempre ter a devida cobertura midiática.
Raramente os pais tomam conhecimento do que acontece na escola. E às vezes, mesmo sabendo, não tomam qualquer providência, seja por sentirem-se impotentes, ou simplesmente por não se importarem. Por estas e outras, sou 100% a favor da proposta da educação para a diversidade. Não se trata de ‘ideologia de gênero’, mas de educação, e, portanto, deve ser discutido no ambiente escolar.
Uma pesquisa feita pela Universidade Federal de São Carlos (SP), revela que 32% dos homossexuais entrevistados sofrem preconceito dentro de sala de aula. Já de acordo com pesquisa do Ministério da Educação que ouviu 8.283 estudantes em todo país, na faixa etária entre 15 e 29 anos, no ano letivo de 2013, 20% dos alunos preferem não conviver com colegas de classe que sejam homossexuais ou transexuais.
Longe de ser uma doutrinação visando converter as crianças à homossexualidade (como se isso fosse possível!), a educação para a diversidade tem como objetivo criar condições favoráveis no ambiente escolar para que professores e alunos possam aprender e ensinar o convívio com as diferenças, combatendo assim a discriminação, o preconceito, a violência de gênero (contra a mulher, o homossexual e o transexual). A escola deve prover um espaço aberto à reflexão e ao acolhimento dos alunos em sua individualidade, garantindo-lhes a liberdade de expressão. Para tal, deve-se fomentar debates mais aprofundados sobre as questões de gênero e sexualidade, com disciplinas que tratem especificamente do tema.
Os pais devem ficar despreocupados. Nenhum filho hétero vai voltar para casa homossexual. Mas certamente vai enxergar seus colegas homossexuais sem as lentes do preconceito que, infelizmente, muitas vezes receberam na educação provida em seu próprio lar.
EDUCAÇÃO SEXUAL PARA A PREVENÇÃO DO ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Uma das principais razões para que as escolas ofereçam educação sexual é a prevenção de abusos sexuais. O abuso sexual de crianças e adolescentes geralmente é cometido por uma pessoa de confiança da vítima, como um parente próximo. Há abuso mesmo quando não se tem o ato sexual consumado. Expor a criança a carícias impróprias ou a pornografia, ou se exibir para ela, também é considerado abuso sexual. Uma educação sexual escolar que respeite o desenvolvimento físico, psicológico, afetivo, cognitivo e, sobretudo, sexual de uma criança oferece ferramentas para diagnosticar possíveis abusos, incentivando a denúncia com o objetivo de interrompê-los.
Mapeamento de 2019 do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) aponta que pelos menos 40% dos crimes de violência sexual infantil no país foram cometidos por pais ou padrastos. Ainda, 14% dos crimes dessa natureza foram cometidos pelas mães das vítimas, 9% pelos tios, 7% por vizinhos e os outros 30% dos casos são de responsabilidade de "outros". Pelo menos 73% dos crimes de violência sexual infantil aconteceram na casa da própria vítima, e as autoridades estimam que apenas 10% dos crimes são denunciados.
A recusa por parte de algumas instituições em abordar o tema que ainda é visto como tabu, ou de denunciar às autoridades casos de violência sexual, tem sido um fator facilitador para os abusadores. Estes deveriam ser os únicos a se sentirem incomodados com a educação sexual das crianças na escola.
Felizmente, tem havido algum progresso neste campo minado. Em pesquisa do Datafolha de 2019, 54% da população brasileira disseram ser favoráveis à educação sexual nas escolas.
Está comprovado que a educação promove o adiamento da iniciação sexual, e, consequentemente, previne DST, gravidez indesejada e, por conseguinte, coíbe o aborto.
Os que se opõem a educação sexual nas escolas deveriam considerar que seus filhos estão sendo bombardeados por informações erradas sobre sexo, seja através da televisão, da internet ou de propagandas.
COMO CONVERSAR COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES SOBRE SEXUALIDADE
Uma das formas de prevenção é ensinar as crianças com abordagens apropriadas para cada faixa etária, conceitos de autoproteção, consentimento, integridade corporal, sentimentos e a diferença entre toques agradáveis e carinhosos, e toques invasivos, erotizados e desconfortáveis, aumentando as chances de proteger crianças e adolescentes de possíveis violações. É importante falar, por exemplo, em quais partes do corpo da criança qualquer pessoa pode tocar e em quais partes não podem, mesmo por outras crianças. Por exemplo, tocar na cabeça, no ombro, no braço geralmente não oferece qualquer ameaça. Mas elas precisam entender que outra pessoa não pode tocar em suas partes íntimas, seja adulta ou criança. É imprescindível que se ensine às crianças a não permitir maior intimidade com determinadas pessoas. E assim, elas se percebem empoderadas, aptas a dizer não e a fugir da situação. Geralmente, abusadores sabem como conquistar as crianças paulatinamente. Em sua ingenuidade, a criança pode permitir o abuso por receio, medo ou por engano, além de não denunciar o abusador por se sentir envergonhada e culpada.
Conceitos apropriados para abordar com crianças menores de 4 anos
• Meninos e meninas são diferentes;
• Nomes corretos dos órgãos genitais;
• Bebês vêm da barriga das mães;
• Responder perguntas básicas sobre o corpo e funcionamento dele;
• Explicar sobre privacidade. Por exemplo: por quê cobrimos as partes íntimas, não tocar em partes íntimas dos colegas;
• A diferença entre os toques agradáveis e bem-vindos e toques que são invasivos e desconfortáveis;
• Nenhuma criança ou um adulto tem o direito de tocar as suas partes íntimas;
• Diga ‘não’ quando adultos pedem que você faça coisas erradas, como tocar partes íntimas ou guardar segredos;
• A quem pedir ajuda caso seja tocado nas partes íntimas.
Conceitos apropriados para abordar com crianças de 4 a 6 anos
• Os corpos de meninos e meninas mudam quando crescem;
• Explicações simples sobre o processo de nascimento dos bebês
• Regras sobre limites pessoais (como não tocar em partes íntimas de crianças);
• Respostas simples a todas as perguntas sobre o corpo humano;
• Abuso sexual é quando alguém toca em suas partes ou pede que você toque em suas partes íntimas;
• É abuso sexual, mesmo que seja por alguém que você conhece;
• Abuso sexual nunca é culpa da criança
• Se um estranho tenta levá-lo com ele ou ela, correr e contar para os pais, professor, vizinho, policial ou outro adulto.
Conceitos apropriados para abordar com crianças e adolescentes de 7 a 12 anos em fase de pré-puberdade
• O que esperar e como lidar com as mudanças da puberdade;
• O abuso sexual pode ou não envolver o toque;
• Como manter a segurança e limites pessoais quando conversar ou conhecer pessoas on-line;
• Como reconhecer e evitar situações sociais de risco.
Conceitos apropriados para abordar com adolescentes em fase de puberdade
• Regras de encontros;
• Noções básicas de reprodução, gravidez e parto;
• Riscos da atividade sexual (gravidez e doenças sexualmente transmitidas);
• Noções de contracepção.
Infelizmente, muitos pais não se sentem preparados para abordar tais questões com os seus filhos, razão pela qual se faz tão necessário que professores e educadores cumpram este importante papel. O que não se deve é apelar a falsos escrúpulos ou a preocupações infundadas alimentadas por pregadores moralistas e políticos oportunistas que no suposto afã de proteger as famílias, acabam por submetê-las a riscos desnecessários.
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