segunda-feira, agosto 31, 2020

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DE QUE LADO ESTOU, AFINAL?

Por Hermes C. Fernandes 

“Se não temos paz, é porque nos esquecemos de que pertencemos uns aos outros.” ― Madre Teresa de Calcutá

Ao acessar o meu perfil no facebook, deparo-me com o seguinte comentário: "Você sempre está do lado do diabo." Eis o preço que pagamos por nos posicionarmos pela verdade, pela justiça e pelo amor.

Permita-me explicar as razões porque, às vezes, pode parecer a alguns que estou do lado errado.

Olho para o mundo e vejo lampejos da graça de Deus em gestos, palavras, produções culturais, etc. Olho para a igreja e vejo anacronismo, sede de poder, narcisismo, e coisas que deveria condenar com veemência. Há coisas no mundo que gostaria de ver na igreja. E há coisas na igreja que a tornam muito semelhante ao mundo no que ele tem de pior.

Podemos afirmar que Jesus estava ao lado do diabo por ser tão duro com os religiosos do templo e tão complacente com os “inimigos”? 

Uma das principais razões pelos quais os religiosos conspiraram para matá-lo foi justamente esta. Como um rabino judeu poderia atender e elogiar publicamente a um centurião romano? Como Ele poderia hospedar-se na casa de um cobrador de impostos, considerado um traidor da pátria? Enquanto comia com publicanos e prostitutas, Jesus era duro em seu discurso contra a hipocrisia dos religiosos.

Se Jesus estivesse do lado deles, jamais teria feito o que fez no templo em Jerusalém, expulsando os cambistas e acabando com a mamata dos sacerdotes. Se estivesse do lado deles, não os teria chamado de  guias cegos, hipócritas, sepulcros caiados, etc.

Os que se dizem seguidores de Jesus parecem ter tomado o caminho inverso. Somos duros com os de fora e complacentes com os de dentro. Não importa se o sujeito prega um monte de asneiras, se destila ódio e preconceito em seus discursos; se seus inimigos são os mesmos que os nossos, logo, deduzimos que seja nosso amigo (ou seria, comparsa?).

Mesmo os que não professem nossa fé, caso se posicionem contra os que consideramos nossos inimigos, tornam-se nossos aliados. E assim, nos promiscuímos. A questão, portanto, não diz respeito à fé propriamente dita, mas aos nossos interesses.

Fico chocado ao ler que a bancada evangélica encontrou na bancada ruralista uma de suas principais parceiras no congresso. Ambas se lixam para as questões ambientais. Estamos sempre dando as mãos aos reacionários, aos que defendem os direitos dos poderosos em detrimento dos desafortunados. Traímos nosso Senhor e Cristo.

Atualmente, três bancadas do congresso se uniram formando um bloco capaz de impor sua própria agenda ao país. Trata-se do que tem sido chamada de bancada BBB (bíblia, bala e boi), representando respectivamente os interesses das igrejas, da indústria armamentista e dos grandes latifundiários. Juntas, são capazes de coar qualquer mosquito e engolir um zoológico inteiro. 

O que fazer diante desta triste realidade? Particularmente, prefiro cortar na própria carne.

De acordo com Pedro, o juízo de Deus deve começar por sua própria casa.  Não é em vão que no livro de Apocalipse, antes de tratar com a grande Babilônia, Jesus trata com a sua igreja, repreendendo, exortando, corrigindo, e eventualmente, elogiando. Como julgar Roma ou Jerusalém, sem antes corrigir a igreja que estava em Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia?

Como poderíamos propor que o mundo se submetesse aos princípios e valores do evangelho se em nossa própria casa isso não tem acontecido?

Veja, por exemplo, nossa ânsia por poder. Jesus disse que entre nós não deveria ser assim. Quem quisesse ser o maior deveria ser o serviçal. Que moral temos de conclamar o mundo a que tome Jesus como exemplo, servindo ao invés de dominar, se não fazemos outra coisa que não seja impor aos outros nossas crenças?

Jesus ensinou a humildade. Somos uma feira de vaidade.

Jesus ensinou a generosidade. Somos avarentos, gananciosos e mesquinhos. Basta ver os suntuosos templos fincados próximos a bolsões de miséria.

Jesus ensinou a amar até o inimigo. Incitamos uma cruzada contra qualquer segmento que pense diferente de nós. Nossas igrejas se tornaram sucursais do gabinete do ódio.

Jesus ensinou a discrição. Buscamos os holofotes a qualquer preço. Confundimos relevância com petulância.

Jesus ensinou a perdoar. Preferimos o caminho da revanche. Mexeu com um de nós, vai se ver conosco. Vamos jogar na cara da pessoa todo o seu passado, como fizeram recentemente com a apresentadora Xuxa Meneghel, só porque criticou "um dos nossos."

Por isso o mundo não nos leva a sério. Somos uma vergonha para o evangelho de Cristo. 

De que lado estou? Espero estar do lado da justiça, da verdade, e do próprio Cristo. Mesmo que isso me custe a reputação. Almejo estar ao lado da adúltera, não de quem quer apedrejá-la; ao lado das minorias esmagadas, não da maioria esmagadora; dos injustiçados, não dos injustos; dos oprimidos, não dos opressores; dos pecadores, não dos pretensos santos que disfarçam suas taras com o seu farisaísmo. 

Onde quer que eu identifique traços da graça de Deus, quero realçá-los. Onde identificar traços de nossa natureza degenerada, pretendo denunciá-los, sem preocupar-me em fazer média com quem quer que seja. O importante é não trair a própria consciência.

Sei do estigma que poderei carregar.  Sei do quanto julgarão minhas intenções (há quem diga que procuro likes ou fama). Mas não serei omisso enquanto pessoas que verdadeiramente têm feito diferença no mundo estejam sendo difamadas por quem se diz seguidor de Cristo. Nem pouparei os que exploram a fé dos incautos, enquanto distilam ódio na defesa de suas agendas de poder. 

Os mesmos que hoje se posicionam contra os direitos da população LGBTQ+ se posicionariam contra o voto feminino e o direitos civis dos negros algumas décadas atrás, contra a libertação dos escravos séculos atrás, e contra tudo o que represente o avanço da sociedade.

Antes de comprar uma briga, eu me pergunto: De que lado estaria Jesus? E é desse lado que eu busco me posicionar, seja-me favorável ou não. Jesus sempre estará do lado oposto às nossas presunções.

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