Por Hermes C. Fernandes
Como vimos anteriormente, o divórcio já não se constitui no mesmo tabu
que antes. Mas daí, aceitar que o divorciado contraia novas núpcias já seria
pedir demais, pelo menos, para alguns segmentos da igreja evangélica. Se quer
divorciar, divorcie, mas não se atreva a querer construir um novo
relacionamento. Para alguns, isso só seria permitido se o ex viesse a morrer.
Por isso, muitos suportam relacionamentos abusivos, mas em secreto, rogam a
Deus que “prepare e leve” o seu cônjuge. Só assim, sairiam verdadeiramente
livres, sem terem que se preocupar com partilha de bens, com a guarda de
filhos, e de quebra, estariam prontos para alçar novos voos amorosos.
Em meu texto sobre o divórcio, demonstrei à luz das Escrituras que,
apesar de toda dor envolvida, ele pode ser uma alternativa legítima que vise a
preservação da integridade física e emocional de ambos os envolvidos. Mas nas
linhas que se seguem, quero abordar a possibilidade de um segundo casamento,
bem como a melhor maneira de se lidar com esta realidade.
Como já disse, Deus odeia o divórcio porque Ele mesmo passou por um. Sua
primeira aliança era com Israel, povo escolhido dentre as nações, mas que lhe
foi infiel, rendendo-se à idolatria. Mas Ele não somente se divorciou de
Israel, mas também contraiu uma nova aliança com outro povo, a igreja. Isso já
havia sido profetizado inúmeras vezes ao longo da Antiga Aliança, como por
exemplo pelos lábios de Oséias, citado pelo apóstolo Paulo em sua epístola aos
Romanos:
“Como também diz em Oséias: Chamarei meu povo ao que não era meu povo; e amada à que não era amada. E sucederá que no lugar em que lhes foi dito: Vós não sois meu povo; aí serão chamados filhos do Deus vivo.” Romanos 9:25, 26
Ou pelos lábios de Ageu:
“A glória desta última casa será maior do que a da primeira, diz o
Senhor dos Exércitos, e neste lugar darei a paz, diz o Senhor dos Exércitos.”
Ageu 2:9
Não, Deus não é bígamo. Ele não tem dois povos com os quais mantenha
alianças distintas. Seu povo é a igreja, embrião da nova humanidade, formada
por todos que fazem do amor o distintivo de sua espiritualidade e o esteio de
sua fé.
Aos que insistem com o dogma da indissolubilidade matrimonial ou da
impossibilidade de se contrair novas núpcias, sugiro que releiam passagens
bíblicas que relatam episódios em que Deus lança mão disso para alcançar Seus
propósitos salvíficos.
Por exemplo: Ester foi a segunda esposa do rei Assuero. Vasti, a
primeira, recusou-se a atender à sua convocação, e por isso, foi destituída.
Teria Ester cometido adultério ao aceitar se casar com um rei divorciado? Pois
se não houvesse aceitado, como teria livrado o seu próprio povo da trama de
Hamã que pretendia exterminá-lo (Ester 1-3)?
Moisés foi duramente criticado por seus irmãos Arão e Miriam por haver
contraído um novo matrimônio com uma mulher estrangeira. Sabe o que Deus fez?
Pôs-se favorável a Moisés, disciplinando-os severamente por sua conspiração
(Números 12).
A primeira esposa de Davi foi Mical, filha de Saul. Jesus, porém, veio
da linhagem de Bate-seba, oitava esposa de Davi.
Precisamos diferenciar o que é ideal do que é real. O ideal seria que
Israel jamais se envolvesse com práticas idólatras, mantendo-se fiel ao seu
Deus. O ideal seria que todo casamento durasse o tempo de vida dos cônjuges.
Mas nem sempre este ideal é possível. Portanto, temos que lidar com as demandas
reais que a vida nos apresenta.
Se nos dias bíblicos já não era bom que o homem (no sentido genérico)
estivesse só, imagine nos dias atuais, quando somos bombardeados por todos os
lados com mensagens apelativas, com cobranças sociais, com o assédio da
depressão, etc.
As convenções sociais mudam com o tempo. A poligamia antes tolerada e
praticada na época dos patriarcas, hoje é condenada. O estigma que uma mulher
divorciada carregava, já não carrega mais. Ser filho de pais separados deixou
de ser motivo de vergonha. Ninguém está condenado a viver isolado por ser
divorciado como se fosse um leproso dos tempos bíblicos. Então, por que ainda
insistimos em condenar a alguém que almeje ser feliz ao lado de outro num
relacionamento estável e devidamente amparado pela lei?
Talvez esta seja uma das principais razões que levam a muitos a viverem
relacionamentos informais e sigilosos, pois sabem o quanto serão julgados,
discriminados e rechaçados por quem deveria ampará-los a apoiá-los.
Em momento algum Jesus julgou aquela mulher samaritana que já havia se
casado cinco vezes e que, por fim, vivia um relacionamento moralmente
condenável com o marido de outra. Em vez disso, Jesus identificou uma sede que
se pronunciava em seu comportamento aparentemente promíscuo. Ao não reconhecer
o sexto relacionamento, visto se tratar de um adultério, Jesus não deixou de
reconhecer e legitimar os cinco anteriores. Repare em sua abordagem:
“Disse-lhe Jesus: Vai, chama o teu marido e volte aqui. Respondeu ela:
Não tenho marido. Disse-lhe Jesus: Tens razão em dizer que não tens marido,
pois JÁ TIVESTE CINCO MARIDOS, e o que agora tens não é teu marido. Isso
disseste com verdade.” João 4:16-18
Se Deus só aceitasse o primeiro casamento, então, Jesus teria dito que
ela teve um marido e quatro amantes, sem contar o quinto que provavelmente
ainda era casado com outra.
Todavia, afirmar que Deus possa admitir que alguém contraia um segundo
matrimônio não significa dizer que tal pessoa não terá que arcar com os bônus e
os ônus de tal iniciativa. Há que se evitar alguns erros crassos para que a
segunda tentativa não termine igualmente frustrada.
Uma das primeiras precauções a serem tomadas por quem pretenda contrair
um novo matrimônio é evitar qualquer tipo de comparação. O primeiro casamento
deve ser considerado página virada. Seu ex certamente tinha qualidades, mas
estas não devem servir para constranger seu atual. Ele também tinha defeitos,
mas estes também não devem ser usados cada vez que quiser realçar as qualidades
do atual. Isso serve também para quem se casou novamente depois de ter ficado
viúvo.
É inevitável que eventualmente a figura do ex reapareça em alguma
conversa, porém, deve-se averiguar se isso não traria algum mal-estar ao atual.
Se for o caso, então, que se evite a qualquer custo.
Caso passe por alguma situação com o atual que lhe remeta a uma situação
vivida no relacionamento anterior, verifique se o silêncio não seria a melhor
pedida. A repetição de cenários não significa que os envolvidos ajam da mesma
maneira ou que sejam impulsionados pela mesma motivação.
É natural que a separação promova o afastamento de alguns amigos. O que
não é natural é que dentre estes, alguns gostem de ver o circo pegar fogo, e,
por isso mesmo, fiquem à espreita, aguardando uma foto postada em redes
sociais, um comentário amoroso, ou algo semelhante, para incitar o ciúme do ex.
Cuidado com o “leva-e-traz”. Mesmo os que se mantiveram leais a você, podem
despretensiosamente soltar comentários que poderão causar mal-estar, sobretudo,
quando envolve os filhos.
Se você tem filhos do primeiro casamento, e vier a se casar com alguém
que também tenha filhos, redobre os cuidados. E se, porventura, vocês vierem a
ter outros filhos juntos, jamais permitam que os filhos do primeiro casamento
se sintam menos amados que estes, ou vice-versa. Não existe ex-filho, nem
ex-pai ou ex-mãe. Filhos são para sempre. Evite comparações entre eles.
Lembre-se de que foi isso que fez com que Sara exigisse que Abraão despedisse a
Hagar e ao seu filho.
Se você pretende se casar com alguém que já foi casado e que tem filhos,
jamais se coloque entre eles. O amor que seu marido ou esposa tem pelos filhos
do primeiro casamento é inviolável e não pode ser comparado ao que ele ou ela
sente por você. Não se trata de ser maior ou menor, e sim de serem tipos de
amor diferentes.
Sacudindo
a poeira
Todos têm o direito de optar por se manterem solteiros após a separação.
Uma nova núpcia não deve ser vista como uma obrigação. Não se deve aventurar-se
em um novo relacionamento somente por pressão social ou porque seu ex está
feliz ao lado de outra pessoa. Em alguns casos, pode ser necessário um período
sabático para se recompor do trauma da separação. Um novo relacionamento não
deve ser visto como um remédio para as feridas deixadas pelo anterior. Jamais
fique com alguém para esquecer o outro.
Mas também não permita que a experiência amarga do primeiro casamento
lhe impossibilite de tentar novamente.
Há uma passagem em que Jesus orienta a Seus discípulos a sacudirem a
poeira de seus pés cada vez que fossem rejeitados numa cidade (Marcos 6:11). Em
outras palavras, eles não deveriam deixar que aquela experiência traumática
inibisse novas tentativas. Todos estamos sujeitos a isso.
Casamento é uma loteria. Não há garantias, mas possibilidades. Se não
acertou na primeira, pode ser que acerte na segunda. O importante é não
desistir. Não digo, desistir da vida a dois, mas desistir da vida em si.
Lembre-se de que você não precisa provar nada a quem quer que seja. Ao
postar uma foto com o atual, não o faça na intenção de enviar recado ao seu ex,
como se quisesse dizer: Poderia ser você, mas você não fez por onde. Isso
demonstra total falta de maturidade, e evidencia o fato de que você não esteja
pronto para um novo relacionamento.
E pare de ficar visitando o perfil do seu ex para verificar se está só
ou acompanhado, se está feliz ou infeliz, se está vivendo ao lado de outra
pessoa o que poderia estar vivendo ao seu lado.
Este tipo de atitude provoca estagnação na vida. Olhar para trás nos
torna “estátuas de sal” como aconteceu à mulher de Ló. O sal que deveria ser
espargido para realçar o sabor da vida, passa a se concentrar num único ponto,
endurecendo-se, tornando-se pedra. Tem até silhueta, semblante, mas não passa
de algo estático, desprovido de vida. A vida precisa de movimento, de
dinamismo, de reação. A gente tem que sair do lugar. Deixar de ser como um
inseto voando em órbita de uma lâmpada. Caso contrário, a gente fica preso numa
espécie de limbo existencial.
Todos temos um passado que não pode ser apagado. Todos temos um futuro
que deve ser construído. O que não dá é ficar preso a um futuro do pretérito,
conjecturando como teria sido se as coisas houvessem tomado rumos diferentes. O
que você fez, está feito. O que você fará, fará. Mas o que você faria, não fará
mais.
Então, viva e deixe viver.
Não permita que nada, nem ninguém, sabote a sua existência. Mas também
não se permita sabotar a existência de ninguém. Não terceirize
responsabilidades. Quando uma relação não dá certo, a responsabilidade recai
sobre os dois. Ninguém tem culpa. Só não era para ser.
Se não foi possível que alguém fosse feliz ao seu lado, que seja ao lado
de outra pessoa. Não se sinta ofendido pela felicidade que alguém proporcionar
ao seu ex. Nem se preocupe em ofender quem quer que seja com a sua própria
felicidade.
Não ostente. Mas também não se prive. Apenas viva autenticamente o que
houver para ser vivido.
Ame e permita-se ser amado. Perdoe e, se precisar, peça perdão. Siga em
frente sem se deixar distrair com os que não fazem outra coisa que não seja
espreitar e sabotar a felicidade alheia.
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