terça-feira, setembro 01, 2020

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DIVÓRCIO E A POSSIBILIDADE DE UM NOVO CASAMENTO


 Por Hermes C. Fernandes

Como vimos anteriormente, o divórcio já não se constitui no mesmo tabu que antes. Mas daí, aceitar que o divorciado contraia novas núpcias já seria pedir demais, pelo menos, para alguns segmentos da igreja evangélica. Se quer divorciar, divorcie, mas não se atreva a querer construir um novo relacionamento. Para alguns, isso só seria permitido se o ex viesse a morrer. Por isso, muitos suportam relacionamentos abusivos, mas em secreto, rogam a Deus que “prepare e leve” o seu cônjuge. Só assim, sairiam verdadeiramente livres, sem terem que se preocupar com partilha de bens, com a guarda de filhos, e de quebra, estariam prontos para alçar novos voos amorosos.

Em meu texto sobre o divórcio, demonstrei à luz das Escrituras que, apesar de toda dor envolvida, ele pode ser uma alternativa legítima que vise a preservação da integridade física e emocional de ambos os envolvidos. Mas nas linhas que se seguem, quero abordar a possibilidade de um segundo casamento, bem como a melhor maneira de se lidar com esta realidade.

Como já disse, Deus odeia o divórcio porque Ele mesmo passou por um. Sua primeira aliança era com Israel, povo escolhido dentre as nações, mas que lhe foi infiel, rendendo-se à idolatria. Mas Ele não somente se divorciou de Israel, mas também contraiu uma nova aliança com outro povo, a igreja. Isso já havia sido profetizado inúmeras vezes ao longo da Antiga Aliança, como por exemplo pelos lábios de Oséias, citado pelo apóstolo Paulo em sua epístola aos Romanos:

“Como também diz em Oséias: Chamarei meu povo ao que não era meu povo; e amada à que não era amada. E sucederá que no lugar em que lhes foi dito: Vós não sois meu povo; aí serão chamados filhos do Deus vivo.” Romanos 9:25, 26

Ou pelos lábios de Ageu:

“A glória desta última casa será maior do que a da primeira, diz o Senhor dos Exércitos, e neste lugar darei a paz, diz o Senhor dos Exércitos.” Ageu 2:9

 

Não, Deus não é bígamo. Ele não tem dois povos com os quais mantenha alianças distintas. Seu povo é a igreja, embrião da nova humanidade, formada por todos que fazem do amor o distintivo de sua espiritualidade e o esteio de sua fé.

Aos que insistem com o dogma da indissolubilidade matrimonial ou da impossibilidade de se contrair novas núpcias, sugiro que releiam passagens bíblicas que relatam episódios em que Deus lança mão disso para alcançar Seus propósitos salvíficos.

Por exemplo: Ester foi a segunda esposa do rei Assuero. Vasti, a primeira, recusou-se a atender à sua convocação, e por isso, foi destituída. Teria Ester cometido adultério ao aceitar se casar com um rei divorciado? Pois se não houvesse aceitado, como teria livrado o seu próprio povo da trama de Hamã que pretendia exterminá-lo (Ester 1-3)?

Moisés foi duramente criticado por seus irmãos Arão e Miriam por haver contraído um novo matrimônio com uma mulher estrangeira. Sabe o que Deus fez? Pôs-se favorável a Moisés, disciplinando-os severamente por sua conspiração (Números 12).

A primeira esposa de Davi foi Mical, filha de Saul. Jesus, porém, veio da linhagem de Bate-seba, oitava esposa de Davi.

Precisamos diferenciar o que é ideal do que é real. O ideal seria que Israel jamais se envolvesse com práticas idólatras, mantendo-se fiel ao seu Deus. O ideal seria que todo casamento durasse o tempo de vida dos cônjuges. Mas nem sempre este ideal é possível. Portanto, temos que lidar com as demandas reais que a vida nos apresenta.

Se nos dias bíblicos já não era bom que o homem (no sentido genérico) estivesse só, imagine nos dias atuais, quando somos bombardeados por todos os lados com mensagens apelativas, com cobranças sociais, com o assédio da depressão, etc.

As convenções sociais mudam com o tempo. A poligamia antes tolerada e praticada na época dos patriarcas, hoje é condenada. O estigma que uma mulher divorciada carregava, já não carrega mais. Ser filho de pais separados deixou de ser motivo de vergonha. Ninguém está condenado a viver isolado por ser divorciado como se fosse um leproso dos tempos bíblicos. Então, por que ainda insistimos em condenar a alguém que almeje ser feliz ao lado de outro num relacionamento estável e devidamente amparado pela lei?

Talvez esta seja uma das principais razões que levam a muitos a viverem relacionamentos informais e sigilosos, pois sabem o quanto serão julgados, discriminados e rechaçados por quem deveria ampará-los a apoiá-los.

Em momento algum Jesus julgou aquela mulher samaritana que já havia se casado cinco vezes e que, por fim, vivia um relacionamento moralmente condenável com o marido de outra. Em vez disso, Jesus identificou uma sede que se pronunciava em seu comportamento aparentemente promíscuo. Ao não reconhecer o sexto relacionamento, visto se tratar de um adultério, Jesus não deixou de reconhecer e legitimar os cinco anteriores. Repare em sua abordagem:

“Disse-lhe Jesus: Vai, chama o teu marido e volte aqui. Respondeu ela: Não tenho marido. Disse-lhe Jesus: Tens razão em dizer que não tens marido, pois JÁ TIVESTE CINCO MARIDOS, e o que agora tens não é teu marido. Isso disseste com verdade.” João 4:16-18

 

Se Deus só aceitasse o primeiro casamento, então, Jesus teria dito que ela teve um marido e quatro amantes, sem contar o quinto que provavelmente ainda era casado com outra.

Todavia, afirmar que Deus possa admitir que alguém contraia um segundo matrimônio não significa dizer que tal pessoa não terá que arcar com os bônus e os ônus de tal iniciativa. Há que se evitar alguns erros crassos para que a segunda tentativa não termine igualmente frustrada.

Uma das primeiras precauções a serem tomadas por quem pretenda contrair um novo matrimônio é evitar qualquer tipo de comparação. O primeiro casamento deve ser considerado página virada. Seu ex certamente tinha qualidades, mas estas não devem servir para constranger seu atual. Ele também tinha defeitos, mas estes também não devem ser usados cada vez que quiser realçar as qualidades do atual. Isso serve também para quem se casou novamente depois de ter ficado viúvo.

É inevitável que eventualmente a figura do ex reapareça em alguma conversa, porém, deve-se averiguar se isso não traria algum mal-estar ao atual. Se for o caso, então, que se evite a qualquer custo.

Caso passe por alguma situação com o atual que lhe remeta a uma situação vivida no relacionamento anterior, verifique se o silêncio não seria a melhor pedida. A repetição de cenários não significa que os envolvidos ajam da mesma maneira ou que sejam impulsionados pela mesma motivação.

É natural que a separação promova o afastamento de alguns amigos. O que não é natural é que dentre estes, alguns gostem de ver o circo pegar fogo, e, por isso mesmo, fiquem à espreita, aguardando uma foto postada em redes sociais, um comentário amoroso, ou algo semelhante, para incitar o ciúme do ex. Cuidado com o “leva-e-traz”. Mesmo os que se mantiveram leais a você, podem despretensiosamente soltar comentários que poderão causar mal-estar, sobretudo, quando envolve os filhos.

Se você tem filhos do primeiro casamento, e vier a se casar com alguém que também tenha filhos, redobre os cuidados. E se, porventura, vocês vierem a ter outros filhos juntos, jamais permitam que os filhos do primeiro casamento se sintam menos amados que estes, ou vice-versa. Não existe ex-filho, nem ex-pai ou ex-mãe. Filhos são para sempre. Evite comparações entre eles. Lembre-se de que foi isso que fez com que Sara exigisse que Abraão despedisse a Hagar e ao seu filho.

Se você pretende se casar com alguém que já foi casado e que tem filhos, jamais se coloque entre eles. O amor que seu marido ou esposa tem pelos filhos do primeiro casamento é inviolável e não pode ser comparado ao que ele ou ela sente por você. Não se trata de ser maior ou menor, e sim de serem tipos de amor diferentes.

Sacudindo a poeira

Todos têm o direito de optar por se manterem solteiros após a separação. Uma nova núpcia não deve ser vista como uma obrigação. Não se deve aventurar-se em um novo relacionamento somente por pressão social ou porque seu ex está feliz ao lado de outra pessoa. Em alguns casos, pode ser necessário um período sabático para se recompor do trauma da separação. Um novo relacionamento não deve ser visto como um remédio para as feridas deixadas pelo anterior. Jamais fique com alguém para esquecer o outro.

 

Mas também não permita que a experiência amarga do primeiro casamento lhe impossibilite de tentar novamente.

Há uma passagem em que Jesus orienta a Seus discípulos a sacudirem a poeira de seus pés cada vez que fossem rejeitados numa cidade (Marcos 6:11). Em outras palavras, eles não deveriam deixar que aquela experiência traumática inibisse novas tentativas. Todos estamos sujeitos a isso.

Casamento é uma loteria. Não há garantias, mas possibilidades. Se não acertou na primeira, pode ser que acerte na segunda. O importante é não desistir. Não digo, desistir da vida a dois, mas desistir da vida em si.

Lembre-se de que você não precisa provar nada a quem quer que seja. Ao postar uma foto com o atual, não o faça na intenção de enviar recado ao seu ex, como se quisesse dizer: Poderia ser você, mas você não fez por onde. Isso demonstra total falta de maturidade, e evidencia o fato de que você não esteja pronto para um novo relacionamento.

E pare de ficar visitando o perfil do seu ex para verificar se está só ou acompanhado, se está feliz ou infeliz, se está vivendo ao lado de outra pessoa o que poderia estar vivendo ao seu lado.

Este tipo de atitude provoca estagnação na vida. Olhar para trás nos torna “estátuas de sal” como aconteceu à mulher de Ló. O sal que deveria ser espargido para realçar o sabor da vida, passa a se concentrar num único ponto, endurecendo-se, tornando-se pedra. Tem até silhueta, semblante, mas não passa de algo estático, desprovido de vida. A vida precisa de movimento, de dinamismo, de reação. A gente tem que sair do lugar. Deixar de ser como um inseto voando em órbita de uma lâmpada. Caso contrário, a gente fica preso numa espécie de limbo existencial.

Todos temos um passado que não pode ser apagado. Todos temos um futuro que deve ser construído. O que não dá é ficar preso a um futuro do pretérito, conjecturando como teria sido se as coisas houvessem tomado rumos diferentes. O que você fez, está feito. O que você fará, fará. Mas o que você faria, não fará mais.

Então, viva e deixe viver.

Não permita que nada, nem ninguém, sabote a sua existência. Mas também não se permita sabotar a existência de ninguém. Não terceirize responsabilidades. Quando uma relação não dá certo, a responsabilidade recai sobre os dois. Ninguém tem culpa. Só não era para ser.

Se não foi possível que alguém fosse feliz ao seu lado, que seja ao lado de outra pessoa. Não se sinta ofendido pela felicidade que alguém proporcionar ao seu ex. Nem se preocupe em ofender quem quer que seja com a sua própria felicidade.

Não ostente. Mas também não se prive. Apenas viva autenticamente o que houver para ser vivido.

Ame e permita-se ser amado. Perdoe e, se precisar, peça perdão. Siga em frente sem se deixar distrair com os que não fazem outra coisa que não seja espreitar e sabotar a felicidade alheia.

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