Por Hermes C. Fernandes
O jumentinho que carregara Jesus mal havia chegado ao céu
dos burros e já estava se ambientando. Seu novo amigo, a mula de Balaão, fez
questão de introduzi-lo a outros jumentos.
Havia, porém, um que chamara sua atenção por estar tão
quieto em seu canto.
- Quem seria aquele que parece tão tímido? – perguntou à
mula.
- Você certamente deve ter ouvido falar dele também –
respondeu.
- Se é tão conhecido, acho que deveria ser um pouco mais
sociável, não?
- Ele tem suas razões. Gostaria de conhece-lo?
- Não sem antes saber de sua história. Se não se importar de
me contar...
- Não me custa nada, meu rapaz. Ele é o jumento sobre o qual
Absalão pretendia entrar em Jerusalém para tomar o trono de seu próprio pai.
- Você se refere a Davi, aquele de cuja linhagem viria o
Messias?
- Exatamente.
- E o que levou Absalão a conspirar contra seu pai? Não me
parece razoável, já que ele seria seu sucessor natural.
- Sim, mas ele umas ideias malucas e muita pressa. Sua
cabeça estava a mil. Não soube esperar o tempo certo e acabou metendo os pés
pelas mãos.
- Ora, se tinha tanta pressa, deveria ter encontrado outro
animal para montar, não um jumento como nós – disse em tom jocoso.
- Verdade. Mas não foi só isso. Desde que seu pai o expulsou
do palácio e o proibiu de voltar à cidade, ele deixou que seu coração fosse
tomado de mágoa e de um forte desejo de vingança.
- Ele provavelmente deve ter aprontado alguma coisa muito
séria para que seu pai agisse assim, não é verdade?
- Com certeza. Ele armou uma cilada para matar seu meio
irmão que havia estuprado sua irmã. Por isso, seu pai entendeu que sua presença
ali era uma ameaça aos demais. Mas depois de algum tempo, seu pai abriu o
coração e o recebeu de volta.
- Ele deveria ser grato por isso em vez de planejar um golpe
para derrubar o pai.
- Em vez disso, ele começou a impedir que as pessoas
tivessem acesso ao pai, alegando que ele era um homem ocupado demais e se
oferecendo para resolver seus problemas.
Aos poucos, ele foi ganhando o coração de todos, e de maneira sutil, os
jogava contra o rei. Até que chegou o dia em que reuniu tanta gente que formou
um exército e marchou em direção a cidade para tomar o trono.
- E onde entra o nosso colega na história?
- Você sabe... desde Davi, era esperado que os reis de
Israel montassem jumentos em vez de cavalos como faziam os reis de outras
nações. Isso representava humildade, despojamento. Deus queria que o povo os
visse como um deles, e não como membros de uma classe superior.
- Sem querer você acaba de responder uma pergunta que sempre
me fiz: Por que Jesus teria escolhido a mim, um animal de carga, para entrar em
Jerusalém? Finalmente, agora entendo de maneira clara. E o que houve com
Absalão e o nosso amigo burro?
- A rebelião teria que ser contida. Davi enviou seus homens
mais leais para desbaratá-la, porém, pediu que se encontrassem a seu filho
Absalão, tratassem-no com humanidade, poupando sua vida.
- E eles obedeceram?
- Sinto lhe informar que não. Durante a batalha, Absalão
montou seu jumento e tentou fugir. Os homens de Davi o flagraram numa situação
inusitada. Ao passar debaixo de um carvalho, as tranças de seus cabelos ficaram
presas num dos ramos, enquanto seu jumento prosseguiu. Vendo-o preso, suspenso
no ar, Joabe, o general do exército, o matou.
- Você não acha que nosso amigo deveria ter parado e
esperado que Absalão se desvencilhasse, em vez de continuar a sua marcha sem
ele?
- É justamente disso que muitos aqui o acusam. Por isso, ele
prefere ficar isolado em seu canto. E para ser sincero, até hoje, eu pensava
exatamente assim. Mas nosso papo anterior me fez mudar de ideia. Você me fez
ver que cada um cumpre sua parte dentro do propósito divino. Você, por exemplo,
prosseguiu carregando Jesus até a cidade onde seria crucificado. Eu,
entretanto, empaquei ao ver o anjo do Senhor e assim, impedi que Balaão
fosse morto por sua espada. Acho que
nosso amigo apenas cumpriu seu papel ao prosseguir, enquanto seu amo ficou
dependurado, preso pelos cabelos entre os ramos da árvore.
- Interessante ver desta maneira. No seu caso, você parou
juntamente com seu amo. No meu caso, eu prossegui juntamente com Jesus. Mas no
caso dele, foi seu amo que parou enquanto ele prosseguiu.
- Acho até que ficar preso pelas tranças de seus cabelos
pode representar tornar-se refém de seus próprios devaneios. Na sua cabecinha,
tudo estava esquematizado. Seu plano parecia perfeito como suas tranças. Mas
foi justamente isso que o paralisou. Ele tinha tanta pressa de chegar ao trono,
que acabou paralisado.
- Mas o jumento seguiu seu caminho!
- Sim! O que pode
significar que os planos de Deus não dependem de nós. Se pararmos, ele
prosseguirá. Nada coloca em risco a sua execução. Além do mais, não era Absalão
que deveria ascender ao trono, mas aquele de quem viria o Messias.
- A quem você está se referindo agora?
- Ah, esta já é outra história... E envolve outro
jumento que também pretendo lhe apresentar.
* Continua.
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