Senhores (as) líderes evangélicos, graça, paz e
discernimento!
As eleições se avizinham, e boa parte dos pastores de nosso
país tem manifestado seu apoio à candidatura de Jair Bolsonaro. A maioria alega
ser ele o que melhor representa os anseios do povo evangélico, principalmente
devido ao seu discurso favorável à família tradicional e aos valores morais tão
caros ao cristianismo.
De repente, sinto-me como se houvesse viajado no tempo e
revivesse os dias da guerra fria, quando o mundo se via ameaçado pela eclosão
de uma guerra nuclear envolvendo as duas potências mundiais: A União Soviética
e os Estados Unidos. Colegas vociferam de seus púlpitos sobre o perigo do
comunismo que ronda a nossa sociedade. Pergunto-me em que mundo estamos
vivendo, afinal? Qualquer um que levante sua voz a favor do pobre, do excluído,
do oprimido, logo é tachado de esquerdopata, comunista, "agente do inferno",
e coisa parecida.
Os senhores já pararam para se perguntar sobre o que estaria
por trás deste discurso ultraconservador?
Há uma onda conservadora varrendo a Europa e os EUA, suscitando velhos
rancores contra os imigrantes, os homossexuais, as minorias, a classe operária,
etc.
No meio desta avalanche de intolerância, eis que uma voz
destoante se faz ouvir mundo afora. Não de um pastor como foi nos dias de
Luther King nos EUA, ou de Bonhoeffer na Alemanha, mas de um Papa, líder da
instituição mais conservadora do mundo. Por ironia, justamente o primeiro Papa
latino-americano se levanta contra tudo e contra todos os que insistem em
ressuscitar um discurso que há décadas parecia ter sido abandonado e enterrado.
Enquanto isso, a igreja evangélica, que por tanto tempo esteve na vanguarda na
luta pelos direitos humanos passa a se aliar com o que há de mais retrógrado e
ultrapassado. Que vergonha! Tudo em nome de nossos escrúpulos moralistas.
Conseguiram a façanha de diluir o puro Evangelho da graça
num discurso de ódio e intolerância.
Esquecemo-nos dos colegas que foram perseguidos, torturados,
e, alguns até mortos e desaparecidos, durante o regime militar. Justificamo-nos
no fato de que o tal candidato defenda os mesmos valores. Será que ser a favor
da tortura soa menos cruel quando se é contrário ao aborto? Será que ser a
favor do armamento da população condiz com o que foi ensinado por Jesus?
Afinal, bem-aventurados são os pacificadores ou os que pretendem armar a
população? Ser pela família tradicional abona a conduta de quem se revela
contrário aos direitos trabalhistas conquistados a duras penas? Se você,
pastor, é contra tais direitos, recomendo que não aceite mais dízimos de
décimo-terceiro ou de férias de seus membros.
Não ajamos como o profeta Natan que encorajou a Davi a
construir o templo, afirmando-lhe categoricamente que Deus o havia escolhido
para aquela empreitada. Porém, o Senhor não o tinha autorizado a fazer tal
coisa, de modo que, mesmo constrangido, teve que retornar ao rei e dizer-lhe a
verdade. Por causa do sangue que havia em suas mãos, Deus não o designou para
edificar Sua casa, ainda que já houvesse levantado todos os recursos para tal,
e recebido do Senhor a planta, caberia ao seu sucessor tocar a obra.
Quem somos nós para abençoar o que Deus não abençoou? Quem
somos nós para encorajar o que contraria frontalmente a Sua vontade?
Sei que muitos alegarão que tudo não passa de manipulação da
mídia esquerdista. Mas basta assistir aos inúmeros vídeos de discursos e
entrevistas do candidato para verificar que exatamente assim que ele pensa. Ele
mesmo afirma que o trabalhador terá que escolher entre ter seus direitos
assegurados ou o emprego. Ele é quem diz com todas as letras que o Estado não é
laico, mas cristão e que as minorias terão que se dobrar à vontade das
maiorias. Ele diz que seria incapaz de amar um filho homossexual e que a
homossexualidade é falta de p*rrada na infância. Diz que não empregaria uma
mulher, já que esta engravida. Diz que educou seu filhos para que jamais namorassem
negras. Diz que em seu governo os índios não receberiam nem mais um centímetro
de terra. Se ele é a favor da família tradicional, por que disse que usava o
apartamento para "comer gente"? Como defender quem diz que uma mulher
não merecia ser estuprada por ser feia? Como apoiar quem defende o uso da
tortura se somos seguidores de um Cristo torturado e morto numa cruz? Como
apoiar quem diz que ordenaria que helicópteros metralhassem uma favela se os
criminosos não se rendessem? Será que na favela só mora bandido? Com que cara
visitaremos os presídios para pregar o amor de Cristo depois de apoiar que tem
como slogan "bandido bom é bandido morto"?
O sangue de toda uma geração poderá cair em nossas mãos!
Se você é pastor de uma pequena congregação, talvez esteja
indo na onda de grandes líderes que já manifestaram seu apoio a Bolsonaro. Não
seja ingênuo. Muitos deles o fazem, não por convicção, mas por conveniência,
movidos por interesses nem sempre louváveis (alguns até sórdidos). Lembre-se de quem nos considerou fiéis, pondo-nos em seu
ministério (1 Timóteo 1:12), e que um dia, teremos que prestar contas (Hebreus
13:17).
Por isso, deixo aqui uma recomendação que deveria perturbar
o sono de todos os que levam a sério o ministério pastoral:
"Pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus
cuidados. Olhem por ele, não por obrigação, mas de livre vontade, como Deus
quer. Não façam isso por ganância, mas com o desejo de servir. Não ajam como
dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos para o
rebanho." 1 Pedro 5:2,3
Não compete a pastor algum dizer em quem seu rebanho deve
votar. Mas compete-nos instrui-los a reconhecer os riscos por trás de todo discurso
de ódio e intolerância.
Jesus disse que enquanto o bom pastor dá a vida pelas
ovelhas, o ladrão, ao ver o lobo, foge e deixa suas ovelhas à mercê do perigo.
Portanto, cumpramos nosso papel. Pois cuidar das ovelhas que nos foram
confiadas é a melhor maneira de dizer: TU SABES QUE TE AMO, SENHOR.
Hermes C. Fernandes
Bispo Primaz da REINA
Nenhum comentário:
Postar um comentário