quinta-feira, março 29, 2018

3

CRUCIFICADO OUTRA VEZ - Quando Cristo salva o mundo de nós



Por Hermes C. Fernandes

Quem, afinal, crucificou a Jesus? Não foram os ateus, mesmo porque, os tais eram raros à época. Não foram os publicanos e as prostitutas. Quem o crucificou foram os religiosos, os defensores da ortodoxia, os que detinham o monopólio da verdade, o copyright dos textos sagrados. E se Ele viesse em nossos dias, seria crucificado justamente por quem afirma segui-lo.

O mundo religioso entraria em colapso. Os cambistas modernos seriam expostos. A fachada de muitas catedrais seria depredada. Denominações inteiras se desintegrariam. Por isso, eles jamais o poupariam. Como há dois mil anos, Ele teria que ser prontamente eliminado.

Mesmo não estando entre nós em carne e osso, Cristo segue sendo crucificado entre nós diuturnamente. De acordo com o escritor de Hebreus os responsáveis por Sua crucificação são aqueles que “uma vez foram iluminados”. Portanto, diferentemente dos que o crucificaram lá trás, seus novos algozes não o fazem por ignorância. Talvez não coubesse aqui o pedido: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem.”[1] Quem foi iluminado sabe exatamente o que faz.

Além de terem sido intelectualmente iluminados pela verdade do evangelho, os novos algozes de Cristo “provaram o dom celestial, se fizeram participantes do Espírito Santo e experimentaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro”, mas, desafortunadamente, “caíram”. Para os tais, não há mais desculpas. Não podem recorrer à velha justificativa de que Deus não leva em conta o tempo da ignorância.[2] Por isso, só lhes resta livrar-se de uma vez por todas d’Aquele cuja presença depõe contra sua conduta autocentrada e egoísta.  O escritor sagrado não receia afirmar que os tais “de novo estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à desonra.”[3]

E como se dá isso na prática? Para explicar-nos, o escritor sagrado recorre a uma analogia:

 “A terra que absorve a chuva que muitas vezes cai sobre ela e produz erva proveitosa para aqueles por quem é lavrada, recebe a bênção da parte de Deus. Se, porém, produz espinhos e ervas daninhas, é rejeitada e perto está da maldição. O seu fim é ser queimada...”

Há uma expectativa divina sobre aqueles por quem Cristo Se entregou na cruz. Deus espera que produzamos frutos (“ervas proveitosas” no texto em questão). É assim que o Novo Testamento repetidamente se refere às nossas boas obras. Por que “frutos”? Porque não produzimos para nós mesmos, e sim para que outros se beneficiem deles. A “erva” produzida pela terra irrigada pela chuva deve ser proveitosa para alguém além de nós mesmos.

Lembremo-nos de que “Ele morreu por todos para que os que vivem não vivam mais para si.”[4] Os que caem após terem sido iluminados são os que retrocedem e fazem de si mesmos o alvo de sua existência. Tal é a essência do pecado. Por isso, quando o primeiro casal caiu, Deus declarou que a terra passaria a produzir espinhos. O ambiente antes acolhedor tornar-se-ia inóspito e hostil à presença humana. Os espinhos seriam, por assim dizer, a resposta da criação à nossa vaidade. Os espinhos da criação são recíprocos aos espinhos produzidos pela nossa própria natureza caída. Deixamos de cuidar uns dos outros para nos ferir mutuamente. Deixamos de proteger uns aos outros para nos proteger uns dos outros. Deixamos de produzir frutos e ervas proveitosas para produzir espinhos e ervas daninhas. Esses espinhos foram representados na coroa que feria a fronte de Jesus durante Sua crucificação.

Mas o que Deus poderia esperar de nós?

“De vós, contudo, ó amados, esperamos coisas melhores e pertencentes à salvação, ainda que assim falamos. Deus não é injusto; ele não se esquecerá da vossa obra e do amor que para com o seu nome mostrastes, pois servistes e ainda servis aos santos.” Hebreus 6:10

Que coisas melhores seriam estas, senão uma vida altruísta, voltada para os outros em vez de para nós mesmos? Por que “pertencentes à salvação”? Porque dizem respeito à maneira como Deus salva o mundo de nós mesmos.

E tudo quanto fizermos ao outro será uma declaração de amor ao nosso Deus.  Assim como Sua morte foi uma declaração de amor a nós, nossa vida será uma declaração de amor a Ele.

Não há como demonstrar nosso amor a Deus, senão através do serviço prestado ao nosso semelhante.  E para Deus, tal gesto de amor é inesquecível. Se nossos pecados são lançados no mar do esquecimento, nossas obras de amor são eternizadas em Deus.

E o que significaria “servir aos santos”? Quem são os santos em questão? Aqueles com os quais o Crucificado Se identifica.

Não creio que se trate de santidade no sentido que geralmente damos (sem pecado, perfeito do ponto de vista moral ou ético). O sacrifício de Jesus atribuiu um novo significado à vida, resgatando sua sacralidade original. Portanto, servir a uma prostituta, a um mendigo, ou a um viciado em crack é servir aos santos.

Jesus não morreu para que nos tornássemos num clube fechado, em que seus membros desfrutassem de serviços e benefícios mútuos exclusivos. Não! Jesus morreu para que nos abríssemos para o mundo. A igreja não existe em função dos seus membros, mas em função dos de fora. Se Deus resolvesse nos tirar do mundo, quantos lamentariam nossa ausência e quantos a celebrariam? Na vida de quem temos feito diferença? Nossa partida seria um alívio ou deixaríamos saudade? Temos produzido frutos ou espinhos?

Uma igreja autocentrada é aquela por cujas mãos Cristo é novamente crucificado. Ela o faz com os cravos da indiferença, depois de açoitá-lo com sua língua condenatória e seu discurso preconceituoso.
Diante desta verdade estarrecedora, deparamo-nos com o fato de que o mundo está dividido em dois grupos: os que o crucificam e os que são crucificados com Ele. Não há meio termo. Se não somos vítimas, somos algozes. Se não somos os que morrem por amor, somos os que matam pelo desamor. Talvez não o façamos diretamente, mas o fazemos quando somos “cúmplices das obras infrutuosas das trevas” [5], engrossando o coro da intolerância. Não o fixamos no madeiro diretamente, mas nosso grito ecoa pelo pátio do palácio de Pilatos: CRUCIFICA-O!  Não seguramos o martelo em nossas mãos, mas adotamos o lema “bandido bom é bandido morto”.

Da mesma maneira, não somos crucificados com Cristo apenas quando sofremos diretamente a injustiça, mas também quando nos identificamos com os que a sofrem. Todavia, não é raro que Deus permita que sintamos na própria pele, a fim de nos lembrar de que não somos melhores do que ninguém. Como asseverou Pedro, não deveríamos estranhar ardente provação que vem sobre nós como se coisa estranha nos acontecesse, antes, deveríamos nos regozijar por sermos “participantes das aflições de Cristo” [6] Nosso Salvador assume as dores do mundo! Por isso, toda injustiça perpetrada a qualquer que seja o ser humano, é como se fosse perpetrada a Ele mesmo. Se Cristo toma para Si as dores do mundo, que postura deveríamos adotar? Como nos apresentar como seguidores de Cristo enquanto mantemos uma postura apática diante do sofrimento humano?

Na reta final de Seu suplício, Jesus teve sede. Em resposta ao Seu pedido, serviram-lhe uma mistura que tinha como objetivo aliviar Sua excruciante dor. Para a surpresa de Seus algozes, Ele recusou a oferta, pois não pretendia ser poupado das dores que o acometiam. Quem dera os cristãos de hoje se recusassem a sorver a esponja religiosa embebecida desta mistura de alienação e preconceito. O que visa nos anestesiar, poupa-nos da dor, mas também priva o mundo do nosso amor.

Se não nos dispusermos a sofrer por eles, Deus poderá nos permitir sofrer com eles para que jamais nos esqueçamos de que temos “este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não da nossa parte. Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desesperados; perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos. Trazendo sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossos corpos; pois nós, que vivemos, estamos sempre entregues à morte por amor de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal.” [7]




[1] Lucas 23:34
[2] Atos 17:30
[3] Hebreus 6:4-10
[4] 2 Coríntios 5:15
[5] Efésios 5:11
[6] 1 Pedro 4:12-13
[7] 2 Coríntios 4:7-11

3 comentários:

  1. Anônimo7:59 PM

    Muito obrigada Hermes, fui bastante enriquecida !!!!! Abraço e Bençãos!!!!!!

    ResponderExcluir
  2. Puxa vida, artigo enriquecedor

    ResponderExcluir
  3. Foi cirúrgico! Os religiosos de hoje são muito mais hipócritas.

    ResponderExcluir