Por Hermes C. Fernandes
Quem, afinal, crucificou a Jesus?
Não foram os ateus, mesmo porque, os tais eram raros à época. Não foram os
publicanos e as prostitutas. Quem o crucificou foram os religiosos, os defensores da ortodoxia, os que
detinham o monopólio da verdade, o copyright
dos textos sagrados. E se Ele viesse em nossos dias, seria crucificado justamente por
quem afirma segui-lo.
O mundo religioso entraria em
colapso. Os cambistas modernos seriam expostos. A fachada de muitas catedrais
seria depredada. Denominações inteiras se desintegrariam. Por isso, eles jamais
o poupariam. Como há dois mil anos, Ele teria que ser prontamente eliminado.
Mesmo não estando entre nós em
carne e osso, Cristo segue sendo crucificado entre nós diuturnamente. De acordo com o escritor de
Hebreus os responsáveis por Sua crucificação são aqueles que “uma vez foram iluminados”. Portanto,
diferentemente dos que o crucificaram lá trás, seus novos algozes não o fazem
por ignorância. Talvez não coubesse aqui o pedido: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem.”[1]
Quem foi iluminado sabe exatamente o que faz.
Além de terem sido
intelectualmente iluminados pela verdade do evangelho, os novos algozes de
Cristo “provaram o dom celestial, se
fizeram participantes do Espírito Santo e experimentaram a boa palavra de Deus
e os poderes do mundo vindouro”, mas, desafortunadamente, “caíram”. Para os tais, não há mais
desculpas. Não podem recorrer à velha
justificativa de que Deus não leva em conta o tempo da ignorância.[2] Por isso, só lhes resta livrar-se de
uma vez por todas d’Aquele cuja presença depõe contra sua conduta autocentrada
e egoísta. O escritor sagrado não receia
afirmar que os tais “de novo estão
crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à desonra.”[3]
E como se dá isso na prática? Para
explicar-nos, o escritor sagrado recorre a uma analogia:
“A terra que absorve a chuva que
muitas vezes cai sobre ela e produz erva proveitosa para aqueles por quem é
lavrada, recebe a bênção da parte de Deus. Se, porém, produz espinhos e ervas
daninhas, é rejeitada e perto está da maldição. O seu fim é ser queimada...”
Há uma expectativa divina sobre
aqueles por quem Cristo Se entregou na cruz. Deus espera que produzamos frutos
(“ervas proveitosas” no texto em
questão). É assim que o Novo Testamento repetidamente se refere às nossas boas
obras. Por que “frutos”? Porque não produzimos para nós mesmos, e sim para que
outros se beneficiem deles. A “erva” produzida pela terra irrigada pela chuva
deve ser proveitosa para alguém além de nós mesmos.
Lembremo-nos de que “Ele morreu por todos para que os que vivem
não vivam mais para si.”[4] Os
que caem após terem sido iluminados são os que retrocedem e fazem de si mesmos
o alvo de sua existência. Tal é a essência do pecado. Por isso, quando o
primeiro casal caiu, Deus declarou que a terra passaria a produzir espinhos. O
ambiente antes acolhedor tornar-se-ia inóspito e hostil à presença humana. Os
espinhos seriam, por assim dizer, a resposta da criação à nossa vaidade. Os
espinhos da criação são recíprocos aos espinhos produzidos pela nossa própria
natureza caída. Deixamos de cuidar uns dos outros para nos ferir mutuamente. Deixamos
de proteger uns aos outros para nos proteger uns dos outros. Deixamos de
produzir frutos e ervas proveitosas para produzir espinhos e ervas daninhas. Esses
espinhos foram representados na coroa que feria a fronte de Jesus durante Sua
crucificação.
Mas o que Deus poderia esperar de
nós?
“De vós, contudo, ó amados, esperamos coisas melhores e pertencentes à
salvação, ainda que assim falamos. Deus não é injusto; ele não se esquecerá da
vossa obra e do amor que para com o seu nome mostrastes, pois servistes e ainda
servis aos santos.” Hebreus 6:10
Que coisas melhores seriam estas, senão uma vida altruísta, voltada para
os outros em vez de para nós mesmos? Por que “pertencentes à salvação”? Porque dizem respeito à maneira como
Deus salva o mundo de nós mesmos.
E tudo quanto fizermos ao outro será uma declaração de amor ao nosso Deus. Assim como Sua morte foi uma declaração de
amor a nós, nossa vida será uma declaração de amor a Ele.
Não há como demonstrar nosso amor a Deus, senão através do serviço
prestado ao nosso semelhante. E para
Deus, tal gesto de amor é inesquecível. Se nossos pecados são lançados no mar
do esquecimento, nossas obras de amor são eternizadas em Deus.
E o que significaria “servir aos
santos”? Quem são os santos em questão? Aqueles com os quais o Crucificado
Se identifica.
Não creio que se trate de santidade no sentido que geralmente damos (sem
pecado, perfeito do ponto de vista moral ou ético). O sacrifício de Jesus atribuiu
um novo significado à vida, resgatando sua sacralidade original. Portanto,
servir a uma prostituta, a um mendigo, ou a um viciado em crack é servir aos
santos.
Jesus não morreu para que nos tornássemos num clube fechado, em que seus
membros desfrutassem de serviços e benefícios mútuos exclusivos. Não! Jesus
morreu para que nos abríssemos para o mundo. A igreja não existe em função dos
seus membros, mas em função dos de fora. Se Deus resolvesse nos tirar do
mundo, quantos lamentariam nossa ausência e quantos a celebrariam? Na vida de
quem temos feito diferença? Nossa partida seria um alívio ou deixaríamos
saudade? Temos produzido frutos ou espinhos?
Uma igreja autocentrada é aquela por cujas mãos Cristo é novamente
crucificado. Ela o faz com os cravos da indiferença, depois de açoitá-lo com
sua língua condenatória e seu discurso preconceituoso.
Diante desta verdade estarrecedora,
deparamo-nos com o fato de que o mundo está dividido em dois grupos: os que o
crucificam e os que são crucificados com Ele. Não há meio termo. Se não somos
vítimas, somos algozes. Se não somos os que morrem por amor, somos os que matam
pelo desamor. Talvez não o façamos diretamente, mas o fazemos quando somos “cúmplices das obras infrutuosas das trevas”
[5],
engrossando o coro da intolerância. Não o fixamos no madeiro diretamente, mas
nosso grito ecoa pelo pátio do palácio de Pilatos: CRUCIFICA-O! Não seguramos o
martelo em nossas mãos, mas adotamos o lema “bandido
bom é bandido morto”.
Da mesma maneira, não somos crucificados com Cristo apenas quando
sofremos diretamente a injustiça, mas também quando nos identificamos com os
que a sofrem. Todavia, não é raro que Deus permita que sintamos na própria
pele, a fim de nos lembrar de que não somos melhores do que ninguém. Como
asseverou Pedro, não deveríamos estranhar ardente provação que vem sobre nós
como se coisa estranha nos acontecesse, antes, deveríamos nos regozijar por
sermos “participantes das aflições de
Cristo” [6]
Nosso Salvador assume as dores do mundo! Por isso, toda injustiça perpetrada a
qualquer que seja o ser humano, é como se fosse perpetrada a Ele mesmo. Se Cristo
toma para Si as dores do mundo, que postura deveríamos adotar? Como nos
apresentar como seguidores de Cristo enquanto mantemos uma postura apática
diante do sofrimento humano?
Na reta final de Seu suplício, Jesus teve sede. Em resposta ao Seu
pedido, serviram-lhe uma mistura que tinha como objetivo aliviar Sua
excruciante dor. Para a surpresa de Seus algozes, Ele recusou a oferta, pois
não pretendia ser poupado das dores que o acometiam. Quem dera os cristãos de
hoje se recusassem a sorver a esponja religiosa embebecida desta mistura de
alienação e preconceito. O que visa nos anestesiar, poupa-nos da dor, mas
também priva o mundo do nosso amor.
Se não nos dispusermos a sofrer por eles, Deus poderá nos permitir sofrer
com eles para que jamais nos esqueçamos de que temos “este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de
Deus, e não da nossa parte. Em tudo somos atribulados, mas não angustiados;
perplexos, mas não desesperados; perseguidos, mas não desamparados; abatidos,
mas não destruídos. Trazendo sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também
a vida de Jesus se manifeste em nossos corpos; pois nós, que vivemos, estamos
sempre entregues à morte por amor de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste
em nossa carne mortal.” [7]
Muito obrigada Hermes, fui bastante enriquecida !!!!! Abraço e Bençãos!!!!!!
ResponderExcluirPuxa vida, artigo enriquecedor
ResponderExcluirFoi cirúrgico! Os religiosos de hoje são muito mais hipócritas.
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