quarta-feira, novembro 29, 2017

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A gota d'água



Por Hermes C. Fernandes

A crescente popularidade de Jesus havia se tornado numa ameaça para os que detinham o monopólio religioso em Jerusalém. Algo teria que ser feito para estancar a sangria de fiéis que deixavam as sinagogas para seguir ao Mestre pelas estradas empoeiradas da Galileia. Primeiro, tentaram pegá-lo em contradição com suas saias justas e perguntas capciosas. Deram com os burros n’água. Depois, tentaram minar Sua credibilidade, questionando Sua origem, Sua idoneidade e Suas motivações. Nada disso funcionou. Jesus seguia arrebanhando uma multidão cada vez maior, realizando milagres e ensinando acerca do reino de Deus. A gota d’água, porém, foi quando receberam a notícia de que Jesus teria ressuscitado um morto sepultado há quatro dias. Já se contabilizava baixas entre os próprios fariseus que testemunhando um tão grande milagre, não encontraram alternativa, senão crer. A situação ficou insustentável a ponto de convocarem uma assembleia geral extraordinária no Sinédrio.
“O que estamos fazendo? Perguntaram eles. Aí está esse homem realizando muitos sinais miraculosos. Se o deixarmos, todos crerão nele, e então os romanos virão e tirarão tanto o nosso lugar como a nossa nação.” João 11:47-48 
Neutralizar Jesus havia se tornado na ordem do dia. O que estava em jogo era muito mais do que a posição confortável que os religiosos ocupavam. Estava em jogo a segurança da própria nação! Este era um argumento irrefutável. Ou ele ou nós! Se o deixarmos prosseguir em seu ministério, a atenção dos romanos se voltará para nós, e a pouca liberdade de que ainda desfrutamos nos será tirada. 

De repente, uma voz silencia as demais no meio do alvoroço da assembleia. Caifás, que naquele ano era o sumo sacerdote, toma a palavra e diz:
“Nada sabeis! Não percebeis que vos é melhor que morra um homem pelo povo, e que não pereça toda a nação.” João 11:49-50 
Até aqui, a ideia prevalecente entre eles era de que Jesus precisava ser tirado de circulação. Caifás propôs uma ideia ainda mais radical: Esse homem precisa morrer! Antes ele do que nós. O que seus pares não perceberam é que “ele não disse isso de si mesmo, mas, sendo o sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus morreria pela nação judaica, e não somente por aquela nação, mas também pelos filhos de Deus que estão espalhados, para reuni-los num povo”(vv.51-52).

Quem diria que mesmo aquela conspiração servia a um propósito maior? Porém, este propósito não elimina a responsabilidade dos que conspiram movidos por inveja e interesses mesquinhos. Tanto João, quando Pedro e Judas tiveram sua participação na execução do propósito divino. Mas eu prefiro ser João, o único dos discípulos que permaneceu aos pés da cruz e que por isso foi escolhido para cuidar da mãe de Jesus, a ser Judas que o traiu por dinheiro, ou mesmo Pedro que o negou de graça. 

Foi a partir daquela fatídica ocasião que os membros do Sinédrio decidiram “tirar-lhe a vida” (v.53). Percebendo aquela movimentação, “Jesus não andava mais publicamente entre os judeus. Ao invés disso, retirou-se para a região próxima do deserto, para um povoado chamado Efraim, onde ficou com os seus discípulos” (v.54).

Apesar de saber que Sua morte fazia parte do propósito divino, Jesus não quis facilitar para os Seus adversários. Mesmo porque, ainda não havia chegado a Sua hora. Por isso, a melhor coisa a fazer era retirar-se por um tempo. Imagino quanto disse-me-disse não se espalhou por toda aquela região enquanto Jesus se mantinha isolado. Como é difícil reconhecer a hora de sair de cena, nem que seja por um breve tempo. As pessoas temem cair no esquecimento ou que ninguém sinta sua falta. Lembre-se de que os propósitos divinos não podem ser apressados nem retardados. Para tudo, há um tempo certo. Há tempo de se revelar. Mas também há tempo de se ocultar. Há tempo de circular livremente, mas há tempo de restringir o perímetro de sua atuação.

Quanto mais Jesus se ocultava, mais boatos eram espalhados. Ninguém conseguia prever Seus movimentos. Sua retirada estratégica visava não apenas Sua integridade física, mas também a segurança dos Seus seguidores.
“Ao se aproximar a Páscoa judaica, muitos foram daquela região para Jerusalém a fim de participarem das purificações cerimoniais antes da Páscoa. Continuavam procurando Jesus e, no templo, perguntavam uns aos outros: O que vocês acham? Será que ele virá à festa? Mas os chefes dos sacerdotes e os fariseus tinham ordenado que, se alguém soubesse onde Jesus estava, o denunciasse, para que o pudessem prender.” João 11:55-57 
Não é exagero afirmar que a cabeça de Jesus estava a prêmio. Havia X9 pra todo lado. Talvez tenha sido aí que Judas se sentiu tentado a mudar de lado. Mas ele não faria isso de graça.

Finalmente, chegara o dia de Jesus dar o ar de Sua graça novamente. E adivinha o lugar que Ele escolheu para Sua primeira aparição pública depois de um período de isolamento:
“Seis dias antes da Páscoa Jesus chegou a Betânia, onde vivia Lázaro, a quem ressuscitara dos mortos. Ali prepararam um jantar para Jesus. Marta servia, enquanto Lázaro estava à mesa com ele.” João 12:1-2 
Não haveria um lugar menos arriscado? Por que justamente a casa de Lázaro? Seria por mera implicância de Jesus com os fariseus? Creio que não. Como se não bastasse estar na “cena do crime”, estava ali, sentadinho ao Seu lado, a “prova do crime”: o ex-defunto Lázaro.

Por que Jesus mudou tão drasticamente Sua postura? Por que, agora, Ele fazia justamente o que evitara durante Seu isolamento? Simplesmente, porque chegara a Sua hora. Não havia mais o que esconder, nem mesmo razão para isso. Resultado: “Uma grande multidão de judeus, ao descobrir que Jesus estava ali, veio, não apenas por causa de Jesus, mas também para ver Lázaro, a quem ele ressuscitara dos mortos” (v.9).

Jesus agora teria que dividir a atenção com Lázaro que fora içado à condição de celebridade. Todos desejavam conhecer o homem que estivera morto e voltara à vida. Obviamente que isso não passaria despercebido pelos religiosos de plantão. Por isso, “os chefes dos sacerdotes fizeram planos para matar também Lázaro, pois por causa dele muitos estavam se afastando dos judeus e crendo em Jesus” (vv.10-11).

Isso é que dá ser prova viva do poder da graça de Deus. Mas quem já provou a morte uma vez, não tem medo de ameaças, nem de bicho papão. Quem já perdeu tudo, não tem nada a perder. Quem vive na luz não teme a exposição. Quem vive na verdade, não cede a chantagens.

Se por sua causa, pessoas se afastam da religiosidade ou da incredulidade e creem em Jesus, ponha a barba de molho que lá vem perseguição. As coisas só tendem a se reverter quando você passa para o lado oposto e por sua causa pessoas se afastam de Jesus e se voltam para a incredulidade. Mas enquanto sua vida for a prova viva da eficiência do evangelho, sua cabeça estará a prêmio.

Não adiantaria matar Jesus e deixar que Lázaro circulasse livremente. Era necessário neutralizá-lo também. E sob que acusação poderiam prendê-lo e executá-lo? De que ele era culpado, afinal? De ter sido alvo da misericórdia divina. Nada mais. Nada menos.

Certamente, eles teriam que inventar alguma acusação fictícia, ou ao menos, levantar alguma suspeita que justificasse a prisão de Lázaro. Porém isso não representaria qualquer problema para aquela fábrica de indícios. Se não pouparam nem Jesus de seus boatos maldosos, por que poupariam Lázaro? Se fosse hoje, bastaria observar seus movimentos, stalkeando-o nas redes sociais. Qualquer atitude suspeita, pimba! 

O problema não é Lázaro, mas sua ligação com Jesus. Deixá-lo solto por aí será prejudicial aos interesses do alto clero. Se houvesse sido ressuscitado, mas não desatado como ordenou Jesus, ele seria apenas uma múmia ambulante. Mas Jesus fez mais do que trazê-lo de volta à vida. Jesus o devolveu à liberdade. Isso sim era inadmissível. Ninguém que ouse promover a liberdade de outros merece viver. E ninguém que desfrute desta liberdade merece estar vivo para contar a história. 

Lázaro, Lázaro, quem mandou você ressuscitar? Agora, aguenta. Vão querer lhe mandar de volta para o lugar de onde você veio. Se houvesse aproveitado aquela liberdade para viver dissolutamente, talvez ninguém se incomodasse. Em vez disso, você voltou-se voluntariamente para Jesus e ainda cometeu o grave crime de celebrar sua própria ressurreição ao Seu lado.

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