quinta-feira, março 31, 2016

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O ato patético do Malafaia e o comunismo mequetrefe do PT



Por Hermes C. Fernandes

Isenção. Parece que esta palavra não anda muito em alta ultimamente. Todos requerem que saiamos de cima do muro, escolhendo um dos lados. Porém, quando falo de isenção profética, refiro-me a olhar para além do muro, posicionando-se de maneira tal a tornar possível uma avaliação desprovida de paixão.

Tomo como parâmetro as cartas de Jesus registradas no livro de Apocalipse endereçadas às igrejas da Ásia Menor. Nelas, Jesus elogia o que podia ser elogiado, critica o que devia ser criticado, encoraja o que precisava ser encorajado, adverte no que tinham de ser advertidas. À igreja em Éfeso, por exemplo, Ele diz:

“Conheço as tuas obras, e o teu trabalho, e a tua paciência, e que não podes sofrer os maus; e puseste à prova os que dizem ser apóstolos, e o não são, e tu os achaste mentirosos. E sofreste, e tens paciência; e trabalhaste pelo meu nome, e não te cansaste. Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro amor. Apocalipse 2:2-4

Quando pendemos para um lado, fazemo-nos cegos ante os equívocos, enfocando apenas os acertos, ou vice-versa. Tal dicotomia é falaciosa e, pelo bem da verdade, deve ser evitada e denunciada.

Permita-me expor um pouco do que penso sobre o atual governo e o partido que está no poder a 13 anos.

O Partido dos Trabalhadores me proporcionou duas grandes surpresas. Primeiro, positiva. Depois, negativa.  A positiva se deve ao fato de haver crescido ouvindo horrores acerca dos “comunistas”.  Cresci durante o regime militar. Fui doutrinado em sala de aula por matérias como OSPB (Organização Social e Política Brasileira) e “Moral e Cívica”. Na escola pública onde estudava, tínhamos que nos formar no pátio e jurar a bandeira embalados pelo Hino Nacional todos os dias. 

Diferentemente das crianças dos anos 80 e 90 que cresceram aos cuidados de Xuxa e Cia, eu cresci assistindo ao Capitão Aza, programa infantil comandado por um personagem militar que usava um capacete com o símbolo do Capitão América. Minha visão de mundo foi diretamente influenciada pelos enlatados Made in USA transmitidos na sessão da tarde, em que o homem branco era sempre o mocinho e o índio, também chamado de pele vermelha era sempre o bandido.

Meu pai, filho do seu próprio tempo, nos advertia que se um dia os comunas chegassem ao poder, teríamos que dividir nossa casa com outras famílias e estar dispostos a morrer por nossa fé. Foi para frear a ascensão comunista que ele apoiou Moreira Franco para o governo do Rio em oposição a Leonel Brizola. Mais tarde, ele foi o orador do lançamento da candidatura de Fernando Collor de Mello, o caçador de marajás, num restaurante do Rio de Janeiro. Portanto, posso assegurar que nasci e cresci num lar tipicamente cristão e conservador. Infelizmente, meu pai não viveu o suficiente para ver seus temores ruírem com a eleição de um metalúrgico ao mais importante posto político do país.

Assim que Lula assumiu o poder, uma das primeiras medidas que tomou foi convidar líderes evangélicos para um encontro no Palácio do Planalto. Ainda desfrutando do prestígio alcançado pelo meu pai no cenário político-religioso, fui convidado com outros 39 líderes de várias denominações para nos reunir com aquele a quem por anos chamávamos de “sapo barbudo”.  Alguns dos que hoje vociferam em seus programas de TV contra o governo também estavam lá, faceiros, orgulhosos por entrarem pela primeira vez no centro do poder para uma audiência com ninguém menos que o presidente da república (o mesmo que eles duramente criticaram durante a campanha). Nunca antes na história de nosso país, pastores haviam sido convidados para participar de políticas sociais que pretendiam tirar milhões de pessoas da mais absoluta miséria. Em vez de nos enviar para o temido paredão (houve quem pensasse que aquela reunião fosse uma armadilha), Lula nos pediu que o ajudasse, mas não nos prometeu nada. Soava-me ingênuo de sua parte acreditar que alguns daqueles homens se engajariam numa luta contra a miséria sem esperar algo em troca. Assim que cheguei a Brasília, pensei com os meus botões: com o que será que nossos pastores estão se metendo? Mas depois de ouvir os comentários dos mesmos nos bastidores, pensei: Este presidente é que não sabe onde está se metendo...

Devo confessar que não saí dali convencido. Cheguei a imaginar que tudo aquilo poderia ser uma manobra de alguém que quisesse implantar um regime totalitário no país. Verdade é que alguns daqueles líderes acabaram se envolvendo em tais políticas sociais; eu preferi manter distância. Não apenas por não estar convencido da sinceridade do presidente, mas por haver decidido manter nossa igreja distante de qualquer envolvimento político-partidário.

Os anos se passaram. Lula foi reeleito e terminou seu governo com o maior índice de popularidade entre todos os presidentes. Pela primeira vez, ao apresentar-me no exterior como pastor brasileiro, perguntavam-me por Lula e não mais por Pelé. Percebi em minhas viagens aos EUA que o fluxo migratório havia se revertido. Havia mais brasileiros voltando para o Brasil cheio de esperanças, do que o abandonando e trocando-o pelo american dream. O brasileiro passou a ser tão cobiçado pela indústria turística, que alguns países deixaram de exigir dele um visto de entrada. Até os EUA passaram a estudar a possibilidade de suspender a dura política de vistos para brasileiros. Mesmo que não tenha suspendido, é muito mais fácil conseguir um visto hoje em dia do que há quinze anos. Tudo graças ao período de prosperidade que vivemos nos últimos anos.  Sem contar que o país deixou de ser mero coadjuvante para tornar-se num poderoso e respeitado protagonista no tabuleiro da política internacional. Deixamos de ser vistos como república das bananas para ser visto como uma potência em ascensão.

Trinta e seis milhões de cidadãos brasileiros foram içados de sua condição de miséria absoluta. Outros tantos milhões foram introduzidos à nova classe média.

Visitando os membros de nossa igreja que moram em comunidades carentes, pude observar quantos tiveram acesso a bens de consumo. A velha geladeira com a porta pendurada com arame cedeu a um refrigerador duplex. Aparelhos de ar condicionado nos quartos. TVs de tela fina. Celulares. Internet e TV por assinatura. E não raras vezes, um carro estacionado no pé do morro. Vibrei cada vez que celebrei o aniversário de quinze anos da filha de uma família pobre ou o casamento dos sonhos de um casal de origem humilde.

Comemorei cada vez que um irmão de comunidade vinha me contar que seu filho ou filha havia entrado para uma universidade pública.

Se por um lado, vibrava com as conquistas sociais, por outro, preocupava ver as alianças que o governo fazia em nome da governabilidade. Constrangia-me ver Lula posando ao lado dos caciques da política, gente do quilate ético de José Sarney e Paulo Maluf. Também ficava constrangido cada vez que lia a notícia de que “nunca na história do país” os bancos haviam lucrado tanto. Temia que o PT houvesse vendido sua alma ao diabo e que, eventualmente, ele viria cobrar. E veio.

Detestei ver Dilma desfilando nos púlpitos de igrejas evangélicas durante sua campanha presidencial (ela não foi a única!). Não gostei de vê-la na inauguração do Templo de Salomão. Durante todo o seu governo, a IURD colou feito um carrapato. Jamais gostei de vê-la falar em público. Uma lástima. Falta-lhe o traquejo e o carisma de seu mentor. Mas, sinceramente, não consigo ver nela uma pessoa de má fé. Mesmo não me passando confiança em seu discurso, respeito sua história de luta contra o regime militar, o que lhe rendeu prisões e torturas.

Sem dúvida, minha maior decepção se deu quando começaram a estourar os escândalos de corrupção. Parafraseando Jesus aos Efésios, parece que o PT deixou o seu primeiro amor. Todo o discurso ético que marcou sua trajetória foi lançado na lata do lixo.

Posso dizer, sem medo de errar, que o PT traiu o seu povo e a sua própria história, e, certamente pagará um alto preço por isso. Seria tolice acreditar que ele esteja só nesta lama. Quase todos os partidos estão atolados até o pescoço. Porém, nenhum deles tem o histórico do PT. Que todos errassem, mas ele não tinha o direito de errar. Pelo menos, não no que tange à corrupção. Que fosse por gestão incompetente, mas nunca por corrupção.

Como todo brasileiro que se preze, estou farto de corrupção. O país precisa ser passado a limpo. Todo este mar de lama tem que ser varrido de uma vez por todas.

O Brasil precisa de muito mais que um “lava-jato”. Ele precisa de uma faxina completa, e não apenas de uma ducha rápida na carroceria para inglês ver. Nossas instituições precisam ser aspiradas do lado de dentro, e ter suas rodas devidamente calibradas e balanceadas. O país precisa de um pitstop para trocar o óleo do motor que a esta altura já virou uma gosma queimada que perdeu sua viscosidade. E isso, antes que o motor entre em pane.

Pelo jeito, teremos que cortar na própria pele. Deixar de lado as paixões ideológicas e partidárias. Admitir que fracassamos como sociedade, a que instituiu o jeitinho e despudoradamente se orgulha disso como se fosse um patrimônio tombado.

Isso não significa que vale tudo para destituir uma presidente democraticamente eleita. Sim, eu disse “democraticamente eleita”, porque não acredito em teorias da conspiração em torno das urnas eletrônicas. Se isso fosse verdade, por que o PSDB conquistou o governo do mais importante estado da federação? E os outros estados onde o PT perdeu? Se houvesse fraude, por que permitir um segundo turno tão conturbado? Quem frauda no segundo turno, poderia ter fraudado ainda no primeiro, evitando tanto desgaste e uma vitória tão apertada.

Não vale tudo para reverter o que está aí. Devemos pautar pela ética, pelo estado de direito, pelo o que é justo e verdadeiro. Infelizmente, boa parte das lideranças evangélicas há muito trocou a Bíblia por Maquiavel. Paulo, o apóstolo, nos adverte a que não usemos armas carnais em nossa militância contra o mal (2 Coríntios 10:4). Dentre tais armas está a mentira, as meias-verdades, as insinuações, as calúnias.

Como cantava Cazuza, “eu vejo o futuro repetir o passado, um museu de grandes novidades.” Ou como disse o sábio Salomão, “não há nada novo debaixo do sol. O que é, já foi um dia.”

Os mesmos argumentos usados em 1964 pelos que participaram da “marcha pela família com Deus pela liberdade”, são exaustivamente repetidos nos púlpitos e programas evangélicos televisivos. Aceitamos a oferta de Saul e vestimos sua armadura.

Como se não bastasse a mentira de afirmar que o atual governo é comunista, conclama-se o povo evangélico para um “ato profético” na esplanada do planalto, no afã de dar uma aura espiritual àquilo que esconde pretensões políticas e econômicas inconfessáveis.  Quando aprenderemos, afinal?

A manifestação de demonstração de poder (não passa disso!) está prevista para coincidir com o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff no Congresso e deve mobilizar caravanas de todo o país. Malafaia disse em entrevista que o evento tem o objetivo de profetizar o fim da corrupção e da crise econômica no Brasil. Chega ser cômico, não fosse trágico. Como o mundo poderia nos levar a sério com um mico desses?

Será que o Eduardo Cunha, paladino da transparência e da honestidade, estará no palco com a dupla dinâmica, Malafaia e Feliciano, como esteve tantas outras vezes? Será que basta meia dúzia de palavras mágicas “em nome de Jesus” e tudo se reverterá? É este o tipo de espiritualidade ensinada por Jesus? Ou será que o objetivo seria mandar um recado ao próximo mandatário do país?


Por que um governo que fosse uma ameaça comunista, como alega Malafaia, isentaria as igrejas de IPTU? Se houvesse pretensão de instalar uma ditadura, por que ainda não o fez, mesmo tendo aparelhado o estado? O que é que estão esperando? Que comunismo mais mequetrefe, que nem sequer cassou concessões de TV que lhe fazem oposição aberta diuturnamente!

Que governo totalitário permite que a polícia federal e o judiciário façam o que estão fazendo? O que, aliás, outros governos considerados conservadores nem de longe permitiram.

De acordo com Renato Janine, professor de Ciências Políticas da USP, “o princípio de todo partido ou militante comunista é a abolição da propriedade privada dos meios de produção. Quer dizer que só a sociedade pode ser dona de fábricas, fazendas, empresas. Já residências, carros, roupas e hortas para uso pessoal ou familiar não precisariam ser expropriadas de seus proprietários privados. A casa em que eu moro não é ‘meio de produção’. Menos ainda, minha roupa. Mesmo a horta, em vários países comunistas, ficou em mãos particulares. Seja como for, o ponto de partida do comunismo é: a propriedade privada dos meios de produção — fazendas, fábricas — é injusta e, também, ineficiente. Deve ser suprimida. Sem essa tese, não há comunismo.”

Ora, até o presente momento, não se ouve falar de latifúndios que teriam sido desapropriados pelo governo em benefício do MST, por exemplo. A tão esperada reforma agrária nunca saiu do papel. E por que as estatais privatizadas pelos tucanos a preço de banana não foram ainda retomadas?  Que comunismozinho mais sem vergonha!

Outra coisa: os Malafaias e Felicianos da vida seguem aterrorizando os crentes dizendo que o comunismo trabalha para destruir o conceito de família tradicional, com sua agenda LGBT e sua ideologia de gênero. Ora, ora, quem introduziu a equivocadamente chamada “ideologia de gênero” não foi algum país comunista, mas a maior potência capitalista do mundo, os Estados Unidos. Países considerados comunistas como a China punem severamente a prática homossexual.

A que conclusão podemos chegar com o que expus até aqui? Há muito que criticar o atual governo, mas será um baita equívoco criticá-lo por ser comunista. Por trás da falsa e alardeada conexão entre o PT e o comunismo está uma visão de mundo reducionista, fruto de um raciocínio raso e primitivo, que atrela qualquer grupo ou ato da esquerda política ao bolchevismo ou ao bolivarismo.

Definitivamente, 1964 é um filme que não vale a pena ver de novo. Os argumentos são os mesmos. As mentiras, idem. Alegavam que João Goulart pretendia dar um golpe comunista e que a única maneira de evitá-lo seria um contragolpe. Deu no que deu.  Que não se repita nunca mais. No que depender de mim, a menos que se comprove o envolvimento da presidente na corrupção, NÃO VAI TER GOLPE. Até o momento, o nome de vários de seus detratores conta na lista do Lava-Jato, exceto. O dela, não. 

Se quisermos limpar o país, comecemos pelos nossos púlpitos. Que nunca mais políticos transitem por eles. Que nunca mais líderes negociem os votos de seu rebanho. Que nunca mais usem o prestígio advindo de sua posição para pressionar governos a atenderem suas solicitações nem sempre louváveis. 

5 comentários:

  1. Sim,o erro pior de Malafaia é defender "patriotismo cristão", baseado em Sl 33:12...Lamentável!!!

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  2. Anônimo10:18 PM

    "É possível Cunha responder aos inquéritos e continuar no comando da Câmara?

    É ele que tem que conduzir (o processo do impeachment). Ele está lá (na presidência da Câmara). Ele foi o adversário mais à altura do Lula. Lula nunca esperou encontrar um bandido da mesma qualidade moral, intelectual que ele. O bandido pelo qual eu mais torço é o Eduardo Cunha. Vai puxar a barba do Rasputin. Gelado, frio, equilibrado. O Lula , o PT e esse fórum de São Paulo (conferência de partidos de esquerda latino americanos) são bandidos da laia do Eduardo Cunha, topam tudo. Como Deus faz as coisas. Botou um cara ali que qualquer jogo ele joga, qualquer parada ele topa e sabe onde aperta o calo do outro bandido. Pega o outro bandido na esquina. Dudu é o bandido que eu mais gosto, o vilão que eu torço por ele, o vilão da minha novela. E estou doido para ele puxar a barba do Rasputin."

    http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,cunha-e-o-bandido-que-eu-mais-gosto--imp-,1850388

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  3. Querido Hermes.
    Teria muita coisa para escrever. Quem sabe um dia nos sentamos e entre um café e outro conversamos sobre essas questões. De tudo declaro que amo meu país e que sofro em ver o sofrimento dessa nação. Um fraternal abraço.

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  4. O cara acredita que a Dilma lutou pela democracia no periodo limitar. Ainda bem que Deus levou o pai dele para não ter esse diagosto. Fala em mídia que faz oposição velada ao governo, a onde ele vê isso? Quase dez bilhões repassados para a globo.através de propaganda no governo PT, fora a Ancine financiando tudo aos artistas globais. Presidente eleita democraticamente, oi!? Collor também foi eleito, vamos devolver o mandato dele então. Como evangélico você é uma piada. Que Deus tenha misericórdia de nós.

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  5. Anônimo11:01 AM

    O texto inteiro tem um unico significado: Politica e religião não se misturam, a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus.

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