segunda-feira, setembro 14, 2015

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Por que nos importamos tanto com o sofrimento alheio? - Os neurônios-espelho e a origem orgânica da empatia



Por Hermes C. Fernandes 

“Nós somos responsáveis pelo outro, estando atento a isto ou não, desejando ou não, torcendo positivamente ou indo contra, pela simples razão de que, em nosso mundo globalizado, tudo o que fazemos (ou deixamos de fazer) tem impacto na vida de todo mundo e tudo o que as pessoas fazem (ou se privam de fazer) acaba afetando nossas vidas.” –Zygmunt Bauman 


Descobertos acidentalmente, os neurônios-espelho têm sido considerados um dos mais importantes achados das neurociências dos últimos tempos. Há quem ouse dizer que essas células farão pela psicologia o que o DNA fez pela biologia. Outros comparam a importância desses estudos aos das células-tronco. O cérebro tem cerca de 100 bilhões de neurônios - dos quais apenas 5% são espelhos. Apesar de proporcionalmente não serem tantos, respondem por muito do que somos. 

Era 1994, os neurocientistas Giacomo Rizzolatti, Leonardo Fogassi e Vittorio Gallese da Universidade de Parma, na Itália, conduziam um experimento com um macaco, em que instalaram fios numa área do cérebro responsável pelos movimentos. Sempre que o macaco pegava ou movia um objeto, determinadas células cerebrais disparavam. O monitor em que os eletrodos estavam ligados registrava a área de localização desses neurônios e emitia um sinal sonoro. Quando um aluno de pós-graduação entrou no laboratório com uma casquinha de sorvete na mão, o macaco olhou fixamente para ele e, em seguida, algo inusitado aconteceu: quando o estudante levou a casquinha aos lábios, o monitor apitou novamente – mesmo o macaco não tendo feito qualquer movimento, mas apenas observado o aluno. A cena voltou a se repetir com outros alimentos, como amendoins e bananas. Portanto, a resposta de seus neurônios-espelhos só podia vir da ação de outra pessoa. Os cientistas perceberam que as células cerebrais disparavam quando o macaco via ou ouvia alguém fazer algo ou, ainda, quando ele mesmo realizava uma tarefa. Assim chegaram às primeiras conclusões sobre a capacidade dos neurônios-espelhos. Mais tarde, exames de neuroimagem mostraram que os seres humanos têm neurônios-espelho muito mais sofisticados e flexíveis que os dos macacos. 

As pesquisas apontaram que os neurônios-espelho teriam, entre outras coisas, a propriedade de simular a perspectiva do outro. Portanto, eles seriam os responsáveis pela empatia, função que nos habilita a compreender as circunstâncias nas quais o outro se encontra, gerando sentimentos recíprocos tais como a solidariedade e o desejo de compartilhar experiências. A empatia é o aquele sentimento que nos faz enxergar a nós mesmos no outro. Não poderia haver melhor nomenclatura para esses neurônios do que neurônios-espelho.

O que nos levar a sorrir quando vemos alguém sorrir? E a bocejar quando alguém boceja próximo de nós? Ou a nos emocionar ao flagrar alguém chorando? Empatia. Nosso cérebro funcionaria como um simulador de ação. Mesmo que não conscientemente (implícita, no jargão das ciências cognitivas), imitamos mentalmente qualquer ação que observamos. Quando duas pessoas estão sentadas numa mesa de restaurante, uma tende a copiar a postura da outra. O mais interessante é que isso não acontece somente em termos de linguagem corporal, mas emocional também. Temos a tendência de sentir as mesmas emoções que uma pessoa próxima de nós. Isso se deve à atuação dos neurônios-espelho distribuídos pelas partes essenciais do cérebro, como o córtex pré-motor e os centros de linguagem, empatia e dor [1]. Nosso cérebro reproduz o padrão neural da emoção sugerida pelas expressões faciais e até os movimentos corporais.[2]

Segundo o pesquisador húngaro Gergely Csibra, do Departamento de Psicologia do Birkbeck College, no Reino Unido,[3] o papel dos neurônios-espelho talvez não seja exatamente o de espelhar ou simular a ação, mas o de antecipar as possíveis respostas a essa ação. O cérebro seria, portanto, um grande gerador de hipóteses que antecipa as consequências da ação, facilitando a tomada de decisão. Esta capacidade nos possibilitaria imaginar o que se passa na mente do outro, colocando-nos em seu lugar e compreendendo suas ações. De modo que, se vemos alguém chorar por qualquer que seja o motivo, os neurônios-espelho nos fazem lembrar de situações em que nós mesmos choramos, e assim, simulamos a sua própria aflição. É justamente esta capacidade de simular a perspectiva do outro que se constitui na base de nossa compreensão de suas emoções.

Os experimentos com neurônios-espelho parecem contrariar a ideia de que as decisões morais seriam de natureza cognitiva, envolvendo um pensamento moral. Os comportamentos morais teriam um forte traço afetivo, posto serem frutos da capacidade que o indivíduo tem de sentir as emoções do outro. Não aprendemos os valores morais apenas por compreendê-los racionalmente, mas por sermos sentimentalmente educados.

Os neurônios-espelho nos permitiriam captar a mente dos outros não por meio do raciocínio conceitual, mas pela simulação direta. Sentindo e não apenas pensando.

Sem dúvida, é graças a tal capacidade que podemos estabelecer relações sociais. Predizer as emoções do outro é essencial para um comportamento socialmente aceitável. Isso evita que cometamos atos que sejam dolorosos ou prejudiciais ao nosso semelhante.

Convém salientar, entretanto, que as bases neuronais da empatia não diminui em nada o valor do sentimento, mas tão-somente nos ajuda a entender um pouco melhor a nossa condição humana. Assim como aprender a ler pautas musicais não interfere em nossa apreciação de uma bela composição. O Criador nos equipou com todos os itens de fábrica necessários para que vivêssemos plenamente nossa humanidade. Pena que ultimamente a impressão que se tem é de que alguns estejam com o espelho embaçado pelo vapor de seu próprio discurso.

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[1] Rizzolatti, G.; Craighero, L.; The Mirror – Neuron system, Parma: 2004 
[2] Ekman, P. & Davidson, R. J. Voluntary Smiling Changes Regional Brain Activity, Psychological Science, 1993 
[3] Csibra G. Action mirroring and action understanding: an alternative account. In: Haggard P, Rosetti Y, Kawato M (eds.) Sensorimotor foundations of higher cognition. Attention and performance XII. Oxford University Press, Oxford: 2007.

Um comentário:

  1. Muito interessante!

    Espelho tem a ver com imagem e semelhança, logo, esse neurônio - espelho é um dos meios que Deus utiliza para vivermos o real significado de sermos a "imagem e semelhança" do Pai.

    Ser a imagem e semelhança de Deus nos torna mais humanos, assim como Cristo.

    O que ativa este neurônio é a metanóia do Espírito Santo em nós !

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