Por Hermes C. Fernandes
Nesta semana, terminei de
assistir à primeira temporada de uma das séries mais incrivelmente originais
que já assisti desde Lost.
Apesar das cenas muito fortes, que certamente feririam os escrúpulos de boa
parte dos cristãos, Sense8 tem uma fotografia impecável, com
locações belíssimas em oito países diferentes, além de atores excepcionais com
sotaques bem acentuados de seus respectivos países. O título da série é um
trocadilho com a palavra inglesa sensate,
algo próximo de sensitivo,
ou seja, alguém dotado de consciência amplificada. Trata-se de uma série
norte-americana de ficção científica com boa dose de drama, dirigida, escrita e
produzida por Andy e Lana Wachowski e J. Michael Straczynski.
Confesso que relutei em
assistir à série completa depois dos dois primeiros capítulos. Mas fui
convencido pelo meu filho a assisti-la até o final. Nenhuma série ou produção
cinematográfica provocou-me reações tão diversas. Meu moralismo foi posto à
prova. Porém, posso afirmar que valeu a pena.
Sense8 conta a história de
oito pessoas nascidas na mesma data, porém, oriundas de culturas totalmente
diferentes e espalhadas pelo mundo afora. Subitamente, todos têm a mesma visão
da morte violenta de uma mulher, e a partir daí, paulatinamente,
descobrem estar mental e emocionalmente ligados entre si, sendo capazes de se
comunicar, sentir e apoderar-se do conhecimento, linguagem e habilidades uns
dos outros. A esse “dom” é dado o nome de Sensate.
Segundo J. Michael
Straczynski, co-criador de Sense8, a ideia que deu origem à série parte da
premissa de que a evolução envolveria a criação de círculos cada vez maiores de
pertencimento e empatia. O que começou lá trás, ligando indivíduos a seus
núcleos familiares, estendendo-se posteriormente às suas tribos, cidades e
nações, alcançaria o seu apogeu quando conectasse pessoas de culturas
diferentes em várias partes do globo, mesmo que jamais tenham se visto antes.
O argumento sobre o qual a
trama é desenvolvida me remeteu a duas teorias, a da Noosfera e a do
Inconsciente Coletivo. A teoria da Noosfera foi originalmente desenvolvida pelo
geoquímico russo Vladimir Vernadsky, e refere-se à esfera do pensamento humano.
O termo tem origem no vocábulo grego “nous” que significa mente. De acordo com
esta teoria, a noosfera seria a terceira etapa do
desenvolvimento da Terra, precedida pela geosfera (matéria inanimada) e pela
biosfera (vida biológica). Assim como o surgimento da vida provocou mudanças
significativas na geosfera, o surgimento do conhecimento humano também alterou
a biosfera.
Este conceito foi ampliado
pelo teólogo cristão e paleontólogo francês Teilhard de Chardin, segundo o qual
a Noosfera seria o próximo degrau evolutivo do mundo em que emergiria uma
espécie de cérebro planetário ou superconsciência, onde todas as mentes
estariam interligadas, de maneira análoga aos computadores conectados à
internet. Essa mudança caracterizaria a próxima Era Geológica denominada
“Psicozoica”. Chardin buscava conciliar a teologia cristã com a evolução de
Darwin. Para o padre jesuíta, Deus conduziu todo o processo evolutivo, desde o
caos primordial até o despertar da consciência humana sobre a Terra, estágio
que deverá ser sucedido por uma Noogênese, que seria a integração de todo o
pensamento humano numa única rede inteligente que cobriria todo o planeta. É a
esta camada que ele chama de Noosfera. Na vanguarda de todo este processo
existiria uma força que agiria a partir de dentro da matéria, orientando a
evolução em direção a um ponto de convergência chamado de Ponto Ômega, que ele
identifica como sendo o próprio Cristo.
Carl Jung, psiquiatra suíço,
conhecido como o pai da psicologia analítica, defendia a existência de um
inconsciente coletivo, que seria a camada mais profunda da psique. Para
compreendermos o que seria o inconsciente coletivo, temos que entender o que é
o inconsciente. De acordo com Sigmund Freud, o inconsciente seria a região da
psique onde encontramos o que foi recalcado, escondido, esquecido. Tudo o que
foi vivido, porém, esquecido, está lá armazenado. Às vezes, reaparece através
dos sonhos, dos chamados atos falhos e até dos sintomas físicos ou psíquicos.
Para o pai da psicanálise, o que chamamos de consciência seria apenas a ponta
de um iceberg. O inconsciente seria a parte submersa. O inconsciente não seria
apenas o porão da psique, mas as bases, os alicerces sobre os quais a
consciência é erigida.
Já o Inconsciente Coletivo
não representa o que fora vivido pelo indivíduo, mas pela a humanidade como um
todo. É o resíduo psíquico da evolução do homem, acumulado em consequência de
experiências repetidas por várias gerações. Os arquétipos são os componentes
estruturais do Inconsciente Coletivo. Um arquétipo é uma forma de pensamento
universal com imagens que podem ser transmitidas hereditariamente como uma
espécie de memória genética. Ao perceber que a transmissão de conteúdos
psíquicos por hereditariedade não poderia ser comprovada cientificamente, Jung
sugeriu que os arquétipos não seriam propriamente imagens, mas tão-somente a
predisposição da psique de gerar certas imagens. Os arquétipos, portanto,
seriam estruturais psíquicas herdadas que, ao serem preenchidas com as memórias
e percepções do próprio indivíduo, desencadeariam a formação de determinadas
imagens. Assim, a forma seria universal, porém, o conteúdo seria específico de
cada indivíduo.
Há uma conexão profunda
entre os pensamentos de Jung e de Chardin. Ambos acreditavam no poder exercido
pelo futuro sobre a mente humana. Enquanto para Freud, tudo poderia ser
explicado a partir do passado, para Jung, o presente não seria determinado
apenas pelo passado (causalidade), mas também pelo futuro (teleologia). Algo
bem parecido com a ideia de um Ponto Ômega em Chardin, que nos atrai na direção
do porvir. Em ambos, o destino do ser humano é essencialmente guiado pelo alvo.
Digamos que o passado tenha sido apenas o arco que arremessou a flecha. Mas o
arqueiro não o fez a ermo. Em Jung, a personalidade deve ser compreendida em
termos do seu destino, e não de sua origem apenas.
Em seu livro “Estudos sobre
Psicologia Analítica”, Jung escreve:
“Se
o material psíquico acumulado no inconsciente individual pode ser alçado à
consciência, não é demais acreditar que o mesmo se dê com o inconsciente
coletivo.”
Ora, não seria de se esperar
que se emergisse uma consciência coletiva? Não seria esta a Noosfera defendida por Chardin?
Tanto Jung, quanto Chardin
eram cristãos. Jung, de origem protestante, filho de pastor. Chardin, sacerdote
jesuíta. Não se pode, portanto, negar a influência do pensamento cristão nestes
dois gigantes do século XX. Ambos tentaram compreender o fenômeno da
espiritualidade a partir de uma abordagem que se pretendia científica.
Haveria nas Escrituras algum
indício de que o Criador pretenda conduzir-nos a um novo degrau de evolução?
Poderíamos encontrar em suas páginas algo acerca do surgimento de uma Noosfera?
Antes de prosseguir em nossa
investigação sobre o tema, proponho uma digressão. Estamos entrando no terreno
sagrado da subjetividade. Portanto, sugiro que descalcemos nossos pés de toda e
qualquer presunção. Sigamos à risca a recomendação de Jung: “Conheça todas as teorias, domine
todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”
Nenhuma teoria, por mais
elaborada que seja, tem a palavra final quando se trata da alma humana. Por
isso, nossas sandálias não nos servem aqui.
Quando Moisés apascentava o
rebanho de seu sobro no deserto, teve uma visão em que um arbusto se
incendiava, porém, não se consumia. Suas folhas e ramos permaneciam intactos. O
inusitado fenômeno fisgou sua atenção, de modo que não resistiu à curiosidade e
resolveu se aproximar para conferir. Provavelmente, Moisés se perguntou se
aquilo seria real ou apenas fruto de sua imaginação. De repente, do meio da
sarça ouviu-se uma misteriosa voz: “Não
te chegues para cá; tira as sandálias de teus pés; porque o lugar em que pisas
é terra santa.”[1]
O que Deus queria dizer com
“terra santa”? Será que se tratava de um território demarcado pela divindade?
Se fosse este o caso, por que Moisés, a exemplo do que fizeram outros
patriarcas hebreus, não edificou ali um altar? Era de se esperar, uma vez que a
voz se apresentou como sendo o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, seus
ancestrais. Talvez até lhe tenha ocorrido a ideia. Porém, o restante da fala de
Deus fê-lo perceber que a o território sagrado a que se referia era outro e não
uma localização geográfica específica. Observe:
“Tenho
visto atentamente a aflição do meu povo, que está no Egito, e tenho ouvido o
seu clamor por causa dos seus exatores, porque conheci as suas dores. Portanto
desci para livrá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra, a
uma terra boa e larga, a uma terra que mana leite e mel.” Êxodo 3:7-8a
O Deus dos patriarcas não
abandonara Seu povo à própria sorte. Pelo contrário. Ele observava atentamente
a sua aflição sob o regime escravagista imposto pelos egípcios. Se ficasse só
na observação, Deus não passaria de um voyeur sádico assistindo apático ao
desenrolar da trama humana. Ele diz que também ouvia o clamor dos hebreus. Mas
também não era suficiente ver e ouvir. Não bastaria nem mesmo ser empático. Ele
declara conhecer as suas dores. Por isso, resolveu dar um passo além, descendo
para livrá-los. Imagine: uma divindade que desce, que se rebaixa, que pisa o
chão da existência, só para intervir em favor do Seu povo. Isso é mais do que
empatia, é compaixão. E repare que Ele desce para fazê-los subir. Terra santa é
todo solo onde Deus resolve pisar. Terra santa é toda causa que Ele decide assumir.
Terra santa é a alteridade, a subjetividade com suas idiossincrasias.
Contrariando Sartre, o existencialista francês, o outro não é o inferno, mas um
terreno sagrado.
O Deus revelado nas
Escrituras não é uma divindade apática, que se mantém distante do dilema
humano. Em vez disso, mergulha de cabeça na existência, intervindo para livrar
Sua criação e elevá-la juntamente com Ele.
Moisés estava sendo
comissionado a participar desta intervenção divina, servindo-lhe de porta-voz.
Sua experiência como príncipe do Egito não lhe serviria. Ele teria pisar
descalço nesse solo sagrado.
Descalçar os pés também
aponta para vulnerabilidade de nossa condição humana. Somos chamados a abraçar
esta condição, sem nos proteger. Chamados a conhecer a dor humana em toda a sua
intensidade. Parafraseando
Caetano Veloso, somos enviados ao mundo como Moisés a Faraó, para conhecer in loco com cada um a dor e a delícia de ser o
que é.
Não há aqui lugar para
presunção, nem precaução desmedida. Quem está na chuva é para se molhar.
O calçar as sandálias da
preparação do evangelho da paz conforme recomendado por Paulo[2] é justamente descalçar-se, engrossando
assim o número de paradoxos encontrado nos evangelhos e epístolas. Paradoxos do
tipo o menor será o maior, os últimos serão os primeiros, quando se está fraco é que se é
forte, o poder se aperfeiçoa
na fraqueza, quem quiser
salvar-se acabará se perdendo e quem se deixar perder acabará se salvando,
etc.
A palavra ouvida por Moisés
naquele dia só viria a se cumprir cabalmente quando Deus Se fizesse um de nós
na pessoa de Seu Filho Jesus Cristo. Paulo nos retrata isso no processo que a
teologia chama de Kenósis[3]:
“Portanto,
se há algum conforto em Cristo, se alguma consolação de amor, se alguma
comunhão no Espírito, se alguns entranháveis afetos e compaixões, completai a
minha alegria, para que sintais o mesmo, tendo o mesmo amor, o mesmo ânimo,
sentindo uma mesma coisa. Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por
humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo. Não atente cada
um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros.
De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus,
que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas
esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos
homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente
até à morte, e morte de cruz.”
Filipenses 2:1-8
Filipenses 2:1-8
Assim como Moisés, o Filho
de Deus também teve que se descalçar para experimentar a condição humana.
Talvez por isso, ao vê-lo vir ao seu encontro para ser batizado, João Batista
tenha dito que não era digno de desatar Suas sandálias. Foi a partir daí que
Ele iniciou Seu ministério terreno.
Paulo toma a Kenósis de Cristo como uma convocação a que
também a experimentemos. Somos chamados a descalçar os pés e a pisar no solo
sagrado da subjetividade, que inclui tanto a consciência, quanto o
inconsciente. Nossos pressupostos, preconceitos, técnicas, teorias, presunções,
devem ser postos de lado para não comprometer nossa abordagem. Repare bem na
recomendação do apóstolo: “Se
há algum conforto em Cristo, se alguma consolação de amor, se alguma comunhão
no Espírito, se alguns entranháveis afetos e compaixões...” O que nos oferece conforto nesta
empreitada é a certeza de Sua companhia. Não estamos sós. É a Sua presença que
torna sagrado o terreno em que pisamos. É a convicção de que somos amados que
nos consola. É o Seu Espírito que possibilita a comunhão entre nós e os demais.
Ele pavimenta o caminho que nos faz acessar o outro. Comunhão é koinonia, palavra grega que
significa “comunicação”, “ter algo em comum”. Esta comunhão patrocinada pelo
Espírito provoca em nós o que Paulo chama de “entranháveis
afetos”; isto é, somos intimamente afetados por aquilo que afeta os
demais. Não apenas vemos e ouvimos, mas também participamos da sua dor. Não é
algo de pele, superficial, mas visceral.
Acho que nesta passagem,
Paulo vai mais longe do que Chardin. Em vez de uma noosfera, que seria, por
definição, uma esfera de pensamentos, o apóstolo nos propõe o que eu ousaria
chamar de koinosfera: uma
esfera onde todas as coisas inerentes à nossa condição humana se tornem comuns,
a começar pelos sentimentos. Como bem disse Jung, “quando pensamos, fazêmo-lo
com o fim de julgar ou chegar a uma conclusão; quando sentimos, é para atribuir
um valor pessoal a qualquer coisa que fazemos.”
Não se trata apenas de saber
o que outro sabe, de crer no que o outro crê, mas de sentir o que o outro
sente. Isso só é possível quando nos abrimos ao mesmo sentimento que houve em
Cristo, que sendo em forma de Deus, preferiu rebaixar-se à condição humana,
esvaziando-se por completo. Ele desceu todos os degraus, fazendo-se escravo
desprovido de qualquer direito, entregando-se para morrer como um meliante,
mesmo sem jamais ter cometido nada que o fizesse merecer aquilo.
O evangelho nos propõe dar
um passo além da empatia. Digamos, para fins didáticos, que empatia seria o
equivalente a calçar as sandálias do outro. Compaixão é descalçar-se para pisar
o mesmo chão. A empatia nos faz entender o que o outro passa. A compaixão nos
faz sentir o que o outro sente. Por que não basta calçar as sandálias do outro?
Por que a empatia não é suficiente? Talvez Jung tenha a resposta: “Uns sapatos
que ficam bem numa pessoa são pequenos para uma outra; não existe uma receita
para a vida que sirva para todos.”
Nunca daremos conta de
entender plenamente o outro. O outro é, por assim dizer, incognoscível. Um
mistério que só é superado pelo mysterium
tremendum: Deus! Qualquer tentativa neste sentido constitui-se numa
profanação de um território sagrado. Portanto, resta-nos uma abordagem
reverente que busque sintonizar-nos com os seus sentimentos, ainda que não
logremos decodificá-los.
O amor derramado
profusamente em nossos corações através da concessão do Espírito Santo[4] nos habilita a estar conectados uns
aos outros num nível que jamais teria sido possível de outra maneira. No dizer
do apóstolo, temos agora a mente de Cristo.[5] Estamos aptos a ver o que nossos olhos
não viram, a ouvir o que nossos ouvidos jamais ouviram e a sentir o que teve
origem no coração de Deus e daqueles que com Ele estão conectados pelo
Espírito.[6] Comunhão! Esta é a
palavra. Infelizmente, o seu significado ficou restrito ao relacionamento
entre Deus e o homem. Porém, o mesmo apóstolo que disse que “nossa comunhão é com o Pai, e com
seu Filho Jesus Cristo”[7],
também afirmou que “o que
vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também tenhais comunhão conosco”,
e que “se andarmos na luz,
como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros.”[8] Obviamente,
esta comunhão é possibilitada quando compartilhamos o evangelho com os demais.
Porém, ela não para aí. Não se trata de partilhar sua fé apenas. Paulo escreve
aos Tessalonicenses que estes lhes eram tão afeiçoados, que de boa vontade ele
queria partilhar-lhes não somente o evangelho, mas a sua própria alma.[9]
Quando partilhamos o
evangelho, tudo quanto queremos é que as pessoas sejam partícipes da mesma
alegria que nos invadiu a alma no momento em que ouvimos a boa nova. Porém,
antes de apresentar-lhes a razão de nossa esperança, devemos nos abrir a
receber deles a razão de sua angústia. Comunhão é uma via de mão dupla.
Repare, por exemplo, na
recomendação do escritor sagrado:
“Lembrai-vos
dos presos, como se estivésseis presos com eles, dos maltratados, como sendo-o
vós mesmos também no corpo.” Hebreus
13:3
Não basta uma simples
lembrança. Isso seria muito raso. Devemos, antes, nos imaginar presos e
maltratados juntamente com eles. Enquanto não nos dispusermos a sentir suas
dores, não poderemos compartilhar-lhes nossa alegria. E com isso, nossa alegria
jamais será plena. Ou não é isso que Paulo diz na passagem em que aborda a
Kenósis de Cristo? Ao mencionar os tais“afetos entranháveis”, ele
arremata: “Completai a minha
alegria, para que sintais o mesmo, tendo o mesmo amor, o mesmo ânimo, sentindo
uma mesma coisa.” E um pouco
abaixo, ele diz: “Não atente
cada um somente para o que é seu, mas cada qual também para o que é dos outros.
De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus.”[10]
Este era o padrão seguido
pelos cristãos primitivos, que em vez de estarem preocupados com o que
possuíam, preocupavam-se com o que podiam repartir com os demais. Não por uma
imposição dos apóstolos, mas por nutrirem uns pelos outros o mesmo sentimento que
houve em seu mestre. Lucas, o evangelista, dá testemunho disso em seu relato:
“Era
um o coração e a alma da multidão dos que criam, e ninguém dizia que coisa
alguma do que possuía era sua própria, mas todas as coisas eram
compartilhadas.” Atos
4:32
Ninguém era obrigado a nada.
Tudo era feito com absoluta espontaneidade, uma vez que o evangelho não
trabalha com imposição. Algo compulsório não poderia ser fruto de uma
consciência constrangida pelo amor. Lembremo-nos de que “o amor de Cristo nos constrange”[11],
de modo que não desejamos mais viver para nós mesmos.
Foi este amor que fez com
que os gálatas acolhessem a Paulo num dos momentos mais críticos de sua vida,
quando estava acometido de uma enfermidade nos olhos, talvez até contagiosa.
Repare a intensidade de seu relato:
“E
vós sabeis que primeiro vos anunciei o evangelho estando em fraqueza da carne.
Embora minha enfermidade na carne vos fosse uma tentação, não me rejeitastes
nem me desprezastes; antes me recebestes como a um anjo de Deus, como ao
próprio Cristo Jesus. Qual é, logo, a vossa alegria? Dou-vos testemunho de que,
se possível fora, teríeis arrancado os vossos olhos, e os teríeis dado a mim.” Gálatas 4:13-15
Onde impera o amor, não há
porque disfarçar nossas fraquezas. Somos levados a acolher uns aos outros
independentemente de sua condição física, emocional, financeira ou espiritual.
Porém, isso não significa ser indiferente ao sofrimento do outro. Pelo
contrário. Os gálatas se dispunham a fazer qualquer coisa para atenuar o
sofrimento de seu mentor espiritual.
Que bom seria se os líderes
espirituais de nosso tempo se desvencilhassem desta espiritualidade de fachada,
sempre preocupados em parecer bem aos olhos de seus fiéis, como se qualquer
admissão de fraqueza atentasse contra a credibilidade de seus ministérios. Foi
ninguém menos que o grande rei Davi quem disse que quanto mais se expunha ante
os seus súditos, mais eles o honrariam.
O mundo não busca líderes
impecáveis, opulentos, mas francos e coerentes.
Tais quais os líderes são os
que os seguem. Daí vermos tantos cristãos intragáveis que arrotam arrogância e
acabam vacinando as pessoas à sua volta contra o evangelho. Como disse o dramaturgo
romeno Eugène Ionesco, "ideologias nos separam, sonhos e angústias nos
unem".
Em Sense8, somente oito
pessoas são dotadas do dom que as faz partilhar dos mesmos sentimentos. Porém,
a proposta de Cristo vai muito além disso. Um dia, todos os homens sentir-se-ão
ligados uns aos outros, de modo que a injustiça feito a um, será como se houvesse
sido sofrida por todos. Somente assim, este mundo poderá se tornar naquilo com
que seu criador sonhou na eternidade.
Muito bom !
ResponderExcluirEste artigo expande o conceito do que é ser membro de um só corpo.