domingo, julho 26, 2015

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Teríamos algo a aprender com os que creem diferente de nós?




Por Hermes C. Fernandes


No penúltimo dia da XIV Convergência Reinista, tivemos uma inusitada apresentação realizada por nossas igrejas em Nilópolis e Engenheiro Pedreira. Sobre o púlpito, três rapazes vestidos à caráter, representando um sacerdote católico, um muçulmano e um protestante. Num dado momento, o muçulmano prostrou-se sobre o tapete como se estivesse em seu momento de devoção voltado para Meca. Enquanto ele orava, os outros dois mantinham seus braços estendidos sobre ele. Ao se levantar, foi abraço por eles, recebendo deles um exemplar das Escrituras. Imediatamente, postei as fotos, mas não pude legendá-las para explicar o que estava acontecendo. Ao término do culto, quando chequei meu perfil na rede social, deparei-me com críticas severas e acusações de ecumenismo e sincretismo. Em resposta a essas críticas, resolvi publicar esta reflexão. 

No tempo do ministério de Jeremias, havia um povo considerado excêntrico pelos demais habitantes de Judá, que era conhecido como os recabitas e viviam do lado de fora dos muros, isolados do resto do mundo. Não bebiam vinho, não construíam casas, nem cultivavam a terra. Habitavam em tendas, como os antigos patriarcas hebreus. Ninguém os levava realmente a sério. De repente, Deus ordena que Jeremias os convide para ir ao Templo em Jerusalém.
“Palavra que do Senhor veio a Jeremias, nos dias de Jeoiaquim, filho de Josias, rei de Judá: Vai à casa dos recabitas, fala com eles, leva-os à casa do Senhor, a uma das câmaras, e dá-lhes vinho a beber.” Jeremias 35:1-2
O profeta deve ter estranhado as orientações que Deus lhe estava dando. Por que oferecer ao recabitas algo que eles certamente recusariam? Que sentido havia em tentá-los?

Mas Jeremias não titubeou e pôs “diante dos filhos da casa dos recabitas taças cheias de vinho, e copos, e disse-lhes: Bebei vinho. Mas eles disseram: Não beberemos vinho, porque Jonadabe, filho de Recabe, nosso pai, nos deu ordem, dizendo: Nunca jamais bebereis vinho, nem vós nem os vossos filhos. Também não edificareis casa, nem semeareis semente, nem plantareis vinha, nem a possuireis; mas habitareis em tendas todos os vossos dias, para que vivais muitos dias sobre a face da terra, em que vós andais peregrinando” (vv.5-7).

Estas ordens haviam sido dadas por Jonadabe há duzentos anos, isto é, cinco gerações anteriores àquela. Todavia, os descendentes de Jonadabe jamais se desviaram delas.

Que grande líder foi Jonadabe, a ponto de sua influência permanecer por dois séculos após sua partida.

Antes de prosseguirmos em nossa reflexão sobre a postura dos recabitas diante da tentação, vamos descobrir um pouco mais sobre seu patriarca. Jonadabe aparece em II Reis 10:15, em parceria com Jeú, rei de Israel, na ação contra a casa do Acabe – o marido da abominável Jezabel. Deus havia confiado a Jeú a missão de não deixar vivo nenhum descendente daquele malévolo rei. Embora já estivesse morto à época, Acabe deixara nada menos que setenta filhos, que a qualquer momento poderiam reivindicar o trono de Israel, e manter a política devassa de seu pai. Nesse contexto, Jeú, que havia sido ungido rei de Israel por intermédio de Eliseu, se encontra com Jonadabe. Eis o relato:
“Partindo dali, encontrou-se com Jonadabe, filho de Recabe, que lhe vinha ao encontro. Saudou-o Jeú e lhe perguntou: Reto é o teu coração, como o meu coração é com o teu coração? Respondeu Jonadabe: É. Então, se é, dá-me a tua mão. Ele lhe deu a mão, e Jeú o fez subir consigo ao carro. Disse Jeú: Vem comigo e vê o meu zelo pelo Senhor. Então o fez sentar consigo no carro.” II Reis 10:15-16
À luz deste texto, concluímos que Jonadabe era um homem fiel ao Deus de Israel, e leal ao homem escolhido por Deus para reinar sobre o Seu povo. Homens assim sempre deixam um legado para as próximas gerações. Gente fiel gera gente fiel. Por isso, duzentos anos depois de sua morte, seus descendentes ainda lhe eram fiéis. E é para essa fidelidade que Deus queria chamar a atenção do povo de Judá nos dias de Jeremias. A fidelidade dos recabitas lhes serviria como referência.

Aprendemos com Jonadabe que só devemos dar as mãos àqueles com os quais nosso coração for reto. Só há comunhão legítima, quando autenticada por convicções verdadeiras. É claro que Deus jamais requereu deles que vivessem separados dos demais, ou que se abstivessem de vinho ou do cultivo da terra. Pelo contrário. Quando o povo de Judá foi levado em exílio para a Babilônia devido à sua infidelidade, a ordem de Deus foi que eles construíssem casas, plantassem pomares, casassem suas filhas, enfim, que se estabelecessem lá, de onde só sairiam setenta anos depois (Jer.29:4-7).

O tipo de espiritualidade que Deus propõe ao Seu povo não é sinônimo de alienação. Deus almeja ver Seus filhos espalhados pelo mundo, infiltrados em todos os setores da sociedade, fazendo a diferença. Infelizmente, a maioria dos cristãos age com os recabitas. Preferem separar-se, viver em guetos, sem misturar-se com a sociedade à sua volta. Em momento algum Deus endossou o modo de vida dos recabitas. O que Ele quis foi dar uma lição aos demais judeus, demonstrando o tipo de fidelidade que Ele requeria deles. Veja o desabafo do Senhor:
“Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: Vai, e dize aos homens de Judá e aos moradores de Jerusalém: Não aceitareis instrução, para ouvirdes as minhas palavras? Diz o Senhor. As palavras de Jonadabe, filho de Recabe, que ordenou a seus filhos que não bebessem vinho, foram guardadas, pois não beberam vinho até este dia, antes ouviram o mandamento de seu pai. A mim, porém, que vos tenho falado a vós, madrugando e falando, não me ouvistes. Também vos enviei todos os meus servos, os profetas, madrugando, e enviando, e dizendo: Convertei-vos, cada um do seu mau caminho (...) Os filhos de Jonadabe, filho de Recabe, guardaram o mandamento de seu pai, que lhes ordenou, mas este povo não me obedeceu”(vv.13-15a, 16).
A questão não era a abstenção de vinho, nem o fato de habitarem em tendas. A questão era a obediência às instruções de seu patriarca.

Presenciei durante minha estada nos Estados Unidos pessoas oriundas das mais diversas culturas, que apesar de estarem longe do seu chão, mantêm-se fiéis aos seus costumes e à sua fé. Vi mulheres que só saem de suas casas usando véus que cobrem parcialmente seus rostos. Muçulmanas, que apesar de todo preconceito que sofrem aqui, são fiéis àquilo que aprenderam de seu profeta Maomé. Vi hindus que jamais retiram seus turbantes em reverência aos seus inúmeros deuses. Deus não exige que vivamos como eles. Mas exige que sejamos tão fiéis a Ele, quanto eles são aos seus deuses e profetas.

Temos muito que aprender com os espíritas, e suas obras de caridade. Se fôssemos tão fiéis ao Evangelho, quanto eles aos ensinos de Kardec, esta exortação não nos caberia como uma luva.

Temos que tirar o chapéu para os crentes que chamamos carinhosamente de legalistas. Falta-nos o seu espírito aguerrido, sua coragem para ir além de suas possibilidades, tudo em nome de sua fé (ainda que equivocada!).

Deus poderia colocar diante de nós, testemunhas de Jeová, Mórmons, Budistas, e até Candomblecistas e Umbandistas, para que aprendêssemos com eles. Assim como Jesus usou um Samaritano como referência de bondade e amor, ainda que sua crença estivesse equivocada.

Não se escandalize com isso! Jesus era mestre em usar exemplos escandalosos. Ele chegou mesmo a elogiar um centurião romano, dizendo que jamais encontrara tamanha fé, nem entre os filhos de Abraão.

Todos sabemos dos pega-pra-capar que Jesus tinha com os fariseus. Ele os chamava carinhosamente de hipócritas. Mas nos esquecemos que Jesus os tomou como referência para os Seus discípulos:
“Pois vos digo que se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.” Mateus 5:20
Repare nisso: Deus requer muito mais de nós, do que a fidelidade demonstrada por qualquer religioso ao seu credo. Afinal de contas, a graça nos foi revelada, e isso nos torna indesculpáveis. E não se trata de uma graça barata, mas uma graça que, segundo Paulo, “nos ensina a renunciar a impiedade e as paixões mundanas, para que vivamos neste presente século sóbria, justa e piedosamente”(Tt.2:12).

Testemunhando sobre seus patrícios, Paulo diz: “Pois dou testemunho de que têm zelo de Deus, mas não com entendimento” (Rm.10:2). Ora, o que esperar, então, de quem afirma ter recebido o entendimento da graça? Pior que ter zelo sem entendimento, é ter entendimento sem zelo.

Se um muçulmano é capaz de dobrar seus joelhos várias vezes ao dia em direção à Meca, cumprindo assim a uma ordenação de seu profeta Maomé, do que seria capaz um cristão que recebeu a graça de Cristo?

Recordo-me com carinho quando minha filha Revelyn estudava num High School em Lake Mary, na Flórida, e se dispôs a ajudar um colega muçulmano recém-chegado do Irã, e que não sabia falar uma única palavra em Inglês. Tanto ela, quanto meu filho Rhuan, tiveram que aprender a se relacionar com pessoas de diversas culturas, sem qualquer ranço de preconceito.

Já testemunhei uma família de judeus, em pleno aeroporto de Nova York, por volta das 5h. da manhã, fazendo suas orações na frente de todos, sem qualquer constrangimento.

O problema é que muitos têm usado a graça como justificativa para uma vida descomprometida e desregrada. Não seria isso que Paulo chama de receber a graça de Deus em vão (2 Co.6:1)?

Seguidores de credos de matizes africanos são capazes de se expor ao escárnio em plena luz do dia para oferecer suas oferendas em logadouros públicos. E quanto a nós, que afirmamos amar a Cristo? Quantas vezes temos nos exposto por Ele? Alguns nem sequer se identificam como cristãos. É de se admirar que as crenças oriundas do continente africano tenham sobrevivido a tantas perseguições e preconceitos, ainda que para isso algumas tenham se valido do sincretismo.

Um crente neo-pentecostal, sem o conhecimento da graça, faz qualquer sacrifício em nome de sua fé. E quanto a nós, o que temos feito em prol da mensagem do reino? É muito fácil criticá-los. Mas se a Bíblia diz que cada um será julgado de acordo com aquilo que houver recebido, o que será de nós? Eles vivem por aquilo que receberam. E com o pouco que têm recebido, têm feito muito mais do que aqueles que afirmam que receberam toda a revelação da Palavra.

Mais uma vez suplico: Não se escandalizem comigo. Não me vejo em condição de julgar, nem tampouco endossar qualquer prática religiosa. Minha questão aqui não tem nada a ver com a prática, mas com a fidelidade.

Posso condenar qualquer ato considerado idólatra, como por exemplo, carregar um andor com uma imagem qualquer. Mas também posso enxergar de outro ângulo e dizer: Uau, quanta disposição em servir! Quanta veneração! Paulo fez isso em Atenas. Ele não condenou seus cidadãos por serem idólatras, mas elogiou-os por serem fervorosos em sua religiosidade, garantindo com isso a sua atenção e simpatia, a fim de introduzir-lhes o evangelho (At.17:22).

Qualquer ato de terrorismo pode ser considerado abominável. Mas é admirável a disposição que alguns fundamentalistas islâmicos têm de morrer por sua fé. Disposição antes encontrada nos primeiros cristãos. A diferença é que estes morriam por sua fé, enquanto aqueles querem levar o maior número possível consigo. Os cristãos primitivos movidos por amor, enquanto aqueles são motivados pelo ódio.

Pode-se dizer que a doutrina das testemunhas de Jeová destoa do que consideramos ortodoxo. Porém, quem de nós se dispõe a bater de casa em casa para anunciar o Evangelho? Que prejuízo um adventista do sétimo dia se dispõe a sofrer por guardar o sábado? E nós, já sofremos algum prejuízo pela causa do Evangelho?

Voltemos para Jonadabe e os recabitas e consideremos a recompensa que tiveram por sua lealdade aos ensinos de seu pai.
“À casa dos recabitas disse Jeremias: Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: Obedecestes ao mandamento de Jonadabe, vosso pai, guardastes todas as suas instruções, e fizestes conforme tudo o que vos ordenou. Portanto, assim diz o Senhor dos Exércitos, Deus de Israel: Nunca faltará homem a Jonadabe, filho de Recabe, que assista perante a minha face todos os dias” (vv.18-19).
Milhares de anos se passaram desde que esta palavra fora dita pelo Senhor. E onde foram parar os recabitas? Será que ainda existem? Teria Deus cumprido Sua promessa àquele povo? A mais recente notícia sobre eles dá conta de que foi descoberta na Arábia, perto de Meca, uma tribo que se diz descendente de Jonadabe. E mais recentemente, foi descoberta perto do Mar Morto, outra tribo beduína que também se identifica como recabitas. E pasmem: Esse povo que afirma ser os remanescentes dos recabitas, ainda se mantém fiel aos preceitos de Jonadabe.

E será que nesses dois mil anos de Cristianismo temos nos mantido fiéis aos preceitos de Cristo?

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