quarta-feira, abril 29, 2015

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O princípio das dores e o parto de uma nova consciência



Por Hermes C. Fernandes

Nos últimos dias, temos sido alarmados com notícias de cataclismos e tragédias que têm varrido o planeta. Dentre eles, um tornado que destruiu 40% das casas da cidade de Xanxerê em Santa Catarina; a erupção de um grande vulcão que causou pânico no Chile; queda e desaparecimento de aviões; ascensão de grupos terroristas mais cruéis que seus antecessores, dizimando vilas inteiras na África e no Oriente Médio. E o pior e mais recente deles, o terremoto ocorrido no Nepal que ceifou a vida de mais de dez mil pessoas. O que estaria acontecendo com o mundo? Seria algum presságio? Sinais do fim do mundo? Cumprimento de profecias apocalípticas?

De acordo com as célebres palavras de Jesus, não deveríamos nos assustar diante de tudo isso, porque é necessário que tais coisas ocorram, porém, elas não indicam a proximidade do fim e sim “o princípio das dores” (Mt.24-6-9). Infelizmente, poucos têm se preocupado em debruçar-se sobre esta expressão em busca de seu significado, por isso, acabam chegando a conclusões precipitadas, imaginando que tais cataclismos sejam apenas ‘amostras grátis’ do que ainda virá. O pior ainda estaria por vir, concluem. 

A expressão “princípio das dores” é traduzida do grego ἀρχή ὠδίν (arché ōdin)  e indica as dores sentidas por uma parturiente. Quanto mais próximo estiver o momento do parto, mais fortes e frequentes serão as contrações e menor o intervalo entre elas. Cada furacão que varre o Caribe, cada terremoto que abala o Japão, cada vulcão que entra em erupção no Havaí são contrações sentidas pela natureza, o que parece indicar que ela esteja grávida. Não são dores de quem está agonizando para morrer, mas de quem está prestes a dar a luz. 

O apóstolo Paulo nos amplifica esta verdade no capítulo 8 de sua epístola aos Romanos. Ele afirma que a criação atual “aguarda com ardente expectativa a manifestação dos filhos de Deus. Porquanto a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que também a própria criação há de ser liberta do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm.8:19-21). Esta passagem deixa claro que o plano de Deus não é destruir o mundo, mas renová-lo. Ele jamais fez nada para acabar (Ecl.3:14). Por isso, o mesmo autor bíblico que diz que tudo é vaidade (passageiro), afirma que "uma geração vai, outra geração vem, mas a terra permanece para sempre" (Ecl.1:4). A criação ficou sujeita à vaidade, isto é, tornou-se passageira, sujeita ao desgaste do tempo por causa da consciência danificada pelo pecado. A corrupção da consciência causou a corrupção da criação.Porém, desde o começo, Deus prometeu que restauraria o que o pecado danificou. Duvido que Ele pudesse alimentar uma esperança falsa em Sua criação. Seria até uma covardia fazê-la acreditar numa fantasia inalcançável. É o próprio Espírito Santo quem gera tal expectativa na criação. Peixes, pássaros, mamíferos, vertebrados e invertebrados, répteis, insetos e anfíbios, todos os seres vivos, mesmo as plantas, anseiam pelo momento em que a gestação terá chegado ao fim e um novo mundo emergirá. Diferentemente do mundo original que surgiu do nada, o novo mundo surgirá daquele que já existe. Todas as coisas serão restauradas. Porém, o parto deste novo mundo ocorrerá concomitantemente à manifestação dos filhos de Deus. Nesta mesma passagem, Paulo diz que “as aflições deste tempo presente não se podem comparar com a glória que em nós há de ser revelada (...) porque sabemos que toda a criação, conjuntamente, geme e está com dores de parto até agora; e não só ela, mas até nós, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, aguardando a nossa adoção, a saber, a redenção do nosso corpo” (vv.18,23).  Esta declaração nos remete àquela feita por Jesus aos Seus discípulos em que usa uma vez mais a metáfora do parto:

“A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza, porque é chegada a sua hora; mas, depois de ter dado à luz a criança, já não se lembra da aflição, pelo prazer de haver nascido um homem no mundo. Assim também vós agora, na verdade, tendes tristeza; mas outra vez vos verei, e o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria ninguém vo-la tirará.” 
João 16:21-22

A igreja, portanto, compartilha da mesma expectativa que há por parte de toda a criação. Ambas, tanto a igreja, quanto a criação estão igualmente grávidas.

A criação dará a luz a uma nova terra. A igreja dará a luz a um novo céu. Refiro-me exatamente ao que João descreve em Apocalipse 21:1: “E vi um novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe.”

A nova terra nada mais é do que esta criação inteiramente restaurada. Enquanto que o novo céu é a consciência humana inteiramente renovada. Vou trabalhar um pouco mais este conceito adiante. Mas antes, repare nisso: a terra só será restaurada quando a consciência for renovada. Esta foi a razão de Jesus ter recebido uma coroa de espinhos em Sua cabeça. Os espinhos representam o dano que o pecado causou na relação entre o homem e a criação. São a resposta da natureza à vaidade e corrupção da consciência humana. Jesus recebe sobre Sua cabeça tal castigo para que pudesse libertar nossa consciência, reconciliando-nos tanto com o Criador, quanto com o restante da criação. Paulo diz que a criação aguarda com expectativa ardente pela manifestação dos filhos de Deus.  Somente consciências renovadas estão aptas a desfrutar de uma criação restaurada. E mais: somente consciências renovadas poderiam ser agentes ativos nesta restauração.

Esta “manifestação” já é real aos olhos de Deus. Somos um constante flagrante aos Seus olhos. Porém, temos que trabalhar para que tal “epifania” (manifestação em grego) também se dê ante à consciência de todos os homens, e, por fim, perante toda a criação. Confira o que diz o apóstolo: “Assim que, sabendo o temor que se deve ao Senhor, persuadimos os homens à fé, mas somos manifestos a Deus; e espero que nas vossas consciências sejamos também manifestos” (2 Co.5:11). Quando finalmente todos forem persuadidos à fé, o homem deixará de ser o predador e destruidor da criação para retomar seu lugar original de guardião do jardim de Deus.

É em Cristo que se dá tal renovação. N’Ele se cumpre a profecia do novo céu e da nova terra. Por isso se diz que “se alguém está em Cristo, nova criação é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (2 Co.5:17). Observe o incrível paralelo entre esta passagem e Apocalipse 21:1. O que para muitos está num futuro distante, para os que estão em Cristo já é real. Isso se dá porque n’Ele há o encontro nupcial entre a terra e o céu, entre a criação e o Criador (confira Ef.1:10). Quando João diz em Apocalipse que “o mar já não existe”, com efeito está afirmando que não há mais separação entre céu e terra. Para os antigos, era o mar que fazia separação entre a terra e o céu. Cristo congregou em si todas as coisas do céu e da terra. E é desta conjunção que um novo céu e uma nova terra são concebidos.

Por que afirmo que “céu” é um eufemismo para “consciência”?

Porque é nela que Deus decidiu fixar Sua residência permanente.  Ele mesmo declara: “Porque assim diz o Alto e o Sublime, que habita na eternidade, e cujo nome é Santo: Num alto e santo lugar habito; como também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos, e para vivificar o coração dos contritos” (Is.57:15). Fiz questão de sublinhar “como também” para ressaltar que tal expressão não consta do original. Em hebraico, lemos: Shakan marowm qadowsh dakka shaphal ruwach (שָׁכַן מָרוֹם קָדוֹשׁ דַּכָּא' שָׁפָל רוּחַ), que seria melhor traduzido como “Eu habito num alto e santo lugar, com o contrito e quebrantado de espírito”.

Uma consciência restaurada é a mesma que foi quebrantada pelo Espírito, renunciando a toda presunção e orgulho. É nela que Deus depositou a eternidade (Ecl.3:11). Portanto, o Deus que habita a eternidade é o mesmo que faz morada na consciência humana.

Todavia, para que tal fosse possível, nossa consciência teria que passar por uma faxina. Foi necessário que “o sangue de Cristo”, fosse oferecido imaculado a Deus pelo Espírito Eterno, para purificar nossas consciências (Hb.9:14). Na mesma passagem, o escritor sagrado salienta que era necessário que “as próprias coisas celestiais” fossem purificadas com sacrifícios superiores (v.23). Entende-se por “coisas celestiais” as coisas pertencentes ao céu. Repare o flagrante paralelo entre a purificação da consciência e a purificação das coisas celestiais. Creio tratar-se da mesma realidade.

Uma vez tendo nossa consciência purificada e restaurada, tornamo-nos um só espírito com Ele. Isto é, nossa consciência é conectada à mente divina (ver 1 Co.6:17; 2:16). Estamos prontos a experimentar a boa, perfeita e agradável vontade de Deus (Rm.12:2); aquilo que o olho não viu, o ouvido não ouviu, nem sequer foi imaginado, mas que Deus nos revelou pelo Seu Espírito, pois o mesmo penetra até as profundezas da consciência divina (1 Co.2:10).

Com a consciência purificada e restaurada, nossa relação com a criação muda drasticamente, pois “todas as coisas são puras para os puros, mas nada é puro para os corrompidos e incrédulos. Antes a sua mente como a sua consciência estão contaminados” (Tt.1:15). Em vez de explorar a criação predatoriamente, passamos a acolhê-la como um dom, entendendo que “tudo o que Deus criou é bom, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graças” (1 Tm.4:4). Nossa relação com a criação passa a ser eucarística, pois discernimos nela a manifestação dos atributos do Criador (Rm.1:20).

Por estarmos em Cristo, no qual vivemos, nos movemos e existimos (At.17:28), tornamo-nos no ponto de convergência entre o céu e a terra, entre o espetáculo da natureza e a consciência. Somos o corpo d’Aquele que enche tudo em todos (Ef.1:23). Aprouve a Deus que n’Ele habitasse toda a plenitude, tanto de Deus, quanto a criação (Col.1:19;2:9-10), e que n’Ele tenhamos tal plenitude (Jo.1:16; Ef.3:19). Somos, por assim dizer, o avant premier da Nova Criação, ou como disse Tiago: "as primícias da criação" (Tg.1:18). Em breve, “Deus será tudo em todos” (1 Co.15:28). O cosmos se encherá de Sua glória. Toda humanidade verá a Sua salvação (Lc.3:6)! "Todos os confins da terra se lembrarão e se converterão ao Senhor" (Sl.22:27). Toda consciência será iluminada pela graça. Todo joelho se dobrará. Todo argumento se renderá à verdade. Toda língua admitirá que Ele é o Senhor de todo o Universo. Será o momento do parto. Cristo, o supremo obstetra, é quem trará à luz o que hoje está sendo gestado na consciência dos que creem. Maranata!

4 comentários:

  1. Anônimo4:42 PM

    É nisso que eu creio! Mente tranformada terra restaurada.

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  2. Anônimo6:52 PM

    Irmão Hermes, ore e ajude a divulgar nossa revista gratuita especializada em Preterismo e Pós-milenismo e em Escatologia em geral. Estamos fazendo 22 livros comentando versiculo por versiculo do Apocalipse do ponto de vista preterista parcial. Os agradecimentos têm sido muitossss... Dê uma olhadinhas em nossas literaturas gratuitas!

    http://www.revistacrista.org/literatura.htm

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  3. Caro Hermes ,
    Qual é o seu entendimento sobre o texto de Pedro Quando o mesmo descreve a destruição da matéria atualatual?
    Abraços.

    2 Pedro: 3. 10. Virá, pois, como ladrão o dia do Senhor, no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se dissolverão, e a terra, e as obras que nela há, serão descobertas. 11. Ora, uma vez que todas estas coisas hão de ser assim dissolvidas, que pessoas não deveis ser em santidade e piedade, 12. aguardando, e desejando ardentemente a vinda do dia de Deus, em que os céus, em fogo se dissolverão, e os elementos, ardendo, se fundirão? 13. Nós, porém, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e uma nova terra, nos quais habita a justiça. - Bíblia JFA Offline

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  4. Caro Edilson,

    Primeiro, temos que entender o significado da palavra “elementos”. Para os teólogos literalistas, o apóstolo está falando das partículas subatômicas que formam a matéria. Para eles, todo o universo físico vai simplesmente dissolver. O fato é que a palavra “elementos” é a tradução do vocábulo grego stoicheia , que em nenhum texto bíblico é usado em conexão com o mundo físico. É interessante ressaltar que em todo o Novo Testamento, a palavra “elementos” (stoicheia) sempre é usada em conexão com a ordem da Antiga Aliança. Por exemplo: Paulo usa este termo quando escreve aos Gálatas, defendendo a liberdade cristã oferecida pela Nova Aliança, e combatendo a ideia de que o cristão precisaria guardar a Lei a fim de ser justificado. Ali, ele escreve:

    “...Quando éramos meninos, estávamos reduzidos à servidão, debaixo dos rudimentos (stoicheia) do mundo. Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam debaixo da lei...Mas agora, conhecendo a Deus, ou antes, sendo conhecidos por Deus, como tornais outra vez a esses rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis servir? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos”. GÁLATAS 4:3-5a-9-10

    Combatendo os mesmos princípios legalistas que sorrateiramente queriam adentrar o arraial dos santos, Paulo escreve aos Colossenses:

    “Tende cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos (stoicheia) do mundo, e não segundo Cristo...Se estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo(stoicheia), por que vos sujeitais ainda a ordenanças, como se vivêsseis no mundo, como: não toques, não proves, não manuseies?” COLOSSENSES 2:8,20-21

    Estes textos já são suficientes para comprovar que a palavra stoicheia, usada por Pedro, traduzida em nossa língua por elementos ou rudimentos, não tem nada a ver com o universo físico, e sim, com o sistema da Antiga Aliança, que terminou com a queda do templo em 70 d.C. Com a queda de Jerusalém, o julgamento de Deus caiu sobre Israel. Aquele foi o fim da Era judaica. A Antiga Aliança havia ficado antiquada, obsoleta, e precisava dar lugar à Nova Aliança (Hb.8:13). O Velho Templo já não suportava mais reformas (a última havia sido feita por Herodes!). Agora, Deus havia edificado um novo templo, feito de pedras vivas, que jamais seria derrubado. Enfim, um novo céu, uma nova terra, uma nova criação.

    Para uma melhor compreensão do tema, sugiro a leitura deste artigo: http://www.hermesfernandes.com/2012/12/adeus-mundo-velho-ja-foi-tarde.html

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