quarta-feira, outubro 01, 2014

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O dom de ser invisível



Por Hermes C. Fernandes

Ontem, no programa “Agora é tarde” na Band, Rafinha Bastos perguntou à nova Miss Brasil o que ela faria se ficasse invisível por um momento. Sem querer desperdiçar a piada, o comediante se valeu do constrangimento da moça e respondeu que aproveitaria para entrar sorrateiramente em seu banheiro enquanto ela estivesse se banhando. Trata-se de uma fantasia comum a todos os meninos. Quem nunca se imaginou invisível para invadir o banheiro das meninas para assisti-las em sua intimidade?

Se para uns, a invisibilidade seria um dom, para outros, é uma maldição. Por que eu disse “é” em vez de “seria”? Afinal, ninguém inventou ainda o tal manto de invisibilidade, certo? Mas quem disse que precisamos de tal artefato para nos sentir invisíveis?

Quem nunca se sentiu assim alguma vez na vida, como um mero figurante em cenas protagonizadas por quem costuma atrair a luz dos holofotes?  Há, porém, pessoas que se sentem invisíveis o tempo inteiro. Às vezes é necessário um esbarrão para que sejam devidamente notadas. Mesmo dentro de casa passam despercebidas pela própria família. No trabalho não passam de um prontuário. Na escola é só mais um nome na lista de chamada.

O mundo não sabe o que está perdendo ao deixar escapar o privilégio de enxergar estas preciosidades. O fato de sentirem-se invisíveis fez com desenvolvessem certas habilidades que geralmente faltam nos demais. Dentre elas, a transparência. Justamente por não serem detectadas pelos radares sociais, não estão preocupadas em esconder nada. Seus sentimentos estão sempre à flor da pele. Não se importam de serem julgadas pelo simples fato de nem sequer serem notadas. Por isso, não costumam fazer média com ninguém. Os invisíveis são seres autênticos. São o que são. Dizem o que pensam, pois não temem a repercussão de suas opiniões; expressam o que sentem, pois não temem a censura de suas paixões. Em outras palavras, os invisíveis são verdadeiramente livres.

Sorte tem quem é capaz de percebê-los, desfrutando da transparência de seus sentimentos. Suas gargalhadas costumam viciar já no primeiro contato. Basta um único dia sem ouvi-las e a gente tem crise de abstinência. Quando lágrimas brotam de seus olhos, sentimos como se uma navalha nos cortasse por dentro, fatiando-nos a alma. Tudo isso, porque os invisíveis não representam papéis. Tudo neles é visceral. Tudo neles é pra valer. Nada é decorado. Daí serem deliciosamente imprevisíveis.

Raro é encontrar que não seja invisível, e ainda assim é completamente transparente. Raro, porém, não impossível. Geralmente, desenvolvem este dom no contato com os invisíveis. Deixam-se contagiar por sua autenticidade latente.

Igualmente raro é encontrar quem seja invisível, mas que não tenha desenvolvido o dom da transparência. São seres hermeticamente fechados ao mundo, que se privam das mais ricas experiências que a vida pode proporcionar. Na maioria das vezes, são pessoas que foram profundamente feridas. Para se precaverem de outras dores, fecharam-se como uma concha, escondendo aos olhos dos demais verdadeiras pérolas, fruto de suas desventuras. Não adianta forçá-las a se abrir. Há que se esperar o tempo certo até que as chagas em sua alma se cicatrizem, e assim, furtivamente se abram a novas experiências.

Corro o risco de soar piegas, mas devo salientar que só há uma maneira de enxergá-los: com as lentes do amor. Através delas, quem ‘se acha’ simplesmente desaparece, e quem se perde, finalmente é encontrado. Amor fartamente achado em amizades sinceras, em laços ternos e perenes, em gestos desprovidos de qualquer interesse que não seja o bem do seu semelhante.


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