sexta-feira, janeiro 16, 2009

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A Maldição do Medo

Por que sentimos medo? De onde provém este sentimento? Seria algo benéfico ou maléfico?
Se fosse algo bom, por que as Escrituras insistem em nos dizer "Não temas"? Esta expressão aparece ali exatamente 365 vezes.

O medo é filho da morte. Não haveria medo, se a morte não fosse uma ameaça real. Todos os medos e temores estão, de alguma maneira, relacionados à morte.

As pessoas temem morrer antes que realizem seus sonhos. Temem que suas vidas sejam ceifadas abruptamente. Temem a dor, a despedida, a velhice, a solidão, o fracasso profissional e amoroso. Temem passar pela vida, sem nunca experimentar um grande amor. Todos esses temores estão intimamente ligados ao temor maior, o temor da morte.

E o que é a morte?

Morte é separação. Morte é ruptura.

Morrer não é deixar de existir. Nossa consciência, não importa que rumo nossa alma tome, sobreviverá à morte.

Ao criar o homem, Deus o fez para viver eternamente. Mas essa vida deve ser integral, envolvendo todas as dimensões da existência. Corpo, alma e espírito constituem o ser humano. Não somos um espírito, possuidor de uma alma, e que habita em um corpo. Afirmar isso é incorrer num erro filosófico e doutrinário chamado dualismo. Somos corpo, alma e espírito.

O pecado trouxe a morte, pois provocou uma ruptura na integridade do ser. Corpo, alma e espírito deixaram de ser harmônicos, e tornaram-se antagônicos.

O pecado semeou a discórdia entre as partes integrantes do nosso ser. Por isso, já nascemos espiritualmente mortos. Nossa carne deseja o que é contrário ao espírito, e vice-versa.

E o pior, ficamos alienados da fonte da vida: Deus.

Quando deixamos este mundo, nosso espírito deixa o corpo, e este acaba por desintegrar-se, tornando-se pó.

Desde que traiu a confiança de seu Criador, o homem tem conhecido de perto o medo da morte.

Ele sabe, mesmo que intuitivamente, que na hora do grande salto, ele estará sozinho. E este é o seu maior temor. Ele teme ser separado dos seus. Se de alguma maneira ele crê na vida após a morte, resta-lhe um consolo, que ainda assim, não diminui sua ansiedade.

Pra onde vou? Será que encontrarei alguém conhecido do outro lado? Estas e outras questões o assombram, à medida que vai se aproximando o dia de sua partida.

Se ele for ateu, sua agonia é ainda maior.

Lembro de ter assistido à entrevista de um grande antropólogo brasileiro na TV, que estava com câncer em estado já avançado. Numa certa altura, ele confessou diante das câmeras que invejava os crentes, por encararem a morte de maneira mais digna. Infelizmente, ele se achava incapaz de nutrir qualquer esperança de uma vida pós-túmulo.

Alguns se resignam ante à ameaça da morte, outros, porém, ficam angustiados. O fato é que ninguém quer morrer. Por pior que seja a vida, a maioria prefere continuar vivendo.
Mesmo os crentes mais fervorosos, conhecedores das maravilhosas promessas contidas nas Escrituras acerca da Glória Eterna, preferem que o céu os espere um pouco mais. Ninguém tem pressa de ir pro céu!

Inácio de Larrañaga diz que “o medo não é o inimigo número um do homem, é o inimigo único. O mal da morte não é a morte, mas o medo da morte. O mal do fracasso não é o fracasso, mas o medo de fracassar. O mal de que não me queiram ou me ponham de lado é o medo de que isso aconteça.”

Portanto, o medo nos faz sofrer por antecipação.

Qual será o antídoto contra o medo?

Nós o encontramos nas Escrituras. Veja o que ela diz:

“No amor não há medo. Antes o perfeito amor lança fora o medo, porque o medo produz tormento.” [1]

Se a morte é capaz de desintegrar nosso ser, o amor (que é tão forte quanto a morte)[2] é o único capaz de integrá-lo novamente.

Uma vez que a morte foi vencida pelo amor, não faz sentido se deixar dominar pelo medo.

E como o amor venceu a morte?

As Escrituras respondem:

“Portanto, visto que os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesas coisas, para que pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo; e livrasse a todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à escravidão.” [3]

Toda a humanidade estava cativa pelo medo da morte. Como bem concluiu Sören Kierkegaard, precursor do existencialismo: “Não há um só homem que esteja isento de desespero, que não tenha lá no fundo uma inquietação, uma perturbação, uma desarmonia, um receio de não se sabe o quê de desconhecido ou que ele nem ousa conhecer, receio duma eventualidade exterior ou receio de si mesmo.”[4]

Diante desta triste e contundente realidade, Cristo Jesus, o Filho de Deus, teve de assumir a natureza humana em Seu próprio ser. Ele Se tornou carne e sangue como um de nós, sujeito aos mesmos temores e inquietações. Ele Se tornou 100% homem, tanto quanto é 100% Deus. E assim, foi capaz de integrar em Si mesmo aquilo que o pecado desintegrou. Em Cristo, corpo, alma e espírito se harmonizam novamente. Entretanto, não Lhe bastaria tornar-Se um de nós. Ele teria que experimentar na carne aquilo que mais atemoriza os homens. Ele teria que morrer, e assim, entrar no terreno do inimigo da vida, o diabo.

Ao invadir o império da morte, Jesus o aniquilou, isto é, reduziu-o a nada. Isso Lhe custou muito caro. Sua morte não foi uma encenação. Ele experimentou de perto o pavor da morte. Por isso Sua alma angustiou-Se tanto no Getsêmani, a ponto de pedir que o Pai Lhe afastasse tão amargo cálice.

Na Cruz houve ruptura em Seu ser. O véu se rasgou de cima a baixo. O que era inteiro, tornou-se partido. Cristo provou o abandono do próprio Pai, pois isso fazia parte do preço que precisava ser pago. Ao separar-Se do Pai, Ele desceu ao inferno, destino de todo homem sem Deus. Porém, lá não pôde ficar pelo simples fato de não lhe ter sido atribuído qualquer pecado.

Os portões do Hades foram arrancados com ferrolhos e tudo. Todos os santos que haviam morrido desde Adão, lá estavam confinados, à espera do Redentor. Cristo os libertou, e os levou consigo para o lugar dos salvos, o paraíso. A partir daí, todos os que morrem em Cristo, são imediatamente conduzidos ao dia do Senhor, onde recebem seus galardões, e são destinados à glória eterna. Não há intervalo. Não há estado intermediário. Não há mais “seio de Abraão”.

Ainda na Cruz, Cristo franqueou o acesso imediato à glória ao ladrão que morria ao Seu lado. “Hoje mesmo”, garantiu o Senhor, “estarás comigo no paraíso”.

Se tudo isso é real, por que deveríamos ser assombrados pelo medo da morte?

Embora a morte biológica ainda seja real, ela não é nada em comparação à morte espiritual. Todos teremos que nos separar desse corpo corruptível, para receber, de imediato, um corpo incorruptível. Entretanto, jamais seremos separados de Deus. Jamais experimentaremos o sentimento de abandono que Cristo teve que provar em nosso lugar.

Ao deixarmos este mundo, seremos recebidos pessoalmente pelo Senhor, que nos acolherá em Seus braços de amor.

Jesus garantiu que não veremos a morte. Ele não mentiria para nós. Ao fecharmos nossos olhos aqui, o abriremos na glória, e O veremos face a face.

Benjamin Franklin tinha razão em declarar que “a única coisa a temer é o medo”. O medo é uma escravidão. Não vale à pena viver dominado por ele. Somos amados por Deus, e Ele jamais nos abandonará. Então, lancemos fora todo medo. É Paulo quem garante com autoridade apostólica: “Pois não recebestes o espírito da escravidão para outra vez estardes em temor, mas recebestes o espírito de adoção, pelo qual clamamos: Aba, Pai!” [5]

Nosso paizinho jamais nos deixará só.

Nada é capaz de nos separar do Seu amor.

Paulo levanta a questão e a responde:

“Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? (...) Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Pois estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.” [6]

[1] 1 João 4:18a
[2] Cantares 8:6
[3] Hebreus 2:14-15
[4] Kierkegaard, Sören, O Desespero Humano, Ed. Martin Claret, p.27
[5] Romanos 8:15 – A expressão “Aba” é proveniente do aramaico, e significa literalmente “paizinho”.
[6] Romanos 8:35,37-39

Um comentário:

  1. Bispo!!

    Tenho buscado ser espiritual sem deixar de ser humano, me parece um caminho árduo, e dificil no separar da racionalidade, ser espirituale viver no Espírito, mas viver a vida e o que ela oferece, o que quero dizer é contemplar o céu sem desistir da terra, isso que tenho buscado nesses dias... confesso, é estranho uma vez que vc viveu nao a sua morte, mas a morte de alguem que vc amava, vc me entende?
    Eu achei que neste texto vc trouxe bem isso, viver a vida sem deixar de contemplar ou esperar pelo céu... a vida nos traz muitos medos, mas o céu nos livra dele... é algo antagônico, contraditório em nós...
    abço

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