segunda-feira, janeiro 05, 2009

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Carta Aberta ao Presidente Barack Obama

Parabéns. Você fez uma campanha brilhante. Mostrou determinação para montar uma equipe forte e capacitada para os próximos quatro anos. Conte com nossas orações, pois certamente precisará delas. É desnecessário dizer que você tem pela frente uma tarefa praticamente impossível. Terá de administrar duas guerras em um mundo onde o prestígio dos Estados Unidos é o mais baixo de todos os tempos. A crise ambiental demanda atenção há mais de uma década. A pobreza está aumentando e a desigualdade é crescente entre os ricos e os pobres da nação mais rica da história. Somado a esses fatores, temos o mais severo colapso econômico global desde a Grande Depressão. Sim, nós podemos -- e precisamos -- orar por você.

Não esperamos milagres. Sabemos que você não pode suprir todas as expectativas irreais que muitos alimentam.


Porém, acreditamos que você pode fazer uma mudança significativa, mesmo em meio a essa terrível situação. As recentes falhas ajudaram as pessoas a perceberem que o “status quo” não está funcionando. Use seus dons de oratória para levar a população a se comprometer com ações corajosas que visem melhorias. Até mesmo pessoas como eu, muito velhas para ingenuidades e utopias, têm expectativas altas. E pretendemos fazer você prestar contas de suas promessas.

Cerca de 36 milhões de americanos estão abaixo da linha da pobreza. Durante sua campanha, você falou da meta de cortar a pobreza pela metade em dez anos. Curiosamente, nem você nem o senador McCain disseram uma palavra sobre os pobres nos 270 minutos de debates presidenciais. Era politicamente mais seguro falar da classe média.

Por ter sido líder comunitário, você sabe como a pobreza devasta a vida de milhões de pessoas. Como cristão, você sabe que Deus julga uma sociedade pela forma como ela trata os desfavorecidos. Por isso, além de se esforçar para restaurar a economia, certifique-se de analisar cada proposta pela forma como ela afeta os pobres. Por favor, desde o início, inclua programas efetivos que empoderem os mais pobres. E mostre como pretende reduzir a pobreza pela metade em dez anos.

É inaceitável que a nação mais rica em toda a história tenha 47 milhões de pessoas sem garantia de acesso adequado à saúde. Não podemos esperar mais quatro anos para corrigir isso, e seria imoral resolver os problemas da Wall Street sem antes resolver as questões da saúde.

Não podemos mais adiar as mudanças necessárias para reduzir o consumo de energia dos americanos. Relacionar os gastos necessários ao combate do aquecimento global e à redução de nossa dependência de combustível estrangeiro com a meta de reestruturar a economia ajudará a justificar os gastos imediatos.

Você tem uma oportunidade histórica de reestruturar as relações internacionais. No mundo todo, o respeito e a confiança nos Estados Unidos estão prejudicados. Uma política externa imperialista e unilateral não funcionará. Felizmente, em quase todos os lugares, sua eleição gerou esperança de que as coisas mudem. Fortaleça esse sentimento dando fim à tortura nas áreas onde os Estados Unidos atuam.

Outros interesses tentarão fazer com que você sustente medidas que preservem a dominação militar e os interesses econômicos dos Estados Unidos. Muitos cristãos se unem a mim nesse pedido para que você assuma uma política externa genuinamente multilateral, que gere consenso com parceiros democráticos, ofereça respeito e cooperação para com os poderes emergentes e estabeleça um diálogo com os inimigos que oferecem perigo. Lidere o mundo na construção de um processo multilateral que promova democracia e justiça. As estruturas econômicas globais devem ser reestruturadas tanto para incorporar a realidade das economias emergentes, como China, Índia e Brasil, quanto para dar mais voz às nações mais pobres. Os padrões do comércio internacional devem ser direcionados para beneficiar não as nações mais ricas, mas as mais pobres.

Por favor, não espere até seu último ano no poder para tentar resolver o conflito entre Israel e Palestina. Mostre que você pretende usar a influência americana para apoiar os dois lados em uma negociação que gere paz, segurança e justiça tanto para os israelenses quanto para os palestinos.

Senhor presidente, você tem uma oportunidade histórica de estabelecer uma nova ordem global política e econômica, mais justa, livre, democrática e cooperativa.

Finalmente, os complexos temas do aborto e das organizações confessionais. Você tem uma escolha fundamental a fazer. Entre os democratas, um segmento radical exige mudanças. Mesmo sendo minoria no partido, eles têm voz e são organizados. Exigirão que você corte direitos das organizações confessionais que recebem financiamento do governo. Insistirão para que você assine um “Ato da Liberdade de Escolha”, que tiraria a liberdade dos médicos e hospitais que se opõem ao aborto de agir de acordo com sua consciência. Talvez você até consiga votos suficientes para aprovar tais medidas partidárias.

Porém, o resultado seria desastroso. Muitos católicos e evangélicos (muitos dos quais votaram em você) se sentiriam traídos.

Seus planos de romper limites partidários e construir um grupo mais forte, bem como suas esperanças de estabelecer uma coalizão bipartidária que permita que você faça mudanças significativas em áreas como saúde e política de energia, estariam ameaçados.

Há uma opção melhor. Observe as iniciativas das organizações confessionais durante seis meses, antes de fazer alguma mudança. Inclua aquelas que trabalham entre os pobres. Elas lhe dirão que medidas restritivas à sua liberdade de fazer contratações com base em sua confessionalidade ameaçariam seus programas de empoderamento de pessoas excluídas. Então, corrija os erros da administração anterior, aumente o financiamento e proteja a identidade das organizações confessionais que estão obtendo sucesso em circunstâncias em que praticamente nada mais funciona.

Sobre o aborto, por que não ser genuinamente pró-escolha? Isso significaria manter políticas que permitam aos médicos e hospitais seguir sua consciência e escolher se querem fazer abortos. Significaria não incluir financiamento para abortos em suas políticas de saúde. Em vez de “forçar” milhões de americanos a violar sua consciência com uma política supostamente ‘pró-escolha’, que na verdade nega o direito a milhões, forme um grupo de pessoas influentes (tanto ‘pró-escolha’ quanto ‘pró-vida’) que concordem com algumas ações concretas que reduzam o número de abortos. Sei que você não mudará sua opinião sobre a legalidade do aborto. No entanto, não poderíamos trabalhar juntos para descobrir uma maneira de torná-lo menos freqüente?

Forme uma coalizão neutra, focada na sacralidade da vida humana, e as organizações confessionais fortalecerão sua capacidade de promover grandes mudanças no sistema de saúde, políticas de energia e relações exteriores.

Uma última sugestão. Reúna um grupo de líderes religiosos de confiança para um diálogo confidencial e oração. Convide-os a serem honestos com você. Deixe que eles o ajudem a carregar seus fardos.

Este é meu conselho, senhor presidente. Sei que dar conselhos é muito fácil para mim, um tipo de “líder comunitário sem responsabilidades”. Mas prometo orar por você regularmente.

Publicado na revista “Prism” (edição de janeiro/fevereiro de 2009). Esta versão foi adaptada pelo autor exclusivamente para Ultimato.


Ronald Sider é editor da revista “Prism” e presidente da organização Evangélicos pela Ação Social. É autor de, entre outros, O Escândalo do Comportamento Evangélico e “Cristãos Ricos em Tempo de Fome”.

[Via "Ultimato"]

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