sexta-feira, novembro 07, 2008

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Filhos deste solo no colo de outras mães não tão gentis

Depois de ler esse post ("O negão ganhô!") e o da volta da Isabel Cristina, eu não poderia deixar de contar a experiência que passei recentemente e que tem tudo haver com o contexto.

Alguns dias antes da vitória de Obama, eu pude sentir na minha própria carne o preconceito contra os negros e latinos na Europa. Foi minha primeira viagem ao continente europeu. Estava feliz da vida pela oportunidade que Deus me deu de poder viajar para fora do País. Meu destino era a Holanda, mas teria uma conexão na França.

No avião havia somente 4 negros, eu, minha amiga e mais um casal de atletas e 2 peruanas. Justamente foram as 6 pessoas abordadas pela polícia de imigração francesa. Os atletas foram logo dispensados e nós fomos prestar explicações no posto policial. As peruanas portavam passaporte falso e eu e minha amiga estávamos com toda documentação em mãos, mas faltava uma carta de quem iria nos hospedar.

Algumas pessoas da minha família foram para a Holanda pela TAP com conexão em Portugal e tal carta nunca foi exigida, mas na França o controle é excessivamente abusivo, e então, após passarmos muita humilhação e revistas, além de não me responderem perguntas em inglês, ficamos quase 4 horas sem poder ir ao banheiro e sem alimentação. Revistaram nossas bolsas, tiraram tudo o que era de valor, remédios, celular, bateria, computador, cartões de crétido e dinheiro e colocaram tudo em um saco transparente lacrado. Parecia que estava sendo presa, pois até tirarmos foto como criminosas.

Após 6 horas de espera sem saber porque estávamos passando por tudo aquilo, troxeram uma intérprete para que nos explicasse o que aconteceria conosco. A notícia foi de que seríamos deportadas para o Brasil e que em dois anos não poderíamos colocar mais os pés em nenhum território europeu. Fiquei indignada! Não aceitei aquela decisão e argumentei que tinha trabalho fixo no Brasil, era funcionária pública do governo federal, casada, tinha deixado marido e filho no Brasil e apenas estaria visitando minha família por 15 dias e que não queria ficar na França e em nenhum país na Europa e também todo o meu investimento não poderia ser jogado no lixo por nada. Meus documentos eram legais, tinha dinheiro para me manter, seguro obrigatório, passaporte ok e eles não tinham motivo para não me aceitar no terrítório.

Depois de me ouvirem e conversarem entre eles, me disseram que eu poderia ser aceita no território europeu se eu entrasse em contato com a minha família na Holanda e eles mandassem a tal carta se responsabilizando pela minha estadia no país. Me informaram que eu iria aguardar num "hotel" a decisão da polícia. O tal "hotel" era a zona de espera, Zapi 3 ao lado do aeroporto Charles de Gaulle, onde refugiados de guerra permenacem à espera de asilo político até serem julgados pela côrte. Ali havia umas 150 pessoas, oriundas do Congo, Sirilanka e outros orientais. Havia também um posto da cruz vermelha que nada mais era que um ponto de venda de cigarro e cartões telefônicos. Antes de entrar, todos os meus pertences foram revistados pela segunda vez e mais alguma coisa apreendida.

A humilhação é muito grande. Retiraram tudo que eles achavam que poderia ser perigoso e, na cabeça deles, poderia se transformar numa arma e até meus remédios. Me deram uma toalha e escova e uma pasta de dentes. Naquele momento me senti uma verdadeira prisioneira. O Zapi 3 é como uma prisão, você não pode sair de lá. Para entrar, passamos por várias portas codificadas por senhas. Me deram um quarto onde havia 2 camas e uma pia e ali coloquei as poucas coisas que tinham sobrado e logo fui entrar em contato com o Consulado Brasileiro, com minha família e trabalho. Os documentos que comprovavam meu vínculo empregatício, residência e etc foram enviados para o consulado que encaminhou junto uma carta do Embaixador para a polícia.

Minha família na Holanda enviou a carta, tudo no mesmo dia e mesmo assim eu fiquei presa naquele lugar e dormi duas noites aguardando a decisão da polícia. Constantemente eu estava em contato com o consulado pelo telefone público que lá havia, as pessoas se ajudavam quando alguém ligava e iam até os quartos chamar para atender a ligação. Eu já não aguentava mais ficar ali e resolvi que não queria mais seguir viagem e queria voltar para o Brasil. Segundo Celso Libânio, do consulado, a polícia nem atendia mais seus telefonemas e quando atendia não dava nenhuma informação. Ele me disse que eram sobreanos na decisão e que ninguém podia fazer mais nada , só aguardar.

O desepero tomou conta de mim, depois de ouvir isso, parecia que nunca mais iria sair dali, ou então nem sei o que poderia me acontecer. As pessoas naquele lugar são humilhadas a todo tempo, principalmente na hora das refeições. Foram dias de lágrimas e oração à Deus. Por todo o canto, até no banheiro havia altos falantes no qual se diziam os nomes das pessoas que seguiriam para o julgamento. Minuto a minuto eu aguardava ouvir o meu nome, até que após quase 50 horas depois, eu ouvi meu nome e corri para aguardar o policial que me direcionaria até a sala da "entrevista" para ser dada a sentença.

Após o interrogatório eu ouvi da oficial que a polícia de imigração estava somente cumprindo seu papel e que eles estariam fazendo o controle da imigração de prostitutas da Amércia do Sul para a Europa. E que eu precisava estar feliz por ter sido aceita e iria seguir viagem. Todos retornam para seu país de origem. Foi triste ouvir aquilo e infelizmente eu nem consegui responder porque o bolo que estava na minha garganta era tão grande que minha voz não saía. Mas acredito que meu olhar deve ter expressado toda a minha indignação por aquele país.

Felizmente eu segui viagem e foi ótima! Mas nunca vou esquecer a recepção dos franceses e um dia se Deus quiser ainda pretendo voltar lá, mas com certeza de uma forma muito diferente. É plano de Deus!

Espero que essa história seja lida por muitos brasileiros para que isso não aconteça mais com nenhum brasileiro que esteja viajando legalmente para outro país.

Abraços, Ana Paula Mendonça.

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