sexta-feira, maio 29, 2020

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A PARÁBOLA DO ÔNIBUS DESGOVERNADO



Por Hermes C. Fernandes

Eu estava em um ônibus descendo a serra Grajaú-Jacarepagua no RJ. Sempre que tomava uma reta, o motorista  pisava bruscamente no freio  testando a paciência dos passageiros. Às vezes, um ou outro passageiro batia com a cabeça no banco da frente durante uma das freadas. Os que estavam em pé eram arremessados para frente. Um senhor de idade chegou a cair.

De tanto ouvir os murmúrios dos passageiros, ele resolveu acelerar justamente nas curvas acentuadas, provocando derrapagens, colocando em risco a vida dos passageiros. Parecia um trem descarrilado. Além disso, ele nem sequer parava para pegar novos passageiros que sinalizavam dos pontos de ônibus ao longo da serra. Nem mesmo para uma gestante, demonstrando consideração alguma com quem dependia do transporte.

Comentei com um passageiro sentado ao meu lado que alguém precisaria parar aquele motorista, antes que ele provocasse uma colisão ou arremetesse o veículo no abismo. Mas o passageiro se pôs a defendê-lo, dizendo que deveríamos confiar na habilidade do motorista. Uma passageira tomou coragem, levantou-se do seu assento e dirigiu-se ao condutor pedindo que ele maneirasse nas curvas. Mas ele começou a insulta-la com palavrões, ameaçando-a de expulsa-la do coletivo.

Comentei, então, com o passageiro ao meu lado, que aquilo não era jeito de se falar com um passageiro. Alguém teria que detê-lo. Foi então que esse passageiro começou a comparar aquele motorista com o que dirigia o mesmo ônibus no dia anterior. De maneira áspera, ele esbravejou: “Deixe de ser hipocrita! Onde você estava ontem, quando levamos um baita susto no ônibus conduzido por um motorista inexperiente?”, indagou-me. “Este, ao menos, entende a nossa pressa. Sabe que não dá pra ficar de lenga-lenga. O de ontem parava pra todo mundo. Deixou embarcar até uma gente estranha. Ficamos todos com medo de sermos assaltados.” Pelo que respondi: “Eu estava no mesmo coletivo,  fazendo críticas bem semelhantes. A diferença é que você não estava sentado ao meu lado para me ouvir. Além do mais, mesmo que fosse considerado inexperiente, ele conseguiu concluir a viagem. Não sei se o motorista de hoje conseguirá a mesma proeza. Sobrevivemos ao de ontem. Resta saber se sobreviveremos ao de hoje. De que adianta criticar o motorista de ontem se não é mais ele quem está ao volante? Portanto, não sou hipócrita por me manifestar, mas coerente com que tenho vivido até aqui.”

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