terça-feira, maio 26, 2020

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A MESMA PRAÇA... A MESMA GRAÇA, O MESMO AMOR



Por Hermes C. Fernandes

Na semana passada, assisti à reprise de uma entrevista feita por Danilo Gentili a Carlos Alberto da Nóbrega por ocasião do aniversário do programa humorístico A Praça é Nossa. Enquanto alguns quadros clássicos eram exibidos, dei-me conta de que o programa estreou no SBT no mesmo mês e ano em que iniciei meu ministério pastoral. E lá se vão 33 anos!

Pelo famoso banquinho da Praça já se passaram centenas de personagens, muitos dos quais já não se encontram entre nós, deixando-nos saudade. Quem não se lembra da Velha Surda? Dona Bizantina Escatamáquia Pinto importunava Apolônio, seu interlocutor, entendendo errado tudo quanto ele dizia, enquanto Carlos Alberto prosseguia distraído, lendo seu jornal. Certamente, um dos quadros que mais me provocavam gargalhadas. De maneira ironicamente análoga, ao longo de todos estes anos de ministério, tenho me deparado com muita gente semelhante à Dona Bizantina, que, a julgar pelo comportamento que adotam, parecem entender exatamente o contrário daquilo que insistentemente tenho pregado. Não importa o tempo decorrido, elas não mudam. Pergunto-me: Será que não ouvem ou será que não querem ouvir? Será que não entendem ou fingem não entender? Apesar disso, prossigo em minha missão apolônica. “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espirito diz às igrejas...”

Outro personagem encarnado pelo mesmo ator (Rony Rios) era o Seu Explicadinho. Diferente da Velha Surda, Seu Explicadinho ouvia bem até demais, mas nunca se dava por satisfeito, pois percebia a ambiguidade das coisas que lhe eram ditas. E para que não restasse qualquer dúvida quanto ao seu sentido, ele sempre vinha com uma pergunta, tirando do sério o seu interlocutor. Quando já estava prestes a receber uma surra, ele se explicava, soltando seu famoso bordão: “Eu gosto das coisas bem explicadinhas nos mííííííííínimos detalhes.” Confesso que prefiro liderar um povo que me importune de perguntas, ainda que eventualmente me coloque numa saia justa ou me tire do sério, a liderar um povo que se satisfaça com tão pouco ou que entenda errado tudo o que digo. Definitivamente, perguntar não ofende. Pelo menos, não a mim. Se sei digo que sei, se não sei... Mas este bordão pertence a outro programa...rs

De todos os personagens clássicos da Praça, ninguém roubava a cena como o Pacífico, interpretado pelo inesquecível Ronald Golias, sempre apresentando desculpas esfarrapadas para as suas confusões. Bem semelhante a quem se preocupa em justificar seus erros em vez de simplesmente admiti-los fiado na misericórdia divina. Nada pacifica mais o coração do que isso.

Louvo a Deus pelo povo que Ele me confiou. Gente que não se satisfaz com menos do que o evangelho genuíno, nem se incomoda de ser confrontada em amor. E é assim que todos somos transformados no melhor que podemos ser, sem pressão, sem ameaças, sem subterfúgios. Amando e sentindo-nos amados.

Ao longo desses 33 anos, muita gente passou pelos bancos das igrejas que pastoreei.  Alguns, vieram e ficaram. Outros, tiveram passagem meteórica. Uns deixaram saudade. Outros, nem tanto.

Se tenho saudade do início? Saudade, sim. Saudosismo, não. Às vezes sinto saudade de algumas certezas. Porém, entendo que se fossem mantidas, essas mesmas certezas me privariam de muitas surpresas.

Acumulei experiências. Sorri. Sofri. Gastei-me e deixei-me gastar. Ganhei. Perdi. Ajudei. Fui ajudado. Decepcionei. Fui decepcionado. Machuquei. Fui machucado. Perdoei. Fui perdoado. Perdi noites de sono. Realizei sonhos. Vivi pesadelos. Por vezes, aplaudido. Noutras, ignorado. Levei pessoas a embarcarem em meus sonhos, acreditando que também seriam os seus. Naufragamos juntos. Quando achei que seria motivo de orgulho, fui consumido por olhares de decepção. Fui privado do que tanto almejei presenciar.  Mas espero ainda não ter vivido tudo o que tenho para viver.

Não busco aplausos, tampouco me incomodo com vaias. Só quero manter-me fiel à minha consciência e ao meu chamado, sem jamais prescindir da autenticidade. Por isso, repudio comparações.

“A mesma praça/ o mesmo banco/ as mesmas flores/ no mesmo jardim”, diz o refrão da música de abertura do antológico programa. Pensando na longevidade do meu ministério, eu parafrasearia: “A mesma graça/ o mesmo encanto/  os mesmos valores/ o mesmo sim.”

Sim, o “sim” que disse lá trás ao aceitar o desafio de pastorear segue de pé. Aquele foi um “sim” que me custou muitos “nãos”.  Mas posso garantir que valeu a pena. Se pudesse voltar lá trás, não teria dito outra coisa.

No banco da minha praça  cabe todo mundo. Cabe até gente saudosista como o personagem Lilico, que chegava tocando um tambor e cantando: “Tempo bom não volta mais. Saudades de outros tempos iguais.”

A única coisa que não cabe em meu banco é a ingratidão. Muitos vêm e vão, mas ninguém vem em vão. Se não foram propriamente bênção, foram, no mínimo, lição. Como bem disse Antoine de Saint-Exupéry, autor de O Pequeno Príncipe: “ Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.”

A você que me acompanha de longe, querendo estar perto. E a você que caminha comigo, mas preferiria trilhar seus próprios caminhos.  Obrigado pela companhia. Obrigado por ocupar um lugar no banco da minha história.

*   Sobre o púlpito de nossa igreja sede não há cadeiras reservadas às autoridades eclesiásticas, mas há um banco de praça que ganhei de presente dos irmãos reinistas de Guapimirim, pastoreados pelo meu amigo Bispo José Luiz.

* Na Nova Jerusalém descrita por João em Apocalipse não há templos, mas há uma praça, lugar de encontro entre os que foram alcançados pela graça do amor. Lá podemos bradar: A Graça é Nossa!

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