segunda-feira, abril 27, 2020

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E SE DEUS LHE DESSE UM FILHO GAY?



Por Hermes C. Fernandes

Filho da pastora e cantora Eyshila, Lucas Santos surpreendeu ao surgir na internet montado como drag queen em um vídeo em que interpreta a canção "Love", da cantora Lana Del Rey.

Ao responder a um de seus seguidores nos stories do Instagram, ele disse:

"Se ela pudesse escolher, teria um filho gay? Não. Se eu pudesse escolher, teria uma mãe pastora evangélica? Não. Mas aconteceu. E acaso não foi. Seguimos nos amando e nos respeitando, em prol de uma vida pacífica e saudável.”

Não me vejo em condição de julgar os pais de um homossexual por sua reação abrupta ante a sua orientação sexual. O que os parentes vão dizer? Será que vão culpar a educação que deram? E a igreja? Quais serão os comentários de seus membros? Será que dirão que seu filho tão querido está endemoninhado? Não dá para mensurar o sentimento de culpa, a angústia, as dúvidas que pairam sobre a cabeça dos pais ao descobrirem que têm um filho ou uma filha homossexual. O fato é que, por mais que afirmemos não termos qualquer preconceito, raramente alguém vai querer ter um filho gay. Uns por puro preconceito mesmo, mas outros, por achar que não suportariam ver seu filho sendo discriminado e sofrendo todo tipo de bullying por causa de sua orientação sexual. Penso que justamente por esta razão, até mesmo casais homossexuais prefeririam que seus filhos fossem héteros, já que isso os pouparia de tanto sofrimento.

E se Deus lhe desse um filho gay? Qual seria a sua reação? Você o aceitaria? Tentaria mudá-lo? E se ele fosse vítima de bullying, você o defenderia? Talvez alguém diga: “Isso jamais aconteceria! Por que Deus me daria um filho assim? O que eu teria feito para merecer isso?” Primeiro, ter um filho gay não seria um castigo. Mas pode ser que Deus queira tratar com seus preconceitos. Como também pode ser que Ele intente fazer de sua família uma referência para que outros pais aprendam a lidar com esta questão com serenidade e amor. Há casos de pais que expulsaram o filho de casa, deixando-o numa situação tal que não lhe restou alternativa senão prostituir-se. O apoio que não recebeu em casa é encontrado entre outros homossexuais, vítimas do mesmo desamor. Alguns chegam a dizer que preferiam ter um filho bandido a um filho gay. Imagine crescer ouvindo isso o tempo todo. Por isso, muitos preferem sofrer calados, sem jamais confidenciar seus conflitos com os seus pais e irmãos.

A igreja, por sua vez, parece não estar preparada para lidar com isso. Em vez de trazer um discurso conciliador, a igreja provoca um abismo quase intransponível entre o homossexual e seus pais. A igreja parece estar tão preparada para lidar com filhos homossexuais quanto os discípulos estavam preparados para atender àquele pai desesperado cujo filho possesso se lançava, ora no fogo, ora na água. Não estou aqui fazendo qualquer comparação entre homossexualidade e possessão, mas comparando o despreparo dos discípulos com o despreparo da igreja atual para lidar com a questão. Jesus havia acabado de descer do monte com três dos seus discípulos mais chegados, onde ouvira dos lábios do Pai: “Este é meu Filho amado, em quem tenho prazer, a Ele ouvi!”[1] Agora se deparava com um pai aflito e desesperado pela condição de seu filho. Que contraste! O que fez o Filho de Deus? Atendeu ao clamor do pai, fazendo o que seus discípulos falharam em fazer. Igualmente, devemos descer de nosso pedestal moral e sair ao encontro daqueles cujas vidas estejam aquém do padrão que muitos consideram ser o correto. E em vez de sair por aí exorcizando o "demônio" da homossexualidade, deveríamos colocar nosso ego para jejuar. O jejum sem o qual certas castas de demônios se recusam a sair não é a abstinência de comida, mas o abdicar-se da presunção, do preconceito, da arrogância religiosa. Gente que arrota santidade prefere construir seus tabernáculos no alto do monte e manter-se separada da gentalha lá embaixo, como sugeriu Pedro no alto daquele monte ao presenciar a transfiguração de Jesus. Com o nosso ego inflado, jamais daremos conta de exorcizar nossos próprios demônios, quanto mais os que assombram os outros. O fato de sermos declarados "amados por Deus" não nos confere o direito de olhar com desdém para os que sofrem, não apenas por sua condição, mas, sobretudo, pela maneira como a sociedade e a família os tratam devido a esta condição.

O que o homossexual necessita não é de sessão de exorcismo, terapias para voltar para o armário, sermões moralistas inflamados, mas de amor. Apenas isso: amor. A igreja e a família devem oferecer um ambiente acolhedor, desprovido de julgamentos e preconceitos. Com que moral podemos anunciar ao mundo que temos o remédio para suas moléstias, se nem sequer fomos curados de nossa homofobia? Queremos tratar o mundo, enquanto Deus pode estar querendo tratar conosco. O único remédio capaz de tratar tanto o homossexual (devido as feridas que lhe fizemos), quanto o homofóbico, é o amor revelado na graça de Deus. Amor que tudo sofre, tudo suporta e tudo crê. Amor que jamais se acaba. Amor que cobre multidão de pecados [2] tanto dos pais, quanto dos filhos. Tanto de héteros, quanto de homossexuais, quer sejam assumidos ou enrustidos.

De acordo com a psicanalista e professora da USP Edith Modesto, autora do livro “Mãe sempre sabe? Mitos e Verdades Sobre Pais e seus Filhos Homossexuais”[3], houve uma mudança social muito grande nas últimas décadas que resultou em um tímido, porém vitorioso avanço no que diz respeito à tolerância, sobretudo, nos grandes centros urbanos. Avanços singelos, porém cheios de significado. Em 1992, Edith descobriu que seu filho caçula era gay. Por não saber como lidar com a situação, resolveu recorrer à ajuda de outras mães que houvessem enfrentado o mesmo, mas sua busca foi em vão. Anos depois, decidiu criar o Grupo de Pais de Homossexuais (GPH) com a intenção de oferecer ajuda a outros pais que também não souberam o que fazer ao tomarem conhecimento da orientação sexual de seus filhos. Em seu livro, Edith explica que apesar das mudanças ocorridas nas últimas gerações, uma coisa que não mudou foi a reação dos pais ao descobrirem que os filhos são gays. Mesmo os pais considerados mais descolados, abertos e modernos, a reação inicial não difere muito.

Baseado no trabalho da psicanalista, o site Donna elencou 10 frases que pais e mães costumam dizer aos filhos quando descobrem que são gays. Ei-las abaixo com algumas adaptações:

1. “É só uma fase! Vai passar!” - Segundo a psicanalista, os pais sempre passam por uma fase de negação no processo de aceitação. Compreensível, afinal, não deve ser fácil descobrir que o filho não vai ter aquela vida que os pais imaginavam. No entanto, quando um jovem resolve abrir o jogo é porque já está convicto ou, no máximo, confuso com relação à sua sexualidade. Dizer que é uma fase não ajuda os filhos, nem é bom para os próprios pais. Porque se for, pode ser uma fase para a vida toda. Negar não vai ajudar.

2. “Não te criei para isso!” - Nenhum pai ou mãe cria um filho para ser gay. A psicanalista conta que a primeira fase pela qual os genitores passam é a do desespero, e aí vem todo tipo de reação. Por mais que a família desconfie da orientação sexual dos filhos, a tendência que é neguem consciente ou inconscientemente até que venha a confirmação.

3. “O que os outros vão pensar?” - Há sempre aqueles pais que estão preocupados com o que vizinho vai pensar ou o que o colega de trabalho pode dizer. Mas isso é realmente mais importante do que bem-estar do filho? Edith explica que a vergonha é a primeira reação a aparecer e a última a ir embora durante o processo de aceitação. As mães geralmente entram no armário depois que o filho se assume – ou “sai dele”– e acabam se isolando.

4. “Seu pai vai morrer do coração quando souber disso.” - Não acredito que um pai morra ao saber que o filho é gay. Se a reação for dramática, nada que uma água com açúcar ou um calmante não ajude. Assustar o filho também não vai resolver. Essa frase geralmente vem acompanhada de “o que eu vou dizer para a família?”

5. “Isso é culpa daqueles seus amigos!” - Em 1990, a Organização Mundial da Saúde excluiu a homossexualidade da lista de distúrbios mentais. Apesar de tardia, a medida surtiu algum efeito, afinal, com isso pode-se afirmar que ser gay não é ser ou estar doente. E, mesmo que fosse, não seria contagioso. Ninguém é gay por influência dos amigos. Segundo a psicanalista, os pais precisam confiar na educação que deram aos filhos. Nenhum pai busca criar um filho influenciável a ponto de pôr a própria sexualidade em questão por causa dos amigos.

6. “Mas você já tentou com uma menina?” - Até dá para entender a dúvida, mas a verdade é que cada indivíduo tem suas próprias experiências. Enquanto alguns passam por relacionamentos diversos antes de entender a própria orientação, outros não precisam sequer experimentar para ter uma confirmação. Edith conta que certa vez foi abordada por um pai que disse que não era possível o filho ser gay se nunca havia dormido com uma mulher. A psicanalista então perguntou ao pai como era possível ele ter certeza de que era heterossexual, se nunca havia dormido com um homem? O pai silenciou.

7. “Devia ter dado um skate e não patins.” - Ou então “devia ter te levado para escolinha de futebol!”. Os pais costumam se culpar pelas escolhas dos filhos, principalmente as mães, que se sentem pressionadas para criar a prole da maneira mais adequada possível. Logo, quando os filhos parecem fazer algo errado, elas se culpam. “Foi alguma coisa que eu fiz?” é uma das perguntas recorrentes.

8. “Eu não tenho preconceito, mas tenho medo do que você vai passar.” -  Há uma fase na aceitação dos pais que é a da vergonha, que às vezes vem junto do medo. Para Edith, as mães acabam deslocando o próprio preconceito para os outros. “E se meu filho apanhar na rua?”, pensam elas. A partir daí, o filho não pode ir a lugar nenhum. Mas, para a psicanalista, esconder o filho não é proteger.

9. “Você tem certeza?”-  A adolescência é um período efervescente, repleto de pequenas grandes descobertas. É nesta fase em que geralmente se conhece o primeiro amor, que damos o primeiro beijo, que vamos a nossa primeira festa. É também nessa fase que surgem as dúvidas naturais peculiares ao período. Para alguns, as dúvidas vão um pouco além: “será que eu sou gay?”. É natural que os pais questionem a certeza dos filhos sobre a orientação sexual, assim como os próprios filhos o fizeram. Para Edith, os filhos, muitas vezes, acabam exigindo que os pais aceitem em 15 dias o que eles próprios levaram anos para aceitar. É preciso paciência de ambos os lados.

10. “Vou ama-lo e apoia-lo incondicionalmente, independente da sua orientação sexual.” - Esta foi a reação daquele pastor que me contou sobre seu dilema com o filho homossexual. Em vez de rechaça-lo, ele o acolheu sem se importar com o olhar discriminatório dos membros de sua própria congregação. Lembro-me de ter ouvido dele que preferia perder a igreja a perder o filho. “Se a igreja me desse um pontapé, Deus poderia levantar outra para me apoiar. Mas se eu perdesse o meu filho, jamais me perdoaria.”

Como podemos ver, nem toda reação é negativa. Existem pais que imersos em seu próprio preconceito e sofrimento, acabam se esquecendo do sofrimento dos filhos, assim como filhos que acabam ignorando o sofrimento dos pais. Aceitar é um processo que pode ser lento e difícil tanto para os filhos, como para os pais. Muito mais que simplesmente aceitar, que, diga-se de passagem, é uma opção individual de cada um, o essencial é respeitar, que, afinal, é dever de todos nós. Se você tem um filho homossexual, ame-o, ainda que não o compreenda num primeiro momento. Não desista dele. Se você é um homossexual, considere-se amado. Se não por sua família, por Aquele que lhe criou. Sua vida é um presente de Deus ao mundo.

Que as palavras do salmista sejam um consolo para o seu coração:

 “Se meu pai e minha mãe me abandonarem, o Senhor me acolherá.” Salmos 27:10

[1] Mateus 17:5
[2] 1 Pedro 4:8
[3] MODESTO, Edith, Mitos e Verdades Sobre Pais e Seus Filhos Homossexuais, São Paulo: Editora Record, 2008.

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