sexta-feira, março 01, 2019

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AOS CRISTÃOS QUE BRINCAM E AOS QUE ABOMINAM CARNAVAL



Por Hermes C. Fernandes

CARNAVAL. Quando eu era criança, era inadmissível que um cristão sequer pensasse brincar carnaval. Aquela era a festa pagã por excelência. Por isso, se quisesse saber se alguém estava ou não firme na igreja ou desviado (como se costumava dizer), bastava verificar se ele pularia carnaval naquele ano.  Lembro-me de alguns que  se ‘desviavam’ pouco antes do Carnaval, e se reconciliavam com a igreja pouco depois.

Hoje as coisas são diferentes. Já há até blocos carnavalescos gospel. Portanto, ninguém precisa se desviar para brincar. E ainda por cima, se sai bem com a sua consciência, alegando tratar-se apenas de uma estratégia evangelística. A gente "ganha almas" e ainda se diverte. Quer coisa melhor?

Creio haver  posturas bem diferentes concernentes à relação do cristão com o Carnaval.

A primeira é a clássica. Cristão não pula Carnaval e ponto. Não se fala mais nisso. Para muitos que adotam tal postura, o Carnaval não é apenas a festa da carne, mas também dos demônios. Por isso, preferem se abster completamente. Não assistem aos desfiles das escolas de samba nem pela TV. Mantêm as janelas da casa fechadas para não verem os blocos passarem. Muitos aproveitam para viajar com a família, se possível, para lugares onde não haja nem cheiro de Carnaval. Outros, vão para os retiros promovidos pelas igrejas. Respeito profundamente quem adote esta postura, mesmo porque, esta foi a minha postura durante maior parte da minha vida. Nasci e cresci em berço evangélico. Nunca pulei Carnaval. Mas durante a adolescência, não pude evitar dar uma espiadinha no que acontecia na avenida e nos bailes televisionados pelas madrugadas em busca do que pudesse saciar minha curiosidade juvenil.

O problema da proibição é que ela atiça. A psicologia está aí para comprovar isso:  tudo o que é proibido é mais gostoso. Portanto, proibir não vai adiantar nada. Pelo contrário, só vai tornar o Carnaval ainda mais tentador para o cristão, levando-o a cobiçar o que há de pior na festa da carne.

Além do mais, a abstinência carnavalesca gera certo orgulho no coração de muitos cristãos.  Algo do tipo que vemos esboçado na oração do fariseu na parábola de Jesus. Ainda que não haja as mesmas palavras, o sentimento é o mesmo.  Veja como ficaria essa oração atualizada:

 “Senhor, graças te dou porque não sou como esses foliões que desperdiçam quatro dias de suas vidas se divertindo na festa da carne. Graças te dou porque não sou um despudorado como aqueles que pulam carnaval seminus, que se entregam aos prazeres libidinosos... São mesmo uns tolos... Mas bem-feito pra eles! A alegria deles só dura até a quarta-feira de cinzas, enquanto a minha durará para sempre. Tomara que peguem uma doença! Tomara que chova no dia do desfile. Tomara que o carro alegórico enguice em plena avenida. Enquanto eu fico aqui no meu canto me deleitando em minha justiça própria e me orgulhando de minha santidade.”

Se você não gosta de Carnaval, ou se o reprova considerando-o um acinte à fé cristã, simplesmente não brinque. Mas não se sinta melhor do que os que brincam. Nem desdenhe de sua alegria, ainda que passageira. Sem querer espiritualizar demais, ore por eles, para que Deus os guarde enquanto brincam.  Se quiser abster-se, faça-o por amor a Cristo, se entende que isso, de alguma maneira, irá agradá-lo. Mas jamais faça para sentir-se melhor do que ninguém.

Do outro lado do espectro, encontramos os que aderem à celebração carnavalesca por acharem ser compatível com a sua fé e vivência cristã. Creem que é possível brincar, sem entregar-se aos prazeres carnais. Vestem sua fantasia, seguem blocos animados, levam seus filhos a bailinhos, mas procuram manter uma postura que não firam os princípios e valores do evangelho.

Há que se tomar redobrados cuidados porque ambas as posturas incorrem em seus próprios riscos. Se a primeira, esbarra no legalismo farisaico, a segunda tem grande potencial de empurrar-nos na vala da libertinagem, expondo-nos a tentações para as quais não tempos “defesa imunológica.” Nossos “anticorpos” espirituais não foram devidamente ativados, principalmente quando nascemos e crescemos em berço cristão. Aí, cumpre-se o que diz o adágio: “Quem nunca comeu melado, quando come se lambuza.”

Ademais, os que adotam tal postura sofrem o assédio do mesmo orgulho encontrado nos que preferem se abster. Se os primeiros se sentem mais santos, esses se sentem mais “cool”, descolados, antenados ao espírito de sua época.

Paulo diz que não devemos usar da liberdade que a graça nos oferece para dar ocasião à carne (Gálatas 5:13). E isso é o que fazemos, não quando usamos ou deixamos de usar uma fantasia, ou quando pulamos ou deixamos de pular Carnaval, mas quando nos deixamos motivar pelo orgulho e não pelo amor.

A controvérsia do Carnaval bem que poderia ser comparada à controvérsia envolvendo a dieta dos cristãos na época de Paulo. Parafraseando o apóstolo, poderíamos dizer:

“Um crê que pode brincar Carnaval, e outro, prefere abster-se. O que brinca não despreze o que não brinca; e o que não brinca, não julgue o que brinca; porque Deus o recebeu por seu. Quem és tu, que julgas o servo alheio? Para seu próprio senhor ele está em pé ou cai. Mas estará firme, porque poderoso é Deus para o firmar. Um faz diferença entre dia e dia, e se solta durante os dias de Carnaval, mas outro julga iguais todos os dias, entendendo que sua alegria não depende de um calendário. Cada um esteja inteiramente seguro em sua própria mente (...) Porque nenhum de nós vive para si, e nenhum morre para si. Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. De sorte que, ou vivamos ou morramos, somos do Senhor (...)  Mas tu, por que julgas teu irmão? Ou tu, também, por que desprezas teu irmão? Pois todos havemos de comparecer ante o tribunal de Cristo (...) De maneira que cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus. Assim que não nos julguemos mais uns aos outros; antes seja o vosso propósito não pôr tropeço ou escândalo ao irmão. Eu sei, e estou certo no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma imunda, a não ser para aquele que a tem por imunda; para esse é imunda. Mas, se por causa do Carnaval se contrista teu irmão, já não andas conforme o amor. Não destruas por causa da tua folia aquele por quem Cristo morreu (...) Sigamos, pois, as coisas que servem para a paz e para a edificação de uns para com os outros. Não destruas por causa do Carnaval a obra de Deus. É verdade que tudo é limpo, mas mal vai para o homem que brinca com escândalo. Neste caso, é melhor nem pular Carnaval, nem encher a cara, nem fazer outras coisas em que teu irmão tropece, ou se escandalize, ou se enfraqueça. Tens tu fé? Tem-na em ti mesmo diante de Deus. Bem-aventurado aquele que não se condena a si mesmo naquilo que aprova. Mas aquele que tem dúvidas, se brinca Carnaval está condenado, porque não brinca por fé; e tudo o que não é de fé é pecado.” Romanos 14:1-23

Se estiver pensando em pular Carnaval só para magoar alguém, não o faça. Se estiver pensando em pular Carnaval para insultar seu pastor, sua comunidade, sua família, não o faça. Se a ideia é virar o assunto do dia entre os irmãos na fé, escandalizando-os, não o faça.

Que o que lhe mova seja o amor. Não importa se vai seguir o bloco, ou até se vai à avenida assistir ao desfile das escolas de samba, ou se prefere ficar em casa vendo Netflix ou em um retiro espiritual com o pessoal da igreja, a única coisa que realmente importa é que o que lhe mova seja o amor, primeiro a Deus, e depois ao seu próximo. Não julgue quem quer que seja. Não se sinta melhor do que os demais. Não esfregue sua liberdade na cara de ninguém. Apenas, ame.  E caso opte por brincar, não custa nada lembrar que seu corpo é o templo do Espírito Santo, então, não o profane, e não permita que ninguém o faça. Não é não! Aja com amor e responsabilidade. Respeite e dê-se o respeito.

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