Por Hermes C. Fernandes
Bem-vindos a Era da Pós-Verdade, inaugurada pela eleição de
Donald Trump nos Estados Unidos, e consagrada no Brasil pela eleição de Jair
Bolsonaro. Conhecida também como a Era das Fake News. A Pós-verdade é um neologismo
que pode ser resumido como a ideia de que algo que aparenta ser verdade é mais
importante que a própria verdade. A busca pela “verdade verdadeira” é relegada
a um segundo plano. Trata-se de endossar a fala de Nietzsche: “Não há fatos,
apenas versões.” Tal dimensão hermenêutica da realidade ganhou ainda mais
expressão em Foucault e as teorias da dissonância cognitiva e percepção.
Conceitos clássicos consagrados acerca da verdade, da informação e do domínio
dos fatos agora são ressignificados. O pensamento cartesiano representado pela
frase “penso, logo existo” foi substituído por “acredito, logo estou certo”.
No fundo, “pós-verdade” é apenas uma palavra politicamente correta
para a nossa velha e conhecida mentira. É a mentira abrindo mão da pretensão de
ser considerada verdade para ter apenas a aparência da verdade. Afinal, na Era
em que vivemos, aparência é tudo. Entre uma verdade que pareça mentira e uma
mentira que pareça verdade, a gente sempre prefere a segunda.
A mentira tem muitos ardis para conquistar adeptos.
Inclusive usar a verdade como trampolim. Vejamos, por exemplo, o caso
envolvendo a ressurreição de Jesus.
A verdade inegável era que o túmulo estava vazio. Quem
poderia negar? Bastava uma simples checagem presencial para admitir que a tumba
onde o corpo de Jesus havia sido posto estava desocupada. Para os discípulos,
esta era um indício fortíssimo de que Jesus cumprira o que lhes havia
prometido: Ele ressuscitou. Porém, a evidência definitiva foram Suas várias
aparições após a Ressurreição. Ele não
apenas falou com os onze remanescentes, mas também com as mulheres, e por fim,
apareceu a quinhentas pessoas de uma vez.
Ademais, Ele comeu com alguns deles e deixou-se tocar, provando não ser
uma aparição fantasmagórica.
Mas para os sacerdotes que almejavam conter o avanço daquela
seita perigosa e subversiva, tudo não passaria de um grande embuste engendrado
por Seus discípulos. Todavia, eles não tinham como provar. Por isso, lançaram
mão de um dos mais vexatórios expedientes: subornaram os guardas do túmulo para
dizerem que o corpo fora roubado por Seus seguidores.
Confira o texto bíblico:
“Quando alguns da guarda iam
chegando à cidade, anunciaram aos principais sacerdotes todas as coisas que
haviam acontecido. Reunindo-se eles com os líderes religiosos, decidiram dar MUITO
DINHEIRO aos soldados, recomendando: Dizei que vieram de noite os seus
discípulos e, enquanto dormíeis, o furtaram. Caso isto chegue aos ouvidos do
governador, nós o convenceremos, e vos colocaremos em segurança.” Mateus
28:11-14
Repare que os sacerdotes tiveram que oferecer não apenas
dinheiro para que apresentassem aquela versão mentirosa, mas também garantias
para que a mantivessem caso chegasse aos ouvidos do governador. Nada mais
confortável do que mentir tendo uma costa quente para confirmar nossa versão. Aquela
mentira estava fiada na credibilidade sacerdotal. Guardas poderiam facilmente
mentir, mas, sacerdotes, jamais!
Seria como divulgar Fake News com links de grandes veículos
de comunicação. A tendência é que pensemos: Um jornal como este não colocaria
sua credibilidade em risco com uma mentira deslavada. Logo, deve ser verdade.
Aquela mentira tinha como base uma verdade: o túmulo vazio.
Porém, dava ao fato uma interpretação completamente equivocada com o objetivo
de enganar.
Não basta estar a par dos fatos. Há que se fazer a
interpretação correta dos mesmos. Uma foto não prova nada. Um vídeo, idem. É
necessário ouvir todas as partes envolvidas para que se tenha uma visão mais
apurada do ocorrido, e, assim, não cometamos nenhuma injustiça.
Mas o que faz o mentiroso? Mina a credibilidade do outro
para que ninguém o procure para ouvi-lo, e, assim, sua versão prevaleça. Este é
um ardil muito usado por quem teme ser pego na mentira. E quando funciona, faz com
que a mentira espalhada pareça ter tamanha consistência que sua durabilidade se
estenda indefinidamente. Uma mentira que já poderia ter sido desbaratada, segue
sua carreira enganando cada vez mais pessoas. Tudo por conta deste ardil
criminoso que vacina as pessoas contra a outra parte.
Quem daria ouvidos a pessoas que se dispuseram a roubar um
cadáver de madrugada para sustentar e divulgar uma mentira? Quem daria crédito
a ladrões violadores de sepulturas? Ainda mais quando a versão dos guardas é
respaldada por sacerdotes, gente acima de qualquer suspeita. Além do mais, eles teriam sido testemunhas
oculares do furto. Ninguém os contou. Eles mesmos presenciaram. Como desmentir
quem conviveu sob o mesmo teto, quem assistiu in loco ao fato narrado, etc.?
Não duvido muito que os sacerdotes tenham persuadido aos guardas de que aquela
versão inventada correspondia aos fatos. Isso daria ainda mais peso ao seu
testemunho.
Há pessoas que são tão ardilosas que são capazes de
convencer às outras de que viram o que não viram, ou de que não viram o que
viram. Se disserem que algo é azul, sendo este vermelho, falam com tanta
convicção que o outro acaba por admitir que são os seus próprios sentidos que o
estão enganando.
Nem todo suborno é feito com dinheiro. Há chantagens
emocionais que interferem em nossa percepção dos fatos. Nem sempre há má fé por
parte de quem espalha a mentira. Às vezes só a intenção de que o sofrimento do
outro seja atenuado. Como não acreditar em uma mentira dita com lágrimas nos
olhos?
Por incrível que nos pareça, o ardil dos sacerdotes funcionou
muito bem. O verso 15 diz que “espalhou-se esta história entre os judeus, até o
dia de hoje.” Quarenta anos depois do ocorrido, quando o evangelho de
Mateus foi escrito, esta mentira ainda vigorava entre os judeus. Pois pasmem:
dois mil anos depois, esta mentira ainda vigora. Pesa sobre os discípulos de
Jesus a suspeita de haverem praticado tal delito com a intenção de enganar os
incautos.
Parece-me que aonde a verdade chega, o nariz de Pinóquio chegou primeiro. Uma gota de verdade diluída numa caixa d’água de mentiras é o antídoto perfeito para nos vacinar contra a verdade.
Paulo, o apóstolo, teve que lidar com os efeitos colaterais desta mentira. Quando estava em prisão domiciliar em Roma à espera de sua sentença, Paulo convidou os principais judeus da cidade para encontra-lo a fim de expor-lhes a boa nova. Receoso de que estes houvessem sido vacinados contra ele, de modo a não lhe darem ouvidos, Paulo apresentou-lhes uma breve defesa, alegando que estava ali por ter sido acusado injustamente por seus patrícios. Afirmou ainda que os chamara para falar-lhes da “esperança de Israel”, razão pela qual Deus o permitira chegar a Roma, ainda que sob a custódia do Estado. Os judeus, então, lhe responderam:
“Nós não recebemos da Judeia
cartas a teu respeito, nem veio aqui irmão algum que nos contasse ou falasse
mal de ti.” Atos 28:21
Ufa! Para seu alívio, sua reputação se mantinha intocável. A
fofocada ainda não havia chegado a Roma. Talvez por não haver facebook ou
Whatsapp naquela época...rs Tem ideia de
quanto tempo demorava para que uma carta chegasse a seu destino?
Paulo sabia que uma das maneiras de se combater uma verdade
é descredibilizando o seu portador. Ele já havia lidado com isso em outros
lugares. Sua vida pregressa como perseguidor da igreja era usada para levantar
suspeitas acerca de sua intenção. Havia quem sugerisse que ele não passava de
um impostor, uma espécie de X9 à serviço dos sacerdotes que lhes outorgou a
missão de se infiltrar nas igrejas, identificar seus membros para depois
persegui-los, prende-los ou mata-los. Paulo os chamou de “mensageiros de
Satanás”, pois lançavam em rosto o seu passado.
O sofrimento que estes lhe causavam era análogo a um espinho em sua
carne. Mas para surpresa do apóstolo, tais mensageiros não haviam chegado a
Roma. Entretanto, a mentira divulgada pelos guardas do túmulo já chegara ali.
Veja o que os judeus de Roma lhe disseram em seguida:
“No entanto, bem quiséramos ouvir
de ti o que pensas, pois, quanto a esta seita, sabemos que em toda a parte se
fala contra ela.” Atos 28:22
Com que base se falava tão mal da tal “seita”? Certamente
com base na mentira que começou a se difundida logo após a ressurreição de
Cristo.
Se pudéssemos prever o estrago a médio e longo prazo que uma
mentira pode causar, jamais nos permitiríamos divulga-la, mesmo que isso nos
rendesse algum benefício momentâneo.
Há, em geral, dois caminhos adotados pela mentira para
barrar uma verdade que precisa ser espalhada. O primeiro deles é tentar
descredibilizar o portador da verdade. Atenta-se contra a sua honra. Procura-se
desmoralizá-lo a qualquer preço, de modo que todos se recusem a ouvi-lo. Veja,
por exemplo, o que fizeram a figuras como Martin Luther King, acusado de ser
promíscuo e de viver em orgias, Nelson Mandela, acusado de ser terrorista,
Madre Teresa de Calcutá, acusada de ser uma megera, Mahatma Gandhi, acusado de abusar
de menores, etc. Destruindo a reputação destas pessoas, descredibilizava-se os
movimentos que representavam na busca pela paz e pela justiça.
Durante as últimas eleições, espalhou-se via Whatsapp que um
candidato havia abusado de uma menina de apenas 11 anos. Esta e tantas outras
mentiras se espalharam de maneira exponencial a ponto de inviabilizar a sua
vitória. Pode-se dizer que o vencedor, assim como Trump nos EUA, teve sua
vitória garantida por Fake News disseminadas pelas redes sociais.
O segundo caminho adotado pela mentira é atacar a verdade em
si, e não o seu portador. Alguns são capazes até de afirmar admirar quem
anuncia tais verdades, mas desferem golpes furiosos contra as suas ideias.
Alguém pode dizer-se admirador de Jesus, mas não abonar Suas ideias
pacifistas. São capazes até de aplaudir
alguns de Seus sermões, desde que estes não interfiram em seus interesses.
Via de regra, Jesus segue ileso em meio a tantos ataques.
Alguém já disse que Jesus é legal, o que estraga é o fã clube. Quem diria que
os cristãos antes tidos como disseminadores da verdade, agora se deixariam usar
para espalhar mentiras sórdidas pelas redes sociais? Quem diria que alguns
líderes de prestígio no meio evangélico exporiam sua reputação para garantir a
eleição de um candidato que apoie sua agenda moralista e seus interesses
particulares? O estrago está feito. Talvez demore décadas até que a igreja
evangélica se recomponha e reconquiste o respeito da sociedade como um todo. Em
nome do poder, a igreja sacrificou o que tinha de mais precioso: sua
credibilidade. E pelo jeito, a julgar pelas últimas falas de seus líderes mais
proeminentes, ela seguirá precipício abaixo até que dê ouvidos à repreensão de
Cristo à igreja de Sardes: “Conheço as tuas obras, que tens nome de que vives,
e estás morto (...) Lembra-te, pois, do que tens recebido e ouvido, e guarda-o,
e arrepende-te (...) Mas também tens em Sardes algumas poucas pessoas que não
contaminaram suas vestes” (Apocalipse 3:1,3,4). Sinceramente, espero ser
contado entre essas “poucas pessoas” que não se venderam, nem se renderam aos
ardis dos novos sacerdotes que se arrogam formadores de opinião e detentores do
copyright da verdade.
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