quarta-feira, novembro 07, 2018

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Quando a MENTIRA prevalece



Por Hermes C. Fernandes

Bem-vindos a Era da Pós-Verdade, inaugurada pela eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, e consagrada no Brasil pela eleição de Jair Bolsonaro. Conhecida também como a Era das Fake News. A Pós-verdade é um neologismo que pode ser resumido como a ideia de que algo que aparenta ser verdade é mais importante que a própria verdade. A busca pela “verdade verdadeira” é relegada a um segundo plano. Trata-se de endossar a fala de Nietzsche: “Não há fatos, apenas versões.” Tal dimensão hermenêutica da realidade ganhou ainda mais expressão em Foucault e as teorias da dissonância cognitiva e percepção. Conceitos clássicos consagrados acerca da verdade, da informação e do domínio dos fatos agora são ressignificados. O pensamento cartesiano representado pela frase “penso, logo existo” foi substituído por “acredito, logo estou certo”.

No fundo, “pós-verdade” é apenas uma palavra politicamente correta para a nossa velha e conhecida mentira. É a mentira abrindo mão da pretensão de ser considerada verdade para ter apenas a aparência da verdade. Afinal, na Era em que vivemos, aparência é tudo. Entre uma verdade que pareça mentira e uma mentira que pareça verdade, a gente sempre prefere a segunda.

A mentira tem muitos ardis para conquistar adeptos. Inclusive usar a verdade como trampolim. Vejamos, por exemplo, o caso envolvendo a ressurreição de Jesus.

A verdade inegável era que o túmulo estava vazio. Quem poderia negar? Bastava uma simples checagem presencial para admitir que a tumba onde o corpo de Jesus havia sido posto estava desocupada. Para os discípulos, esta era um indício fortíssimo de que Jesus cumprira o que lhes havia prometido: Ele ressuscitou. Porém, a evidência definitiva foram Suas várias aparições após a  Ressurreição. Ele não apenas falou com os onze remanescentes, mas também com as mulheres, e por fim, apareceu a quinhentas pessoas de uma vez.  Ademais, Ele comeu com alguns deles e deixou-se tocar, provando não ser uma aparição fantasmagórica.

Mas para os sacerdotes que almejavam conter o avanço daquela seita perigosa e subversiva, tudo não passaria de um grande embuste engendrado por Seus discípulos. Todavia, eles não tinham como provar. Por isso, lançaram mão de um dos mais vexatórios expedientes: subornaram os guardas do túmulo para dizerem que o corpo fora roubado por Seus seguidores.

Confira o texto bíblico:

“Quando alguns da guarda iam chegando à cidade, anunciaram aos principais sacerdotes todas as coisas que haviam acontecido. Reunindo-se eles com os líderes religiosos, decidiram dar MUITO DINHEIRO aos soldados, recomendando: Dizei que vieram de noite os seus discípulos e, enquanto dormíeis, o furtaram. Caso isto chegue aos ouvidos do governador, nós o convenceremos, e vos colocaremos em segurança.” Mateus 28:11-14

Repare que os sacerdotes tiveram que oferecer não apenas dinheiro para que apresentassem aquela versão mentirosa, mas também garantias para que a mantivessem caso chegasse aos ouvidos do governador. Nada mais confortável do que mentir tendo uma costa quente para confirmar nossa versão. Aquela mentira estava fiada na credibilidade sacerdotal. Guardas poderiam facilmente mentir, mas, sacerdotes, jamais!

Seria como divulgar Fake News com links de grandes veículos de comunicação. A tendência é que pensemos: Um jornal como este não colocaria sua credibilidade em risco com uma mentira deslavada. Logo, deve ser verdade.

Aquela mentira tinha como base uma verdade: o túmulo vazio. Porém, dava ao fato uma interpretação completamente equivocada com o objetivo de enganar.

Não basta estar a par dos fatos. Há que se fazer a interpretação correta dos mesmos. Uma foto não prova nada. Um vídeo, idem. É necessário ouvir todas as partes envolvidas para que se tenha uma visão mais apurada do ocorrido, e, assim, não cometamos nenhuma injustiça.

Mas o que faz o mentiroso? Mina a credibilidade do outro para que ninguém o procure para ouvi-lo, e, assim, sua versão prevaleça. Este é um ardil muito usado por quem teme ser pego na mentira. E quando funciona, faz com que a mentira espalhada pareça ter tamanha consistência que sua durabilidade se estenda indefinidamente. Uma mentira que já poderia ter sido desbaratada, segue sua carreira enganando cada vez mais pessoas. Tudo por conta deste ardil criminoso que vacina as pessoas contra a outra parte.

Quem daria ouvidos a pessoas que se dispuseram a roubar um cadáver de madrugada para sustentar e divulgar uma mentira? Quem daria crédito a ladrões violadores de sepulturas? Ainda mais quando a versão dos guardas é respaldada por sacerdotes, gente acima de qualquer suspeita.  Além do mais, eles teriam sido testemunhas oculares do furto. Ninguém os contou. Eles mesmos presenciaram. Como desmentir quem conviveu sob o mesmo teto, quem assistiu in loco ao fato narrado, etc.? Não duvido muito que os sacerdotes tenham persuadido aos guardas de que aquela versão inventada correspondia aos fatos. Isso daria ainda mais peso ao seu testemunho.

Há pessoas que são tão ardilosas que são capazes de convencer às outras de que viram o que não viram, ou de que não viram o que viram. Se disserem que algo é azul, sendo este vermelho, falam com tanta convicção que o outro acaba por admitir que são os seus próprios sentidos que o estão enganando.

Nem todo suborno é feito com dinheiro. Há chantagens emocionais que interferem em nossa percepção dos fatos. Nem sempre há má fé por parte de quem espalha a mentira. Às vezes só a intenção de que o sofrimento do outro seja atenuado. Como não acreditar em uma mentira dita com lágrimas nos olhos?

Por incrível que nos pareça, o ardil dos sacerdotes funcionou muito bem. O verso 15 diz que “espalhou-se esta história entre os judeus, até o dia de hoje.” Quarenta anos depois do ocorrido, quando o evangelho de Mateus foi escrito, esta mentira ainda vigorava entre os judeus. Pois pasmem: dois mil anos depois, esta mentira ainda vigora. Pesa sobre os discípulos de Jesus a suspeita de haverem praticado tal delito com a intenção de enganar os incautos.

Parece-me que aonde a verdade chega, o nariz de Pinóquio chegou primeiro. Uma gota de verdade diluída numa caixa d’água de mentiras é o antídoto perfeito para nos vacinar contra a verdade.

Paulo, o apóstolo, teve que lidar com os efeitos colaterais desta mentira. Quando estava em prisão domiciliar em Roma à espera de sua sentença, Paulo convidou os principais judeus da cidade para encontra-lo a fim de expor-lhes a boa nova. Receoso de que estes houvessem sido vacinados contra ele, de modo a não lhe darem ouvidos, Paulo apresentou-lhes uma breve defesa, alegando que estava ali por ter sido acusado injustamente por seus patrícios. Afirmou ainda que os chamara para falar-lhes da “esperança de Israel”, razão pela qual Deus o permitira chegar a Roma, ainda que sob a custódia do Estado.  Os judeus, então, lhe responderam:

“Nós não recebemos da Judeia cartas a teu respeito, nem veio aqui irmão algum que nos contasse ou falasse mal de ti.” Atos 28:21

Ufa! Para seu alívio, sua reputação se mantinha intocável. A fofocada ainda não havia chegado a Roma. Talvez por não haver facebook ou Whatsapp naquela época...rs  Tem ideia de quanto tempo demorava para que uma carta chegasse a seu destino?

Paulo sabia que uma das maneiras de se combater uma verdade é descredibilizando o seu portador. Ele já havia lidado com isso em outros lugares. Sua vida pregressa como perseguidor da igreja era usada para levantar suspeitas acerca de sua intenção. Havia quem sugerisse que ele não passava de um impostor, uma espécie de X9 à serviço dos sacerdotes que lhes outorgou a missão de se infiltrar nas igrejas, identificar seus membros para depois persegui-los, prende-los ou mata-los. Paulo os chamou de “mensageiros de Satanás”, pois lançavam em rosto o seu passado.  O sofrimento que estes lhe causavam era análogo a um espinho em sua carne. Mas para surpresa do apóstolo, tais mensageiros não haviam chegado a Roma. Entretanto, a mentira divulgada pelos guardas do túmulo já chegara ali.

Veja o que os judeus de Roma lhe disseram em seguida:

“No entanto, bem quiséramos ouvir de ti o que pensas, pois, quanto a esta seita, sabemos que em toda a parte se fala contra ela.” Atos 28:22

Com que base se falava tão mal da tal “seita”? Certamente com base na mentira que começou a se difundida logo após a ressurreição de Cristo.

Se pudéssemos prever o estrago a médio e longo prazo que uma mentira pode causar, jamais nos permitiríamos divulga-la, mesmo que isso nos rendesse algum benefício momentâneo.

Há, em geral, dois caminhos adotados pela mentira para barrar uma verdade que precisa ser espalhada. O primeiro deles é tentar descredibilizar o portador da verdade. Atenta-se contra a sua honra. Procura-se desmoralizá-lo a qualquer preço, de modo que todos se recusem a ouvi-lo. Veja, por exemplo, o que fizeram a figuras como Martin Luther King, acusado de ser promíscuo e de viver em orgias, Nelson Mandela, acusado de ser terrorista, Madre Teresa de Calcutá, acusada de ser uma megera, Mahatma Gandhi, acusado de abusar de menores, etc. Destruindo a reputação destas pessoas, descredibilizava-se os movimentos que representavam na busca pela paz e pela justiça.

Durante as últimas eleições, espalhou-se via Whatsapp que um candidato havia abusado de uma menina de apenas 11 anos. Esta e tantas outras mentiras se espalharam de maneira exponencial a ponto de inviabilizar a sua vitória. Pode-se dizer que o vencedor, assim como Trump nos EUA, teve sua vitória garantida por Fake News disseminadas pelas redes sociais.

O segundo caminho adotado pela mentira é atacar a verdade em si, e não o seu portador. Alguns são capazes até de afirmar admirar quem anuncia tais verdades, mas desferem golpes furiosos contra as suas ideias. Alguém pode dizer-se admirador de Jesus, mas não abonar Suas ideias pacifistas.  São capazes até de aplaudir alguns de Seus sermões, desde que estes não interfiram em seus interesses.

Via de regra, Jesus segue ileso em meio a tantos ataques. Alguém já disse que Jesus é legal, o que estraga é o fã clube. Quem diria que os cristãos antes tidos como disseminadores da verdade, agora se deixariam usar para espalhar mentiras sórdidas pelas redes sociais? Quem diria que alguns líderes de prestígio no meio evangélico exporiam sua reputação para garantir a eleição de um candidato que apoie sua agenda moralista e seus interesses particulares? O estrago está feito. Talvez demore décadas até que a igreja evangélica se recomponha e reconquiste o respeito da sociedade como um todo. Em nome do poder, a igreja sacrificou o que tinha de mais precioso: sua credibilidade. E pelo jeito, a julgar pelas últimas falas de seus líderes mais proeminentes, ela seguirá precipício abaixo até que dê ouvidos à repreensão de Cristo à igreja de Sardes: “Conheço as tuas obras, que tens nome de que vives, e estás morto (...) Lembra-te, pois, do que tens recebido e ouvido, e guarda-o, e arrepende-te (...) Mas também tens em Sardes algumas poucas pessoas que não contaminaram suas vestes” (Apocalipse 3:1,3,4). Sinceramente, espero ser contado entre essas “poucas pessoas” que não se venderam, nem se renderam aos ardis dos novos sacerdotes que se arrogam formadores de opinião e detentores do copyright da verdade.

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