quinta-feira, maio 05, 2016

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Estão oferecendo drogas nas igrejas



Por Hermes C. Fernandes


Assisti agora pouco a um novo clipe de um famoso cantor gospel. A produção caprichadíssima. Nível internacional. O instrumental impecável (pelo menos do ponto de vista técnico). O vocal também não deixou nada a desejar. Tanto ele, quanto a moça que o acompanhava dão um show. Mas, definitivamente, não gostei do que vi, nem do que ouvi. Foram minutos seguidos de uma melodia melosa, repetitiva como uma mantra e com uma letra sofrível, cheia de clichês. Bateu uma tristeza... Gastou-se tanto com luzes, pirotecnias, câmeras de alta definição, ângulos inusitados... para quê? Para ficar repetindo a mesma ladainha: "Derrama sua shekinah..." É claro que isso vende, e muito. As pessoas não querem refletir sobre a letra de uma canção. Elas querem entrar em transe. E é justamente isso que este tipo de música produz (cientificamente comprovado). O efeito que isso faz na mente humana é semelhante ao da droga. Não estou exagerando. Uma melodia repetitiva com três ou quatro acordes, somada a uma letra igualmente repetitiva induz a um estado alterado de consciência. Após trinta ou quarenta minutos exposta a várias canções deste tipo, a audiência estará suscetível a qualquer coisa. Desde o choro compulsivo às gargalhadas extravagantes por mera indução, sem qualquer razão aparente. Obviamente, isso é logo atribuído à ação do Espírito Santo. Será que o Espírito que deveria nos guiar à toda verdade, conforme salientou Jesus, estaria interessado em induzir as pessoas a perderem o contato com a realidade, tornando-as sugestionáveis a mensagens subliminares? Recuso-me a crer em tal possibilidade. O culto prestado a Deus deve ser, antes de tudo, racional. Isto é, antes de afetar nossas emoções, deve passar pelo crivo da razão. E quem diz isso não sou eu, mas o apóstolo Paulo (Romanos 12:1). 

Segue abaixo uma reflexão que pretende contrastar este tipo de religiosidade alienante com a espiritualidade proposta no evangelho. Para fins de analogia, digamos que a diferença entre uma e outra equivale à diferença entre os óculos e as lentes de contato. A primeira sempre vem acompanhada de armação.

Prometa-me que vai ler até o fim. Você poderá se surpreender com o desfecho deste post.
“No meio da sua praça, em ambas as margens do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês. E as folhas da árvores são para a cura das nações.” Apocalipse 22:2
Para quem imagina que o tema tratado no livro de Apocalipse seja o fim do mundo e a vida após a morte, como explicar o verso acima? Explico: A Nova Jerusalém descrita no capítulo anterior é uma figura da igreja de Cristo, uma vez que é apresentada como a esposa do Cordeiro. Ora, que outra esposa Ele teria senão a igreja? Trata-se, portanto, da sociedade formada por aqueles que abraçaram o projeto do reino de Deus, locomotiva da civilização do amor. Se a Nova Jerusalém fosse algo a ser esperado no futuro, para além do horizonte histórico que sentido faria seus muros? De quê a cidade precisaria se proteger, visto que qualquer ameaça já teria sido eliminada?

O vidente João diz não haver templos na cidade. O que parece indicar não se tratar de uma sociedade religiosa. O cristianismo original não pretendia ser uma nova religião, mas a pedra fundamental de uma nova civilização. Ainda mais curioso é o fato de que, embora não haja santuários, há uma pungente praça na região central da cidade. O que isso nos diz? Praça fala de vida social, de interação, lugar de encontro, de diálogo, de luz, fora das quatro paredes. E no meio desta praça, em vez do coreto encontramos uma árvore.

Considerando que o Apocalipse é um livro de simbolismos, o que tal árvore representaria? Quem é, afinal, o centro de todas as nossas atividades? Quem ocupa o lugar central de nossas existências? De quem nos alimentamos? Em quem encontramos o fruto da vida eterna? Não há outra resposta possível senão uma: CRISTO! Ele é a Árvore da Vida! Foi Ele quem disse: “Quem de mim se alimenta, por mim viverá!” Seus frutos não são esporádicos, mas constantes. Toda estação é propícia para dar seus frutos.

O que mais chama a minha atenção neste verso em particular é a última sentença. Naquela época era comum o uso de folhas como remédio. É daí que vem o hábito de tomar chá, fartamente cultivado nas cidades grandes. Ninguém duvida do poder medicinal que tem algumas plantas. Lembro-me das inúmeras vezes em que tive que tomar chá de quebra-pedra quando sofria de cálculos renais. E ainda hoje, quando não consigo dormir, recorro ao chá de camomila ou de erva-doce.

Como se processa o chá? Folhas são deixadas por alguns minutos em água fervendo. Aos poucos, a água vai absorvendo as propriedades da planta, mudando sua coloração. O nome deste processo é infusão.

Estudos sugerem que o chá tem muitas propriedades benéficas importantes, por exemplo: aumenta o metabolismo, ajuda o sistema imunológico, reduz o mau-hálito, diminui o estresse, etc.

A folhagem da árvore da vida aponta para a inserção da igreja na vida social do mundo. Em vez de assimilarmos, somos assimilados. Isso explicaria por que Deus não removeu Seu povo deste mundo, como muitos prefeririam que fizesse. Nossa vocação primordial é a de ser sal da terra, não apenas realçando sabor, mas também promovendo a preservação. Para tal, temos que estar inseridos na xícara (mundo), liberando nossas propriedades terapêuticas. Em vez disso, tornamo-nos numa sociedade extremamente religiosa e alienada do mundo.

Cristo almeja curar as nações, e o único remédio de que dispõe já foi ministrado: é a presença da igreja no mundo. Para tanto, urge inserir-nos na cultura, nas ciências, na política, no mundo empresarial, na educação, etc. Não me refiro à igreja como instituição, mas como organismo vivo, representado por cada um dos seus membros.

Karl Marx tinha razão: "A religião é o suspiro da criança acabrunhada, o coração de um mundo sem coração, assim como também o espírito de uma época sem espírito. Ela é o ópio do povo." Trazendo para nossa realidade latino-americana, diríamos que a religião é a maconha ou a cocaína do povo. O que estas drogas teriam em comum? Ambas provém de folhas. Tais plantas foram igualmente criadas por Deus, e têm, comprovadamente, propriedades medicinais. Porém, Deus não as criou para serem fumadas, ou processadas para ser inaladas.

De maneira análoga, a impressão que se tem é que a igreja entrou no ramo de produção e tráfico de droga religiosa. Estamos oferecendo ao mundo o produto da árvore da vida processado para ser fumado e cheirado. Eis a razão por que Napoleão Bonaparte dizia: "Religião é uma coisa excelente para manter as pessoas comuns quietas". E ainda: "A religião é aquilo que impede os pobres de matarem os ricos."

Que efeito a droga produz no usuário? Entorpecimento. O uso de entorpecentes nos desliga da realidade. Cria até uma espécie de realidade paralela, onde a fantasia se confunde com o mundo real. Pergunto: Até que ponto a mensagem que tem sido pregada em nossos púlpitos não tem efeito alucinógeno nos fiéis?

Que pena! O que deveria ser remédio, virou droga. E que droga!

Ao invés de nos posicionarmos no centro da praça, preferimos criar nossos próprios guetos religiosos. Sentimo-nos mais seguros na penumbra, com nossa subcultura, nosso evangeliquês indecifrável ao homem comum. Enquanto isso, a criação segue aguardando impaciente a manifestação dos filhos de Deus.

Assim como nosso mestre recusou beber daquela esponja ensopada com uma mistura que incluía a mirra, e que certamente aliviaria sua dor na cruz, recusemos qualquer religiosidade que nos aliene, que nos afaste da dor do mundo. Vivamos, porém, um espiritualidade engajada na transformação do mundo, conclamando os homens a que se juntem a nós, arregacem suas mangas e trabalhem para que deixemos para as próximas gerações um mundo mais belo, bom e justo.

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P.S. Minha crítica inicial não é ao cantor e a sua banda (Livres), que, diga-se de passagem, são super engajados em causas sociais e merecem meu respeito e admiração. Minha crítica se restringe ao cenário musical gospel de um modo geral, principalmente ao estilo "louvor e adoração" que deixou de realçar a majestade divina para embarcar na onda de mantras repetitivos.



2 comentários:

  1. Anônimo7:09 PM

    Pastor, gostaria de entender melhor sua visão de inferno. Vc acha então que permaneceremos aqui nessa terra ate q a mudemos atraves de cristo ?

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  2. Anônimo8:04 PM

    O bispo fala de ser e agir em vida,mais a paranóia de muitos é o inferno.O que vivermos em vida (céu ou infrno),o teremos após a morte!!!

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