quarta-feira, março 30, 2016

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O Silêncio do Cordeiro vs O Rugido do Leão



Por Hermes C. Fernandes

Nada mais contrastante do que a natureza passiva do cordeiro e a ferocidade do leão. Pois ambos são usados nas Escrituras como símbolos do caráter de Cristo. Como conciliar as duas figuras? Alguns teólogos dizem que em Seu primeiro advento, Cristo teria se revelado como o Cordeiro que deveria ser oferecido em sacrifício a Deus pelos nossos pecados, mas que, em Seu segundo advento, Ele se manifestará como o Leão da Tribo de Judá, destinado por Deus a reinar soberanamente sobre toda a criação. A tentativa de conciliar imagens tão contrastantes é até louvável, porém, revela-se insuficiente.

O cordeiro mudo levado ao matadouro é o mesmo que reina soberanamente. Ele não precisa passar por nenhuma mutação para isso.

Leia atentamente a descrição que João nos oferece de sua experiência de arrebatamento até a sala do trono de Deus:
“E vi na destra do que estava assentado sobre o trono um livro escrito por dentro e por fora, selado com sete selos. E vi um anjo forte, bradando com grande voz: Quem é digno de abrir o livro e de desatar os seus selos? E ninguém no céu, nem na terra, nem debaixo da terra, podia abrir o livro, nem olhar para ele. E eu chorava muito, porque ninguém fora achado digno de abrir o livro, nem de o ler, nem de olhar para ele..." Apocalipse 5:1-4
Aquele livro contém o propósito de Deus que abarca a criação como um todo. Ele vem escrito por dentro e por fora porque abrange tanto o que é acessível aos olhos (comumente chamado de “mundo material”), quanto ao que é inacessível aos sentidos (“mundo espiritual”). Somente alguém digno poderia romper seus lacres e, assim, desencadear a execução do plano divino. Não foi encontrado um único ser que preenchesse todos os requisitos. Nem mesmo entre os anjos, quanto mais entre os homens, confirmando assim o que lemos em Jó 4:18: “Eis que ele não confia nos seus servos e aos anjos atribui loucura.” João se vê desesperado. Todas as esperanças se desvaneceram. Até que um dos anciãos se aproxima para o consolar:

Não chores; eis aqui o Leão da tribo de Judá, a raiz de Davi, que venceu, para abrir o livro e desatar os seus sete selos. E olhei, e eis que estava no meio do trono e dos quatro animais viventes e entre os anciãos um Cordeiro, como havendo sido morto, e tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete espíritos de Deus enviados a toda a terra.” Apocalipse 5:5-6

Repare nisso: o ancião se refere a Cristo como um leão, porém, o que João vê sobre o trono é um cordeiro. Isso derruba o argumento de que em Seu segundo advento, Jesus deixa de ser cordeiro para ser leão. Ser cordeiro não tem a ver apenas com o Seu sacrifício vicário, mas também com o Seu reinado. Ele ocupa do trono do universo como cordeiro. Ele não se tornou cordeiro por um curto espaço de tempo. Ele o é desde a eternidade. Como diz outra passagem, Ele é “o Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Apocalipse 13:8; leia também 1 Pedro 1:19-20).  E aquilo que se é desde a eternidade não pode ser alterado. Afinal, Ele é o mesmo ontem, hoje e sempre. Nele não há mudança, nem sombra de variação.

Ele não precisa deixar de ser cordeiro para ser leão. Trata-se, antes, de duas facetas de Sua personalidade.

Ele é um cordeiro mudo quando se trata de sair em Sua própria defesa. Mas é um leão feroz quando se trata de sair em defesa daqueles a quem ama.

Um exemplo disso pode ser visto no episódio em que Jesus visitou a casa de um fariseu chamado Simão. Uma mulher de moral duvidosa invadiu a casa, quebrou todos os protocolos, e derramou sobre Jesus um caro perfume que lhe custou um ano inteiro de programas. Aquela situação feriu os escrúpulos do religioso que se pôs a duvidar da legitimidade do ministério de Jesus. “Se este fosse realmente profeta”, ponderou, “não aceitaria a oferta desta mulher”. Em momento algum Jesus abriu a boca para defender Seu próprio ministério. Mas vendo que até os discípulos a criticavam, Jesus saiu em sua defesa. Assim, Ele agiu como cordeiro e leão ao mesmo tempo.

Quando os judeus intentaram apedrejá-lo, Ele se retirou discretamente. Mas quando se deparou com a cena em que uma mulher flagrada em adultério estava prestes a ser apedrejada, Ele rugiu como um leão em Sua defesa.

Até na cena da cruz verificamos estas duas facetas de Cristo. Como cordeiro, não se pronunciou para se defender das acusações que lhes eram impingidas até por quem morria ao Seu lado. Como cordeiro, não interferiu para impedir que os soldados loteassem Suas vestes. Mas como leão, demonstrou preocupar-se com o futuro de Sua mãe, destacando um discípulo para abriga-la em Sua ausência. Como leão, garantiu ao ladrão moribundo a entrada em Seu reino.

Como vimos no post anterior, somos advertidos a seguir Suas pegadas, o que implicaria sermos cordeiros mudos que se negam a sair em defesa própria, mas sermos verdadeiros leões na defesa de nossos semelhantes.

Como igreja, não devemos advogar em causa própria, como geralmente temos visto por parte dos que dizem representá-la no congresso nacional. Se, de fato, os deputados evangélicos são discípulos de Jesus, eles deveriam estar lutando em favor dos excluídos, dos oprimidos e marginalizados e não em benefício de suas respectivas denominações, garantindo isenções fiscais e etc.

Parece-me que os cristãos de hoje inverteram a ordem. São leões em causa própria, mas cordeiros mudos na hora de defender a causa alheia.  Talvez não queiram expor sua reputação ou ferir interesses de outros grupos que os apoiem. Preferem abrir a boca por quem os banca, ou por quem lhes traz algum benefício. Porém, nada justifica tal postura. As Escrituras são claras: “Abre a tua boca a favor do mudo, a favor do direito de todos os desamparados” (Provérbios 31:8). E duras ao advertir: Até quando julgareis injustamente, e tereis respeito às pessoas dos ímpios? Fazei justiça ao pobre e ao órfão; procedei retamente com o aflito e o desamparado. Livrai o pobre e o necessitado, livrai-os das mãos dos ímpios” (Salmos 82:2-4).

A igreja não precisa de quem represente seus interesses. Isso é uma grande balela! Já temos um advogado, tanto junto a Deus, quanto junto aos homens, e Seu nome é Jesus Cristo (1 João 2:1-2). Quando abrimos nossa boca em defesa própria, estamos dispensando Sua atuação. Bem faríamos em dar ouvidos à Sua poderosa voz que ecoa pelos séculos dos séculos: “Aquietai-vos, e sabei que eu sou Deus” (Salmos 46:10a).

Quando abrimos nossa boca em defesa própria, estamos nos justificando a nós mesmos. Isso equivale a cair da graça, desligando-se de Cristo, dispensando-o como nosso advogado (Gálatas 5:4). Para o escritor de Hebreus, é o mesmo que crucificar novamente o Filho de Deus, expondo-o à vergonha (Hebreus 6:4-6). Como crucificado, Ele se mantém mudo como um cordeiro inofensivo.

Se esta tem sido nossa postura, urge que nos arrependamos e recorramos novamente à Sua misericórdia, crendo que como um leão feroz que defende a sua cria, Ele pleiteará por nós. 

Para melhor compreensão deste artigo, leia o anterior: O Silêncio do Inocente

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