Por Hermes C. Fernandes
O Silêncio dos Inocentes (no original, The
Silence of the Lambs), é um filme americano de 1991, dirigido por Jonathan Demme. A agente do FBI Clarice
Starling, brilhantemente interpretada por Jodie Foster recorre à ajuda de Hannibal Lecter
(Antony Hopkins), um psiquiatra psicopata condenado à prisão perpétua por
assassinatos seguidos de canibalismo, para fazer o perfil psicológico do
sequestrador da filha de uma senadora. Os indícios apontam para o fato de se
tratar de um serial killer que deixa
como pista casulos de uma mariposa tropical encontrados no interior dos corpos
das vítimas. O criminoso é uma transexual que, insatisfeita com sua forma
física, resolve costurar para si uma segunda pele feminina a partir das peles
removidas de suas vítimas (daí o título em inglês “o silêncio dos cordeiros”).
Diferente de outros animais que caminham para o abate
demonstrando desespero, o cordeiro costuma manter sua característica mansidão mesmo
em face da morte ou durante sua tosa. Talvez por isso, tenha sido escolhido como representação
de Cristo.
Foi João, o Batista, que exclamou ao vê-lo encaminhar-se
para as águas do batismo: “Eis o Cordeiro
de Deus que tira o pecado do mundo” (João 1:29). Porém, ele não foi o
primeiro a utilizar-se da figura do cordeiro como representação do Messias.
Cerca de setecentos anos antes, o profeta Isaías descreveu o sofrimento ao qual
o Cristo seria submetido para redimir a criação.
Como se houvesse viajado no tempo e vislumbrado toda a cena,
Isaías O descreve como não tendo “beleza
nem formosura” (bem diferente do Cristo galã com feições nórdicas que vemos
por aí...). “Olhando nós para ele”, prossegue o profeta, “nenhuma beleza víamos,
para que o desejássemos.” Pelo contrário, ele era “o mais rejeitado
entre os homens, homem de dores, e experimentado nos trabalhos e, como um de
quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso
algum.” Isso tudo, antes que a indústria religiosa O ajustasse aos padrões estéticos
da cultura dominante. O Cristo que emerge das páginas das Escrituras tinha pele
bronzeada pelo sol escaldante da Judeia e calos nas mãos. Era operário e não
membro da elite judaica. Mas tudo isso tinha um propósito: identificar-se com
as camadas mais carentes da sociedade. Isaías conclui que “verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as
nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e
oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por
causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e
pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como
ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele
a iniquidade de nós todos. Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a sua
boca; como um cordeiro foi levado ao matadouro, e como a ovelha muda
perante os seus tosquiadores, assim ele não abriu a sua boca” (Isaías
53:2b-7).
Não é tarefa fácil manter o silêncio quando se tem razão.
Diferente de quando se está errado e as acusações que pesam contra nós são
justas e verdadeiras. Mesmo assim, Jesus jamais abriu Sua boca em defesa própria.
O único inocente dentre os homens, manteve-se calado diante das provocações,
insinuações e acusações que lhe eram impingidas. E não pense que Ele agiu assim
para nos dar o direito de agirmos diferentemente. Pelo contrário. Foi para nos
dar exemplo (apesar de não sermos inocentes como Ele).
Pedro recorre ao profeta Isaías para advertir a seus
leitores a adotarem a mesma postura encontrada em Cristo.
“Porque é coisa agradável, que alguém, por
causa da consciência para com Deus, sofra agravos, padecendo injustamente.
Porque, que glória será essa, se, pecando, sois esbofeteados e sofreis? Mas se,
fazendo o bem, sois afligidos e o sofreis, isso é agradável a Deus. Porque para
isto sois chamados; pois também Cristo padeceu por nós, deixando-nos o
exemplo, para que sigais as suas pisadas. O qual não cometeu pecado, nem na
sua boca se achou engano. O qual, quando o injuriavam, não injuriava, e quando
padecia não ameaçava, mas entregava-se àquele que julga justamente; levando ele
mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os
pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas suas feridas fostes sarados.
Porque éreis como ovelhas desgarradas; mas agora tendes voltado ao Pastor e
Bispo das vossas almas.” 1 Pedro
2:19-25
Além de nos manter silentes ante as acusações e injustiças
que sofremos, devemos nos entregar àquele que julga retamente. Repare nisso:
não se trata de entregar nossos oponentes como que desejando desforra da parte
de Deus, mas de entregar a nós mesmos. Não os apresentamos como se fossem réus,
mas a nós mesmos. Uma vez havendo
entregado sua causa ao justo juiz, deve-se ceder a palavra ao supremo advogado:
JESUS.
Quando pleiteamos nossa própria causa, dispensamos os
préstimos de nosso advogado. Não há desordem no tribunal celestial. Ou bem
falamos, ou bem nos aquietamos cedendo vez a quem saberá como nos defender.
Não se trata de alegarmos inocência. Mesmo porque, todos
somos culpados perante Deus. O único inocente que transitou por este planeta
foi Jesus. Os demais, somos todos pecadores. O papel de nosso advogado não é
provar nossa inocência, mas nos justificar. Não confunda “justificação” com “inocentização”.
Cristo não se presta a defender que não admite culpa. Ainda que não sejamos
culpados daquilo de que estamos sendo acusados no momento, mas somos culpados
de tantas outras coisas, inclusive, de nossa omissão e letargia. A defesa de
Cristo não consiste em provar nossa inocência, mas em nos justificar através de
Seu sacrifício. Somos declarados justos, não por não haver pecado, mas porque
nossos pecados foram devidamente castigados em Jesus. Daí Isaías dizer que “o castigo que nos traz a paz estava sobre
Ele.” É como se o tribunal celestial nos emitisse um Nada Consta. Nossa
dívida com a justiça divina está definitivamente paga.
E quando somos, de fato, inocentes daquilo que nos acusam?
Sabemos que temos um Advogado diante de Deus. Mas quem nos defende diante dos
homens?
Pedro nos oferece uma incisiva resposta: “Tendo o vosso viver honesto entre os
gentios; para que, naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores,
glorifiquem a Deus no dia da visitação, pelas boas obras que em vós observem. (...) Porque assim é a vontade de Deus, que,
fazendo bem, tapeis a boca à ignorância dos homens insensatos; como livres, e não
tendo a liberdade por cobertura da malícia, mas como servos de Deus” (1
Pedro 2:12, 15-16). Portanto, não tente se defender. Siga como um cordeiro
mudo. Em vez de bate-boca, o silêncio dos justificados. Seu procedimento falará
por você de maneira muito mais eloquente do que qualquer defesa pessoal.
De qualquer maneira, não temos razão para sair
em defesa própria, nem diante de Deus, nem perante os homens. Diante do
tribunal divino, Cristo por nós. Diante dos tribunais humanos, Cristo em nós.
Continua amanhã.
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