sexta-feira, março 25, 2016

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Ele viveu um pesadelo para nos dar o direito de voltar a sonhar



Por Hermes C. Fernandes

Você já quis muito alguma coisa que a vida lhe negou? Por que somos seres desejantes? Por que nunca nos damos por satisfeitos? O que procuramos, afinal? E quando desejamos algo e a vida nos dá outro totalmente diferente? E se tivéssemos todos os desejos atendidos? Haveria, então, plena satisfação?

Os filósofos estoicos acreditavam que para vencer nossos desejos, deveríamos suprimi-los. Todavia, pode-se dizer que o desejo é fruto de uma necessidade. Logo, enfrentar as necessidades suprimindo os desejos seria como cortar os pés para não precisar de sapatos.

De fato, a necessidade cria o desejo. Todavia, o desejo cresce, se agiganta, deixando de ser motivado pela simples necessidade e tornando-se numa carência. E assim, o desejo transcende a necessidade. Desejamos até aquilo de que não precisamos. Trata-se, portanto, de uma espécie de sede, não de água, ou de qualquer outro elemento, mas de sentido, de significado, de propósito. O prazer é tão-somente o bônus de se haver se saciado.

No afã de sermos saciados, nos aventuramos em múltiplos relacionamentos como fez aquela samaritana abordada por Jesus à beira de um poço. Cinco relacionamentos não haviam dado conta de saciá-la. E o sexto se mostrava igualmente incapaz. Cada relacionamento era um poço no qual lançava seu cântaro, garantindo-lhe uma satisfação momentânea. A sede sempre voltava e ficava cada vez maior. Nem mesmo o receio de ter sua reputação destroçada era capaz de fazê-la recuar na sua incessante busca por satisfazer seus mais profundos desejos.

Sem lhe apontar o dedo ou lhe dar um discurso moralista, Jesus diz: “Qualquer que beber desta água tornará a ter sede; mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna” (João 4:13-14). Ela só entendeu a mensagem quando Jesus pediu que lhe trouxesse o seu marido. Até aquele instante, ela achava que aquele misterioso judeu lhe falava de uma sede literal.

Chega a ser desumano colocar sobre as pessoas expectativas que não possam corresponder. Nem elas dão conta de nos satisfazer, nem nós de satisfazê-las. A mulher samaritana não era a única frustrada nessa história. Cada um de seus maridos era igualmente um ser desejante que não conseguiu satisfazer-se em seu relacionamento com ela.

A solução que o mundo nos oferece para a satisfação de nossos desejos não passa de paliativo. É como tentar matar a sede com água salgada.

Quando não nos saciamos numa relação, projetamos nosso desejo em acontecimentos, tais como eventos, aquisição de bens materiais, realizações profissionais, etc. Contamos o dia e a hora pela chegada do tão esperado evento que nos saciará, porém, somos igualmente frustrados. A festa termina e lá se vai nossa alegria. As gargalhadas cedem ao tédio. Da euforia resultante do consumo de bebida alcoólica sobra a ressaca. Mas o pior de tudo é que aquela sede existencial persiste.

Talvez por isso, Jesus tenha deixado para se manifestar pela primeira vez em Jerusalém no último dia de uma grande festa.

“E no último dia, o grande dia da festa, Jesus pôs-se em pé, e clamou, dizendo: Se alguém tem sede, venha a mim, e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, do seu interior correrão rios de água viva. Ora, isto ele disse a respeito do Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito ainda não fora dado, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado.” João 7:37-39

Podia até parecer presunçoso que um morador da periferia da Galileia aparecesse do nada se dizendo capaz de saciar a sede de quem quisesse. Mas, o que motivou Jesus a isso foi constatar que ao fim da festa, todos se preparavam para voltar para seu lugar de origem com o coração frustrado e ainda sedento.

Jesus repete à multidão basicamente a mesma coisa que disse à samaritana, mas com algumas poucas adições. A condição para saciar-se n’Ele é crer como diz a Escritura. Não é crer como diz a tradição. Nem crer como diz uma ideologia, mas como diz a Escritura. Repare que “Escritura” aqui não está no plural, mas no singular. De que “Escritura” Jesus estaria falando? Provavelmente de algum trecho do Antigo Testamento. Mas de qual? Certamente de Isaías 55, onde lemos nos primeiros versos:

“Venham, todos vocês que estão com sede, venham às águas; e, vocês que não possuem dinheiro algum, venham, comprem e comam! Venham, comprem vinho e leite sem dinheiro e sem custo. Por que gastar dinheiro naquilo que não é pão e o seu trabalho árduo naquilo que não satisfaz? Escutem, escutem-me, e comam o que é bom, e a alma de vocês se deliciará na mais fina refeição. Deem ouvidos e venham a mim; ouçam-me, para que sua alma viva.” Isaías 55:1-3

Crer como diz esta Escritura é entender que não se trata de uma troca, de uma barganha, mas de algo oferecido gratuitamente. Tudo o que envolve troca não satisfaz verdadeiramente. Quando muito, oferece uma satisfação relâmpago, sem consistência e durabilidade.

No convite feito na festa, Jesus reafirma o fato de quem aquele que d’Ele beber terá sua sede saciada para sempre, e que de seu próprio interior fluirão rios de águas vivas. Isso não significa que deixaremos de ser seres desejantes. O desejo nos move. A falta dele nada mais é do que a própria morte. Porém, sabemos que aquilo que desejamos está sempre disponível, jorrando incessantemente de dentro de nós.

Em Sua fala com a samaritana, Jesus diz que tais águas vivas não apenas fluem, mas jorram, saltam na direção da vida eterna. A imagem que nos vem à mente é a de um exuberante chafariz, que chama a atenção de quem passa. Isso parece indicar que as águas que se instalaram em nós não visam apenas saciar-nos, mas também saciar aos que nos cercam.

Leia atentamente o que diz a passagem a seguir:

“Por isso estão diante do trono de Deus, e o servem de dia e de noite no seu templo; e aquele que está assentado sobre o trono os cobrirá com a sua sombra. Nunca mais terão fome, nunca mais terão sede; nem sol nem calma alguma cairá sobre eles. Porque o Cordeiro que está no meio do trono os apascentará, e lhes servirá de guia para as fontes vivas das águas; e Deus limpará de seus olhos toda a lágrima.” Apocalipse 7:15-17

Chama nossa atenção a promessa de aqueles que servem a Deus diuturnamente, nunca mais terão sede. Mas passa despercebido que tal fato se dá porque o Cordeiro os apascenta e os guia até “as fontes vivas das águas”. Reparou que “fontes” está no plural? Mas como pode isso, se Cristo é a única fonte de onde jorra a água da vida? Ora, é este mesmo Cristo que pelo Seu Espírito vem habitar em cada um de nós, tornando-nos um só espírito com Ele. Logo, cada um de nós é uma fonte que visa saciar a outros além de nós mesmos.

A mulher samaritana não podia saciar-se em seus múltiplos relacionamentos porque nenhum de seus maridos havia sido habitado pelo Espírito de Cristo. Nem tampouco ela poderia saciá-los. Porém, a partir do momento em que nos tornamos moradas de Cristo, as águas vivas que jorram do nosso interior vão de encontro aos anseios daqueles que nos cercam. Uma vez saciados, passamos a viver em função da satisfação de nosso semelhante. Queremos que ele desfrute da mesma alegria, do mesmo amor, da mesma fé, dos mesmos cuidados.

Fazemos coro com o Espírito Santo no convite feito a todos os homens:

“E o Espírito e a esposa dizem: Vem. E quem ouve, diga: Vem. E quem tem sede, venha; e quem quiser, tome de graça da água da vida.” Apocalipse 22:17

É de graça! Não envolve o pagamento de nada! E sabe porquê? Porque o preço já foi pago. Sai de graça para nós, mas custou caríssimo para Ele.

Lemos em João 19:28 que, “sabendo Jesus que todas as coisas já estavam consumadas, para que se cumprisse a Escritura, disse: Tenho sede.”

O que você faz se alguém bate à sua porta e diz que está com sede? Imagina alguém se esvaindo em sangue, perdendo todo o líquido de seu corpo, rogando por água... Qualquer ser humana se compadeceria. Mas em vez de água, “deram-lhe a beber vinho misturado com fel; mas ele, provando-o, não quis beber” (Mateus 27:34).


A mistura de vinho com fel produzia um entorpecimento análogo a de um poderoso anestésico. O que parecia um ato de crueldade era na verdade um gesto de misericórdia. Porém, Jesus se recusou a sorver aquela esponja embebecida.

Da mesma maneira, o mundo nos oferece entorpecentes para aliviar nossas frustrações, nossas dores mais profundas. Sorvemos até a última gota desta esponja embebecida. Temos a ilusão de que os desejos foram saciados. Mas eles ainda estão ali. Porém, suprimidos.

O apóstolo Paulo nos adverte a não nos embriagarmos com o vinho em que há devassidão, mas nos enchermos do Espírito Santo. O vinho representa tudo o que nos desliga da realidade, que disfarça nossa vulnerabilidade, que tira nosso foco, que engana nossos sentidos. Já o Espírito é o que nos devolve ao chão, que nos mantém em estado de constante vigília.

Podemos afirmar que naquele momento, Jesus vivenciou Seu maior pesadelo. Não bastasse toda a dor, a decepção de haver sido traído, o abandono de Seus discípulos, Ele agora tinha que lidar com o desejo não atendido. Porém, este era o preço para que todo ser humano pudesse voltar a sonhar.

Suas últimas palavras foram um brado: “Tetelestai!”, que significa “Está consumado!”

Este brado encontra eco no livro de Apocalipse, onde lemos:


“E o que estava assentado sobre o trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E disse-me: Escreve; porque estas palavras são verdadeiras e fiéis. E disse-me mais: Está cumprido. Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim. A quem quer que tiver sede, de graça lhe darei da fonte da água da vida.” Apocalipse 21:5-6

Um comentário:

  1. Anônimo2:17 AM

    Morreu para que nós pudéssemos viver ; ter vida eterna!!!

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