Por Hermes C. Fernandes
Você já quis muito alguma coisa que a vida lhe negou? Por que somos seres desejantes? Por que nunca
nos damos por satisfeitos? O que procuramos, afinal? E quando desejamos
algo e a vida nos dá outro totalmente diferente? E se tivéssemos todos os desejos atendidos? Haveria, então, plena
satisfação?
Os filósofos estoicos acreditavam que para vencer nossos desejos,
deveríamos suprimi-los. Todavia, pode-se dizer que o desejo é fruto de uma necessidade. Logo,
enfrentar as necessidades suprimindo os desejos seria como cortar os pés para
não precisar de sapatos.
De fato, a necessidade cria o desejo. Todavia, o desejo cresce,
se agiganta, deixando de ser motivado pela simples necessidade e tornando-se
numa carência. E assim, o desejo transcende a necessidade. Desejamos
até aquilo de que não precisamos. Trata-se, portanto, de uma espécie de sede,
não de água, ou de qualquer outro elemento, mas de sentido, de significado, de
propósito. O prazer é tão-somente o bônus de se haver se saciado.
No afã de sermos saciados, nos aventuramos em múltiplos
relacionamentos como fez aquela samaritana abordada por Jesus à beira de um
poço. Cinco relacionamentos não haviam dado conta de saciá-la. E o sexto se
mostrava igualmente incapaz. Cada relacionamento era um poço no qual lançava
seu cântaro, garantindo-lhe uma satisfação momentânea. A sede sempre voltava e
ficava cada vez maior. Nem mesmo o receio de ter sua reputação destroçada era
capaz de fazê-la recuar na sua incessante busca por satisfazer seus mais
profundos desejos.
Sem lhe apontar o dedo ou lhe dar um discurso moralista, Jesus
diz: “Qualquer que beber desta água
tornará a ter sede; mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá
sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte
para a vida eterna” (João 4:13-14). Ela só entendeu a mensagem quando Jesus pediu que lhe trouxesse o seu marido. Até aquele instante, ela achava que aquele misterioso judeu lhe falava de uma sede literal.
Chega a ser desumano colocar sobre as pessoas expectativas que
não possam corresponder. Nem elas dão conta de nos satisfazer, nem nós de
satisfazê-las. A mulher samaritana não era a única frustrada nessa história.
Cada um de seus maridos era igualmente um ser desejante que não conseguiu
satisfazer-se em seu relacionamento com ela.
A solução que o mundo nos oferece para a satisfação de
nossos desejos não passa de paliativo. É como tentar matar a sede com água
salgada.
Quando não nos saciamos numa relação, projetamos nosso
desejo em acontecimentos, tais como eventos, aquisição de bens materiais, realizações profissionais, etc. Contamos o dia e a hora pela chegada do tão esperado evento
que nos saciará, porém, somos igualmente frustrados. A festa termina e lá se
vai nossa alegria. As gargalhadas cedem ao tédio. Da euforia resultante do
consumo de bebida alcoólica sobra a ressaca. Mas o pior de tudo é que aquela
sede existencial persiste.
Talvez por isso, Jesus tenha deixado para se manifestar pela
primeira vez em Jerusalém no último dia de uma grande festa.
“E no último dia, o grande dia
da festa, Jesus pôs-se em pé, e clamou, dizendo: Se alguém tem sede, venha a
mim, e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, do seu interior correrão
rios de água viva. Ora, isto ele disse a respeito do Espírito que haviam de
receber os que nele cressem; pois o Espírito ainda não fora dado, porque Jesus
ainda não tinha sido glorificado.” João
7:37-39
Podia até parecer presunçoso que um morador da periferia da
Galileia aparecesse do nada se dizendo capaz de saciar a sede de quem quisesse.
Mas, o que motivou Jesus a isso foi constatar que ao fim da festa, todos se
preparavam para voltar para seu lugar de origem com o coração frustrado e ainda
sedento.
Jesus repete à multidão basicamente a mesma coisa que disse
à samaritana, mas com algumas poucas adições. A condição para saciar-se n’Ele é
crer como diz a Escritura. Não é crer como diz a tradição. Nem crer como diz
uma ideologia, mas como diz a Escritura. Repare que “Escritura” aqui não está
no plural, mas no singular. De que “Escritura” Jesus estaria falando?
Provavelmente de algum trecho do Antigo Testamento. Mas de qual? Certamente de
Isaías 55, onde lemos nos primeiros versos:
“Venham, todos vocês que estão
com sede, venham às águas; e, vocês que não possuem dinheiro algum, venham,
comprem e comam! Venham, comprem vinho e leite sem dinheiro e sem custo. Por
que gastar dinheiro naquilo que não é pão e o seu trabalho árduo naquilo que
não satisfaz? Escutem, escutem-me, e comam o que é bom, e a alma de vocês se
deliciará na mais fina refeição. Deem ouvidos e venham a mim; ouçam-me, para
que sua alma viva.” Isaías 55:1-3
Crer como diz esta Escritura é entender que não se trata de
uma troca, de uma barganha, mas de algo oferecido gratuitamente. Tudo o que
envolve troca não satisfaz verdadeiramente. Quando muito, oferece uma
satisfação relâmpago, sem consistência e durabilidade.
No convite feito na festa, Jesus reafirma o fato de quem
aquele que d’Ele beber terá sua sede saciada para sempre, e que de seu próprio
interior fluirão rios de águas vivas. Isso não significa que deixaremos de ser
seres desejantes. O desejo nos move. A falta dele nada mais é do que a própria
morte. Porém, sabemos que aquilo que desejamos está sempre disponível, jorrando
incessantemente de dentro de nós.
Em Sua fala com a samaritana, Jesus diz que tais águas vivas
não apenas fluem, mas jorram, saltam na direção da vida eterna. A imagem que nos
vem à mente é a de um exuberante chafariz, que chama a atenção de quem passa. Isso parece indicar que as águas que se instalaram em nós não
visam apenas saciar-nos, mas também saciar aos que nos cercam.
Leia atentamente o que diz a passagem a seguir:
“Por isso estão diante do trono
de Deus, e o servem de dia e de noite no seu templo; e aquele que está
assentado sobre o trono os cobrirá com a sua sombra. Nunca mais terão fome, nunca
mais terão sede; nem sol nem calma alguma cairá sobre eles. Porque o
Cordeiro que está no meio do trono os apascentará, e lhes servirá de guia
para as fontes vivas das águas; e Deus limpará de seus olhos toda a
lágrima.” Apocalipse 7:15-17
Chama nossa atenção
a promessa de aqueles que servem a Deus diuturnamente, nunca mais terão sede. Mas
passa despercebido que tal fato se dá porque o Cordeiro os apascenta e os guia
até “as fontes vivas das águas”. Reparou que “fontes” está no plural? Mas como
pode isso, se Cristo é a única fonte de onde jorra a água da vida? Ora, é este
mesmo Cristo que pelo Seu Espírito vem habitar em cada um de nós, tornando-nos
um só espírito com Ele. Logo, cada um de nós é uma fonte que visa saciar a
outros além de nós mesmos.
A mulher samaritana
não podia saciar-se em seus múltiplos relacionamentos porque nenhum de seus
maridos havia sido habitado pelo Espírito de Cristo. Nem tampouco ela poderia
saciá-los. Porém, a partir do momento em que nos tornamos moradas de Cristo, as
águas vivas que jorram do nosso interior vão de encontro aos anseios daqueles
que nos cercam. Uma vez saciados, passamos a viver em função da satisfação de
nosso semelhante. Queremos que ele desfrute da mesma alegria, do mesmo amor, da
mesma fé, dos mesmos cuidados.
Fazemos coro com o
Espírito Santo no convite feito a todos os homens:
“E o Espírito e a esposa
dizem: Vem. E quem ouve, diga: Vem. E quem tem sede, venha; e quem quiser, tome
de graça da água da vida.” Apocalipse 22:17
É de graça! Não envolve o pagamento de nada! E sabe
porquê? Porque o preço já foi pago. Sai de graça para nós, mas custou caríssimo
para Ele.
Lemos em João 19:28 que, “sabendo Jesus que todas as coisas já estavam consumadas, para que se
cumprisse a Escritura, disse: Tenho sede.”
O que você faz se alguém bate à sua porta e diz que está
com sede? Imagina alguém se esvaindo em sangue, perdendo todo o líquido de seu
corpo, rogando por água... Qualquer ser humana se compadeceria. Mas em vez de
água, “deram-lhe a beber vinho misturado
com fel; mas ele, provando-o, não quis beber” (Mateus 27:34).
A mistura de vinho com fel produzia um entorpecimento
análogo a de um poderoso anestésico. O que parecia um ato de crueldade era na
verdade um gesto de misericórdia. Porém, Jesus se recusou a sorver aquela
esponja embebecida.
Da mesma maneira, o mundo nos oferece entorpecentes para
aliviar nossas frustrações, nossas dores mais profundas. Sorvemos até a última
gota desta esponja embebecida. Temos a ilusão de que os desejos foram saciados.
Mas eles ainda estão ali. Porém, suprimidos.
O apóstolo Paulo nos adverte a não nos embriagarmos com o
vinho em que há devassidão, mas nos enchermos do Espírito Santo. O vinho
representa tudo o que nos desliga da realidade, que disfarça nossa
vulnerabilidade, que tira nosso foco, que engana nossos sentidos. Já o Espírito
é o que nos devolve ao chão, que nos mantém em estado de constante vigília.
Podemos afirmar que naquele momento, Jesus vivenciou Seu
maior pesadelo. Não bastasse toda a dor, a decepção de haver sido traído, o
abandono de Seus discípulos, Ele agora tinha que lidar com o desejo não
atendido. Porém, este era o preço para que todo ser humano pudesse voltar a
sonhar.
Suas últimas palavras foram um brado: “Tetelestai!”, que significa “Está
consumado!”
Este brado encontra eco no livro de Apocalipse, onde
lemos:
“E o que estava assentado
sobre o trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E disse-me: Escreve;
porque estas palavras são verdadeiras e fiéis. E disse-me mais: Está cumprido. Eu sou o Alfa e o Ômega,
o princípio e o fim. A quem quer que tiver sede, de graça lhe darei da fonte da
água da vida.” Apocalipse 21:5-6
Morreu para que nós pudéssemos viver ; ter vida eterna!!!
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