Por Hermes C. Fernandes
Sobre o que nossa fé
e espiritualidade estão alicerçadas? Se o
fundamento for errado, o que se dirá do restante do edifício? Como edificar
sobre um fundamento carcomido pelo egoísmo e pela presunção?
De acordo com Paulo, se
Cristo habita pela fé em nossos corações como geralmente temos afirmado,
deveríamos estar arraigados e fundados em amor.
O que temos, porém, constatado é que boa parte dos que se apresentam
como cristãos tem sua fé enraizada no medo, na culpa ou em interesses
mesquinhos.
Queremos Cristo, não pelo
que Ele é, mas pelo que Ele supostamente nos oferece. Queremos Cristo para
garantir que tenhamos o que comer, vestir e onde morar. Queremos Cristo para nos proteger dos ataques
do diabo. Queremos Cristo para nos livrar do peso da culpa. Queremos Cristo pelo
pavor que temos do inferno e da morte e não pelo privilégio de Sua doce companhia. No
fundo, não é bem a Ele que desejamos, mas a preservação de nós mesmos. Dizemos que
O amamos, mas estamos mesmos é apaixonados pelo nosso próprio ego. Trata-se,
portanto, de uma espiritualidade doentiamente narcísica, em que Cristo não
passa de um espelho onde refletimos nosso maior ídolo: o eu.
A partir daí, tudo
desanda. Se começa errado, como poderia terminar certo?
Somente estando devidamente
“arraigados e fundados em amor”, poderemos
“compreender perfeitamente, com todos os
santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade” do
amor de Cristo “que excede todo o
entendimento”, e assim, seremos “cheios
de toda a plenitude de Deus” (Efésios 3:17-19). O inverso deste processo
produzirá exatamente o resultado oposto. Se arraigados e fundados no medo (seja
do inferno, da morte, do diabo ou do que for), não poderemos jamais compreender as reais
dimensões do amor de Cristo, e, portanto, estaremos vazios de Deus e cheios de
nós mesmos. Veja porque nos deparamos com
tantos cristãos ensimesmados, intragáveis, presunçosos, que só sabem apontar o
dedo na cara dos outros, achando-se a última bolacha do pacote.
Vejamos, então, o sentido
das dimensões do amor apontadas por Paulo no texto em questão.
Para o apóstolo, o amor
não é apenas um sentimento abstrato, mas algo cujas dimensões podem ser
conhecidas. A primeira delas é a largura,
que nos revela a abrangência do amor de Cristo. Por não estarmos fundados e arraigados neste
amor, temos o mau hábito de estreitá-lo, reduzindo-o de maneira tal a não comportar
mais ninguém além nós. Achamo-nos detentores do copyright da verdade, e assim, vimo-nos no direito de excluir quem
quer que pense diferentemente de nós. Se em vez de estar nas mãos de Cristo, a
chave do inferno estivesse em nossas mãos, não titubearíamos em enviar para lá
todos os nossos desafetos. Somos tão reducionistas que não duvido que alguns
de nós tenham a pretensão de lotear o céu, garantindo um condomínio fechado
exclusivo para os que pensam exatamente como eles. Se não for possível
impedi-los de chegar lá, vamos, ao menos, nos empenhar para que os mantenhamos
o mais afastados possível. Que bom que o céu deve ser grande o suficiente para
isso. Esperamos não ter que cruzar com nenhum deles por lá. Não é porque Deus
costuma ser misericordioso que somos obrigados a aturar gente chata.
Após citar esta
inconveniente medida (largura), Paulo menciona o comprimento. Aqui todos parecem concordar. Quer dizer, quase todos. Quem não se simpatizaria com a ideia de que
o amor de Deus por nós é eterno? Nada há que possa alterar o que Ele sente por
nós. E esta é a razão pela qual a salvação não pode ser perdida. Calvinistas
têm verdadeiros orgasmos intelectuais diante desta verdade.
Repare nisso: enquanto
arminianos enfatizam a largura do amor de Deus (sempre cabe mais um, basta
querer), os calvinistas enfatizam seu comprimento (que seja eterno enquanto
dure). Como se uma coisa excluísse a outra. Se for tão comprido assim, tem que
ser estreito. Não pode incluir mais ninguém além de nós. Ou se for assim tão
largo, não pode ter toda esta extensão. Qualquer que estiver dentro, pode cair
fora a hora que bem entender.
Para o calvinista, Deus é
Todo-poderoso. Para o arminiano, Ele é Todo-amoroso. Para o calvinista, Ele até
pode salvar a todos, porém, não quer. Para o arminiano, Ele quer salvar a todos,
porém, não pode devido à restrição imposta pelo livre-arbítrio.
Posso arriscar um palpite?
Se ambos entendessem as outras duas dimensões do amor tudo isso se
equacionaria. Mas eles insistem em enfatizar uma única dimensão do amor de
Deus.
Além da largura e do
comprimento, Paulo também menciona a altura e a profundidade do amor de Cristo.
O que tais dimensões representariam, afinal?
Quando se fala de altura,
está se referindo a uma posição de onde se tem uma visão panorâmica da
realidade. Cristo está acima de tudo e todos, reinando soberanamente e cuidando
para que todos os Seus propósitos sejam consumados. Do alto de Sua majestade, Ele enxerga o futuro
com a mesma precisão com que enxerga o presente. Nada há que possa
surpreendê-lo. Não imagine que Ele seja um mero espectador da história, assistindo
impotente ao desenrolar da trama humana. Em vez disso, Ele mantém em Suas
habilidosas mãos as rédeas do universo. Somente assim, Ele poderia garantir que
todas as coisas cooperassem em conjunto para o nosso bem (Romanos 8:28). Todo
calvinista concordaria com isso. Portanto, poderia se dizer que na perspectiva
calvinista o amor de Deus é ao menos bidimensional. Somente a altura deste amor
garantiria o seu comprimento. E sobre isso repousa a segurança de nossa
salvação.
Porém, para alguns,
principalmente os adeptos da chamada teologia de processo ou teísmo aberto,
Cristo não ocupa um lugar tão alto de onde possa ver todas as coisas. Portanto,
o futuro seria incerto. Nada, absolutamente nada estaria garantido. Deus estaria no alto, mas não tão alto assim.
Para os hipercalvinistas,
Deus não apenas está no topo do universo, como controla minimamente cada
detalhe, sendo indiretamente responsável até pelas nossas más escolhas. Para
estes, nossa liberdade restringiria a Sua soberania. Cá com os meus botões, pergunto-me se não seria exatamente o
contrário. Somente um Deus absolutamente soberano jamais se sentiria ameaçado pela
liberdade de Suas criaturas. De acordo com Jesus, o reino de Deus não teria a
ver com controle absoluto, mas com cuidado pleno. Portanto, não tem a ver com o poder
em si, mas com amor. Sendo assim, não seríamos meras marionetes em Suas mãos,
mas agentes livres, responsáveis por suas escolhas, ainda que previamente conhecidas
por Deus. Mesmo que nosso arbítrio tenha
sido comprometido pelo pecado, somos dotados de livre agência. Caso contrário, como poderíamos responder por nossos atos diante de Deus, o Supremo Juiz?
De todas as dimensões do
amor de Deus, nenhuma é mais desprezada ou ignorada do que a profundidade.
Por ser tão alto, o amor
de Deus enxerga para além do horizonte histórico. E por ser tão profundo, ele
alcança até as esferas inferiores da existência. Não há ambiência que seja à
prova do Seu amor. Não há cofre tão seguro que não seja vulnerável a ele. Por
isso Davi exclamou: “Para onde me irei do
teu espírito, ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, lá tu estás;
se fizer no inferno a minha cama, eis que tu ali estás também” (Salmos 139:7-8).
Ao ser apresentado em
Apocalipse como tendo a chave do inferno, Cristo não ocupa da função de
carcereiro, mas de libertador. Por isso as portas do inferno não podem
prevalecer contra a igreja. Tampouco precisam ser arrombadas, uma vez que Ele mesmo as abre
a fim de evacuá-lo, trazendo para fora os que foram e continuarão sendo alvo de Seu
teimoso amor.
Se o amor jamais falha,
conforme lemos no capítulo treze da primeira epístola de Paulo aos Coríntios, então, não haverá
um momento em que Cristo desistirá de amar às Suas criaturas. Seu amor é tão
largo, tão abrangente, que abarca a criação como um todo. Mas ele também é tão
profundo que Cristo foi capaz de descer ao inferno para anunciar aos espíritos aprisionados
a vitória da misericórdia sobre o juízo (1 Pedro 3:18-19; Tiago 2:13).
As chamas do inferno não
podem rivalizar com as chamas do amor de Deus. Somente estas são eternas. Quem nos convenceu a subestimá-lo? Haveria maior pecado do que este?
Após mencionar as
dimensões do amor de Cristo, Paulo conclui dizendo que Deus é
poderoso para fazer tudo “muito mais
abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos” (v.20). Portanto,
estejamos preparados para surpresas. Onde abundou o pecado, a graça deve
superabundar. O estrago feito pelo pecado não é páreo para a grandiosidade da
graça. Não ouse diminuí-la. Não se atreva a reduzi-la às suas expectativas
egoístas. Os planos divinos vão muito além de nossos pedidos e pensamentos
infantis.
Ele é bem mais poderoso do
que imaginam os arminianos. Bem mais amoroso do que imaginam os calvinistas. E
um dia, quando Cristo Se manifestar em glória, Ele há de ser tudo em todos,
quer você concorde ou não (1 Coríntios 15:28).
Se quiser se inteirar deste assunto, acesse os seguintes links:
Discerne o velho e único acusador?
ResponderExcluirBom dia! Paz. Bispo que belo texto!!!! É nisso que eu creio. Abc
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