Por Hermes C. Fernandes
O Doador de Memórias (The Giver) é um filme de ficção científica e drama, dirigido por Phillip Noyce e produzido pela Walden Media. O filme é estrelado por Brenton Thwaites, Meryl Streep, Jeff Bridges e Taylor Swift. É baseado no livro homônimo da escritora norte-americana Lois Lowry.
Engana-se quem pensa tratar-se de mais um desses filmes adolescentes do tipo "Jogo Vorazes" e "Divergente". Não vá em busca de muita ação e romance, você poderá se decepcionar. Trata-se de um drama de aspirações filosóficas complexas, onde o papel do Estado é questionado, nossa visão de mundo é posta em xeque.
Uma pequena comunidade vive em um mundo aparentemente ideal, sem doenças, guerras, racismo, tristezas, mas também sem sentimentos. Cada membro desta comunidade, depois de exaustivamente observado pelos anciãos desde seu nascimento, ao completar certa idade, é encarregado de uma função específica de acordo com a vocação revelada em sua trajetória. As pessoas atuam na profissão escolhida pelos anciãos, não fazem sexo (os bebês são criados artificialmente) e moram num mundo literalmente em preto e branco. Para complicar ainda mais a situação, os habitantes não têm memórias, portanto, desconhecem sua própria história. Apenas uma pessoa é encarregada de armazenar as memórias coletivas, de forma a poupar os demais habitantes do sofrimento e guiá-los com sabedoria. De tempos em tempos esta tarefa muda de mãos e desta vez, o jovem Jonas foi o escolhido para a árdua tarefa, e precisará passar por um duro treinamento, apesar do espírito rebelde e contrário ao sistema. Curioso, Jonas acaba por descobrir que algo ocorreu no passado para que o mundo se tornasse nessa falsa utopia, e uma verdadeira distopia.
O jovem constata que toda aquela aparente harmonia é fruto da ignorância. As pessoas nem sequer são capazes de enxergar as cores, sendo privados de sentimentos comuns à humanidade. Todos os dias, assim que acordam, submetem-se a um medicamento convencidas de que estão sendo poupados de todo e qualquer sofrimento.
Diferentemente de outros filmes de ficção, "O Doador de Memórias" não tem propriamente vilões, mas apenas pessoas convencidas de quem suas decisões, apesar de questionáveis, visam o melhor para a comunidade.
Definitivamente, não é uma película para nos fazer saltar da cadeira tomados de fortes emoções. Até há momentos bem emocionantes, porém, o mérito dele é nos fazer refletir. Somos levados a pensar sobre o mundo em que vivemos e o mundo que queremos. Será que é nessa direção que estamos caminhando? Será que o preço pela harmonia é a nossa liberdade? Teremos que abdicar daquilo que nos torna humanos?
Muitos dos elementos apresentados no filme já são incipientes em nossos dias. Não perdemos a memória, todavia, somos constantemente expostos à versão da história contada pelos vencedores. Portanto, trata-se de uma memória fake. Nem tudo é como nos contaram. De quê, afinal, estamos sendo poupados? E de quê jamais deveríamos ser privados?
Tal qual na trama cinematográfica, tornamo-nos daltônicos, ao menos, metaforicamente. Enxergamos a vida com a cores que nos são permitidas ver. A liberdade que tanto prezamos não passa de um embuste, pois somos condicionados a dar sempre as mesmas respostas. Tornamos-nos desconcertantemente previsíveis. E nem nos damos conta de quanto isso dói. Estamos, por assim dizer, anestesiados.
A droga que nos prescreveram é-nos ministrada diuturnamente, quer pela mídia, quer pela religião, ou mesmo pelas instituições de ensino.
E quando alguém ousa romper com os padrões, apontando-nos cores que ainda não logramos ver, logo o tachamos de herege ou coisa bem pior.
Interessante que uma das primeiras coisas cuja cor foi vislumbrada por Jonas foi uma maçã, fruto geralmente associado àquilo que em teologia chamamos de "A Queda". O fruto que prometia abrir nossos olhos, cegou-nos. A promessa de que seríamos como Deus mostrou-se falsa. A vida desbotou-se de seu colorido original.
Na conversa travada entre o tutor de Jonas, aquele que lhe transmitiria do dom das memórias perdidas, e a principal anciã, zelosa pela manutenção do status quo, ele lhe apresenta a tríade paulina das coisas mais importantes de que jamais poderíamos abrir mão: a fé, a esperança e o amor. Sem estes elementos, o mundo perde não apenas suas cores, mas também seus sabores, seus odores, sua essência.
Posso enxergar em Jonas um tipo de Cristo, o rebelde que nos conclama a romper com a distopia imposta pelo sistema e avançar para além de suas fronteiras, vislumbrando e desbravando a utopia do reino de Deus.
Um mundo indolor, da maneira como tem sido sonhado por muitos, também seria um mundo incolor, inodoro, insosso, enfim, completamente sem graça. Mas não exatamente isso que encerra a utopia do reino? Deixe-me explicar: Só há duas maneiras de ser poupado da dor: ser curado daquilo que a provoca ou simplesmente perder a sensibilidade. A proposta do reino de Deus pode ser resumida na promessa de que "Deus limpará dos olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas" (Ap.21:4). Não seremos poupados da dor pela via da perda da sensibilidade, do anestesiamento, mas pelo fato de que tudo o que a provoca terá sido definitivamente banido de nosso mundo. E quando diz que não haverá lembrança das coisas passadas, não se trata de uma amnésia coletiva, e sim de que nossa memória teria sido curada dor. Uma vez compreendendo os propósitos por trás dos fatos, mesmo os mais dolorosos, sua lembrança já não nos perturbará. Se os registros de nossa mente fossem apagados, não haveria razão para expressarmos nossas ações de graça Àquele que nos conduziu desde nosso doloroso parto até a glória definitiva.
É este mesmo Cristo, a quem o profeta se refere como "homem de dores" (Is.53:3), que recusou tomar a mistura oferecida pelos soldados romanos que visava amenizar sua dor. A dor, afinal, é não uma maldição, mas uma bênção, porquanto nos alerte de que algo esteja errado em nosso organismo. Da mesma forma, nossas memórias são uma bênção, desde que nos sirvam de mestre e não de carcereiro e algoz.
Um mundo indolor, da maneira como tem sido sonhado por muitos, também seria um mundo incolor, inodoro, insosso, enfim, completamente sem graça. Mas não exatamente isso que encerra a utopia do reino? Deixe-me explicar: Só há duas maneiras de ser poupado da dor: ser curado daquilo que a provoca ou simplesmente perder a sensibilidade. A proposta do reino de Deus pode ser resumida na promessa de que "Deus limpará dos olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas" (Ap.21:4). Não seremos poupados da dor pela via da perda da sensibilidade, do anestesiamento, mas pelo fato de que tudo o que a provoca terá sido definitivamente banido de nosso mundo. E quando diz que não haverá lembrança das coisas passadas, não se trata de uma amnésia coletiva, e sim de que nossa memória teria sido curada dor. Uma vez compreendendo os propósitos por trás dos fatos, mesmo os mais dolorosos, sua lembrança já não nos perturbará. Se os registros de nossa mente fossem apagados, não haveria razão para expressarmos nossas ações de graça Àquele que nos conduziu desde nosso doloroso parto até a glória definitiva.
É este mesmo Cristo, a quem o profeta se refere como "homem de dores" (Is.53:3), que recusou tomar a mistura oferecida pelos soldados romanos que visava amenizar sua dor. A dor, afinal, é não uma maldição, mas uma bênção, porquanto nos alerte de que algo esteja errado em nosso organismo. Da mesma forma, nossas memórias são uma bênção, desde que nos sirvam de mestre e não de carcereiro e algoz.
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