quarta-feira, setembro 03, 2014

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Igreja sem rabo preso




“A política é a arte de obter dinheiro dos ricos e votos dos pobres, com o fim de proteger uns dos outros.” Noel Clarasó, escritor espanhol



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efinitivamente, não há posição mais confortável do que a proporcionada pela isenção. Não ter rabo preso com ninguém, nem tampouco estar comprometido ideologicamente, me oferece as condições necessárias para poder avaliar cada candidatura e suas respectivas propostas sem paixões desmedidas. Comprometi-me com a minha consciência de que não usarei minha influência e liderança para induzir quem quer que seja a votar nesta ou naquela candidatura. Por mais que me sinta atraído por uma ou outra, não sairei em sua defesa. Mas não posso fazer vista grossa com os argumentos usados por alguns líderes para convencer os membros de sua igreja a apoiar seus candidatos.

Um dos mais usados é o que usa o exemplo de José de Arimatéia, membro do Sinédrio, que intercedeu junto a Pilatos para que liberasse o corpo de Jesus para ser sepultado. Não fosse sua intervenção, o corpo de Jesus teria tido destino semelhante aos dos outros crucificados: apodreceria na cruz até ser comido por urubus. De igual modo, a igreja, Corpo Místico de Cristo, necessitaria de quem representasse seus interesses nas esferas de poder.

Primeiro, não somos um corpo inanimado, um cadáver, como era, então, o corpo de Jesus. Não precisamos de quem nos carregue, nem mesmo de quem nos proteja. Estamos assentados nos lugares celestiais em Cristo, muito acima de qualquer autoridade, seja terrena ou espiritual (Ef.2:6). A posição de Advogado da igreja já está devidamente ocupada. Quem defende nossa causa é Cristo!

Ademais, a igreja não carece de quem a enterre, lançando uma pá de cal sobre a sua credibilidade e relevância.

Segundo, precisamos de quem defenda o direito do pobre, dos excluídos, dos desfavorecidos deste sistema iníquo, e não de quem faça lobby em favor dos interesses eclesiásticos.

Leia atentamente:

"Abre a tua boca a favor do mudo, a favor do direito de todos os desamparados. Abre a tua boca; julga retamente, e faze justiça aos pobres e aos necessitados." 
Provérbios 31:8-9

O sucesso da igreja no cumprimento de sua missão não depende da intervenção ou ajuda do Estado. Pelo contrário, ela geralmente prospera mais onde o Estado lhe faz oposição. Veja o exemplo da China, onde a igreja mantém-se na clandestinidade, reunindo-se em salas subterrâneas. Em nenhum outro lugar ela tem crescido tanto.

Quando Paulo se viu perante as autoridades do seu tempo, ele não fez lobby pela igreja, mas deu testemunho da verdade do Evangelho. “Nada podemos contra a verdade, senão em favor da verdade” (2 Co.13:8), dizia ele. Era em defesa do evangelho, e não da igreja, que o apóstolo militava (Fp.1:17).

Que Deus levante em nossos dias líderes e cristãos comprometidos com o Reino e com a causa dos necessitados, mesmo quando isso representar qualquer prejuízo às instituições a que chamamos de igrejas.

Não se trata de adotar uma postura apolítica, e sim de não se comprometer com qualquer partido ou ideologia. Que jamais saiamos em defesa deste ou daquele regime. Fomos chamados por Deus para pregar o Seu Reino e a Sua Justiça.

É sempre preferível nos manter numa posição de total isenção, que nos dará condição moral de denunciar as mazelas de qualquer que seja o sistema político. Sem esta isenção, perdemos a eficácia profética no mundo.

Foi este tipo de isenção que deu a Jesus a condição moral de elogiar um centurião romano por sua fé, sem com isso endossar o domínio imperial. Sem isenção, João Batista jamais poderia denunciar os erros praticados por Herodes. Nem presentes ou privilégios oferecidos pelo monarca eram capazes de calá-lo. Não foi à toa que sua cabeça acabou num prato. Um profeta que não se vende vale mais do que a metade de um reino (Mc.6:23), em contrapartida, o que tem sua alma etiquetada não vale coisa alguma.

Bem faríamos em dar ouvidos à advertência de Jesus a Seus discípulos: “Guardai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes” (Mc.8:15).  O fermento é o recurso usado para promover o crescimento rápido da massa. Todavia, o que se vê ali não é, de fato, crescimento, mas, tão somente inchação.

Uma das principais razões pelas quais alguns se rendem ao assédio dos poderosos é o desejo de atrair para si os holofotes e alcançar relevância política. Em nome disso, conchavos são celebrados, sejam com os fariseus ou com Herodes, com os rótulos religiosos/doutrinários ou com os rótulos políticos/ideológicos. E assim, a massa inteira fica comprometida. Basta uma pitada de fermento para levedá-la por completo (Gl.5:9). No afã de obter a atenção dos novos Herodes, marchas e eventos que visam demonstrar nossa força são promovidos. Multidões nas ruas são sinônimo de capital político, poder de barganha. Seria ingênuo imaginar que o objetivo de tais concentrações seja a evangelização ou mesmo a glória de Deus. Como a enteada de Herodes, o que se almeja é seduzi-lo com sua dança insinuante. Depois de deixá-lo encantado, poderemos pedir dele o que bem entendermos: riquezas, influência, cargos, privilégios, concessões, e até a cabeça de algum desafeto.

O que muitos líderes parecem desconhecer é que a proposta do reino vai totalmente na contramão de tudo isso. A massa na qual Deus está trabalhando é completamente nova e dispensa qualquer fermento. Por isso, Paulo é tão incisivo ao ordenar: “Lançai fora o fermento velho, para que sejais uma nova massa, assim como sois sem fermento. Pois Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós. Pelo que celebremos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da malícia, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade” (1 Co. 5:7-8).

A esposa de Cristo não pode ser teúda e manteúda de Herodes.

Mesmo um descomprometido flerte pode invalidar nosso testemunho e nos colocar numa posição constrangedora. Ao aproximar-nos de um segmento, estaremos nos distanciando daquele que lhe faz oposição. Hoje, são adversários. Amanhã, aliados. Meter-se em briga política é como tomar partido por um dos cônjuges quando se divorciam. Se eventualmente retornarem, adivinha quem ficará mal na história?

Herodes e Pilatos eram inimigos políticos. Ambos estavam sob a autoridade de César, mas não se bicavam. Querendo livrar-se da responsabilidade de julgar um rabi que gozava de boa popularidade, Pilatos enviou Jesus a Herodes, alegando que, por ser galileu, estava em sua jurisdição. O monarca fantoche de Roma divertiu-se à custa de Jesus. Pediu que lhe fizesse um sinal. Fez-lhe perguntas. Porém, em momento algum Jesus correspondeu às suas expectativas. Não querendo ficar mal com os sacerdotes, nem com o povo, Herodes enviou Jesus de volta a Pilatos. Isso soou para o governador da Judeia como o reconhecimento de sua autoridade. Resultado: “Nesse mesmo dia Pilatos e Herodes tornaram-se amigos” (Lc.23:12).

Quantas vezes já não vimos acontecer coisa semelhante no cenário político nacional? Os adversários de hoje, tornam-se aliados amanhã. Quem xingou o outro de ladrão em rede nacional, agora compõe chapa com o mesmo. Alianças esdrúxulas são feitas, minando assim o que restou de credibilidade na classe política. Se ao menos fossem frutos da consciência, seriam mais digeríveis, mas pelo que se constata, são frutos da conveniência. Tão logo passe a oportunidade eleitoreira, voltam a ser o que sempre foram: inimigos.

A recente amizade entre Herodes e Pilatos não fez a menor diferença para Jesus que se manteve neutro em todo o tempo. Em momento algum Jesus esfregou Sua popularidade na cara deles, afim de colher algum benefício. Ele bem que poderia ter dito algo do tipo: Vocês viram a multidão gritando meu nome? Tenho capital político para enfrentá-los e derrubá-los. Em vez disso, Ele disse: “O meu reino não é deste mundo, se fosse, os meus servos lutariam para impedir que os judeus me prendessem. Mas agora o meu reino não é daqui” (Jo.18:36).

A falta de isenção nos expõe a saias justas como a do profeta Natan, que após incentivar a Davi a dar continuidade ao seu projeto de construção do templo, foi ordenado por Deus a retornar ao palácio para dizer que não seria ele que o edificaria, mas aquele que depois dele viria, isto é, seu filho Salomão (2 Sm.7:1-13). Imagine como deve ter sido difícil para o mesmo profeta chamar a atenção de Davi quando pecou! Natan teve que apelar para uma parábola, em vez de ser direto, curto e grosso (2 Sm.12:1-7). Tudo isso devido ao seu comprometimento.

A igreja cristã tem que ser voz profética no mundo, e para tal, usando um português mais claro, não pode ter rabo preso com ninguém.


Somente assim, teremos autonomia para dizer o que pensamos. O que for bom, a gente aplaude. O que for ruim, a gente denuncia. Venha de onde vier!

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