sexta-feira, abril 11, 2014

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Ao meu pai com amor



Meu pai,

Antes de tudo, quero lhe agradecer por visitar meus sonhos. Por vários anos depois de sua partida, ficava triste cada vez que sonhava com o senhor. Isso me deixava tão confuso. Eu deveria comemorar por ter a oportunidade de revê-lo, mas em vez disso, sentia uma angústia inexplicável. Quanta culpa senti por isso. Só recentemente, pude perceber a razão da minha tristeza: a consciência de que aquilo era apenas um sonho e que, ao acordar, o senhor não estaria ali. Porém, ainda mais recentemente, comecei a imaginar que do jeito que o senhor era convincente, brincalhão e amoroso, talvez o senhor tenha conseguido uma liberação especial do céu para frequentar meus sonhos. A partir daí, toda vez que recebo sua visita onírica, sinto indizível alegria.  É como se Deus houvesse fechado a porta de comunicação entre o mundo dos vivos e o mundo dos que partiram, porém, deixou-nos aberta a janela dos sonhos. Se pudesse escolher, preferiria revê-lo em meus sonhos todas as noites e até nas sonecas de domingo à tarde. E já que Deus nos fez a concessão de ver, sem querer abusar, gostaria muito que Ele também nos concedesse bater um bom papo. 

Tenho saudade de ouvir sua voz, pai. Rouca, firme e cansada de tanto pregar, mas sempre cheia de graça e ternura. Saudade de suas brincadeiras. Pena que as gravações que tenho em casa são só de suas pregações. Tenho medo de me esquecer do som de suas gargalhadas. De quando implicava com minha mãe e meus irmãos. 

Lembro-me que em um de nossas últimas conversas, o senhor apontou para o céu estrelado e me disse: "Está vendo aquelas estrelas? Minha mente as alcança, mas meu corpo não acompanha." O que me consola é saber que agora sua mente está livre para alcançar as estrelas. 

Estou certo de que ao deixar a presente era, o senhor foi ao encontro do futuro e lá se reencontrou conosco, conheceu seus netos e bisnetos e saudou àqueles que o antecederam na jornada da existência.

A dor da ausência insiste em nós. Que bom que o senhor foi poupado dela. Foi sua partida que me levou a repensar muita coisa acerca da eternidade, fazendo-me romper com a ideia do estado intermediário e a acreditar que ao deixarmos o tempo e o espaço, somos remetidos diretamente ao dia do Senhor, reencontrando imediatamente todos dos quais nos despedimos ao partir. Que consolo isso me gerou. O senhor vive no futuro para estou a caminhar. 

Muito do que hoje eu ensino nada mais é do que a elaboração daquilo que me veio por insight enquanto lhe ouvia pregar. Devo-lhe tudo, pai. 

Obrigado pela oportunidade que o senhor me deu de lhe expor o que Deus havia revelado ao meu coração pouco antes do senhor partir. Jamais me esquecerei de ouvi-lo concordar com a doutrina que abracei. 

Sei que no início foi difícil, tumultuado, desconsertante. Mas o senhor soube me ouvir. E ainda me confiou a responsabilidade de falar da graça de Deus para minha avó em seu leito de morte.

Meu maior orgulho era ouvir das pessoas o quanto eu parecia com o senhor. Apesar disso, acho que jamais chegarei à sua estatura espiritual. Mas sigo me perguntando a cada novo passo que tenho que dar: o que meu velho pai faria?

Isso tem abalizado minha conduta tanto no ministério, quanto na condução da minha família. Foi graças a isso que pude me manter de pé toda vez que fui vítima da ingratidão de alguns. Como poderia me esquecer do seu exemplo e do amor com que o senhor tratava aqueles que não lhe eram fiéis? 

Alguns tomaram seus ensinos, misturaram a todo tipo de prática e interesses escusos e fizeram fortunas. Sinceramente, acho que não entenderam bem o que o senhor intentava passar-lhes. Porém, outros se mantiveram fiéis, trabalhando pelo reino de Deus e não na construção de impérios particulares.

Nossa família continua unida, pai. Aprendemos com o senhor que família que ora unida, permanece unida. Minha mãe, sua fiel companheira, meus irmãos Elias, Odissea, Odília, Mirilayne e Júnior são exemplos para seus filhos. Seus netos Rayane, Rhuan, Revelyn, Carolina, Esther, Alexandre, Jonathan, Vitória, Gustavo, Pedro Cecílio, Gabriel, Milena, Mikaela e Nicole são presentes de Deus para nós e aprenderam a se orgulhar do avô que tiveram. Seus genros e noras, Tânia, Flávia, Alexandre, Jorge, Rodrigo e Jociléia também têm sido bênçãos na vida de seus filhos e netos.

Dia desses, pai, levei minha filha caçula para ser matriculada no curso de Psicologia da Universidade Federal Fluminense em Niterói. Enquanto ela preenchia os papéis, lembrei de quantas vezes atravessei a Baía da Guanabara acompanhado do senhor e de minha mãe. Agora, todos os dias minha filha toma a mesma barca que o senhor e mamãe tomavam para vir ao Rio fazer a obra missionária. 

Foi com o senhor que aprendi a perdoar, a me calar diante das acusações, a estender as mãos a quem me caluniou, a orar pelos inimigos e desejar que sejam abençoados. Foi com o senhor que aprendi a ser firme em meus posicionamentos, a não me render aos modismos doutrinários, a não reagir às provocações. Foi com o senhor que aprendi a ser solidário com os sofredores, a respeitar os de crença diferente da minha. Foi com o senhor que aprendi que a igreja não deve se restringir ao espaço do templo, mas deve sair às ruas e clamar por paz e justiça. Foi com o senhor que aprendi que mais poderosa mensagem jamais pregada é o amor. Foi com o senhor que aprendi a promover o bem, sem fazer alarde, pedindo que as pessoas não divulgassem. 

Espero poder transmitir às próximas gerações tudo o que recebi dos seus lábios, pai, e assim, fazer com que esta chama que um dia ardeu em seu peito, e que hoje arde em meu, possa arder no peito dos seus netos e bisnetos, alcançando até a última geração que precederá a manifestação do Rei.

Te amarei para sempre, pai.

P.S. - Não deixe de aparecer com mais frequência em meus sonhos.


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