terça-feira, dezembro 23, 2014

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O Natal numa perspectiva RADICALMENTE subversiva



Por Hermes C. Fernandes

Natal é a história de um Deus que Se esvazia, abre mão de Sua glória, para sair ao encontro de Sua criatura extraviada.

Nesta época do ano, muitos textos são usados como base para os sermões natalinos. Amo todos eles. Gosto dos detalhes oferecidos por Lucas. Aprecio a ponte que Mateus faz entre os acontecimentos e as profecias. Inspiro-me na ousadia de João ao expor a origem divina e atemporal do Messias. Mas para mim, o texto que melhor revela o propósito do Natal foi escrito por Paulo e está registrado em Filipenses, capítulo 2.

Paulo não se atém ao significado da encarnação de Cristo para os homens, mas aborda o seu significado para o próprio Cristo.

De acordo com o apóstolo, devemos ter “o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus”(v.5). A partir desta admoestação, Paulo nos abre um leque, descortinando-nos o que representou tal experiência para Jesus.

1 – “Sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus...” – Para nos redimir, Cristo teve que tomar a contramão. O pecado inaugural foi ceder ao apelo da serpente que dizia: “Sereis como Deus...” (Gn.3:5b). Para reverter isso, Jesus teve que recapitular a mesma história, embora em cenários diferentes (Adão foi tentado num jardim, cerca de árvores frutíferas, e caiu. Jesus foi tentado no deserto, depois de quarenta dias sem comer, e resistiu). Diferente do primeiro homem, Ele não usurpou ser igual a Deus, ainda que fosse “em forma de Deus”. Em vez de agir com autonomia, Ele preferiu colocar-Se numa posição de total dependência do Pai, obedecendo-O em tudo (Jo.8:28-29; 12:49).

2 – “...mas a si mesmo se esvaziou...” – Lá estava Ele, deitado numa manjedoura, chorando como um bebê qualquer. Deus vazio! Deixou Seu trono de glória para hospedar-Se por nove meses no ventre de uma mulher. O Deus Onipresente confinado e protegido numa placenta, nadando no líquido amniótico. O Criador dos buracos negros, das passagens dimensionais existentes no Cosmos, teve que passar pela mesma fresta apertada por onde todo ser humano passa num parto natural. O ambiente em que nascera era fétido, sem as mínimas condições higiênicas que oferecessem conforto e segurança, tanto à parturiente, quanto ao recém-nascido. Em vez de cânticos angelicais, o que se ouviu foi o barulho característico dos animais que ali eram guardados. O Deus que fez os céus e a terra, e que mantém cada partícula do Universo pela Palavra do Seu poder, agora estava ali, frágil, vulnerável, inaugurando Seus pulmões com um choro estridente. Quem deve ter dado aquela palmada básica no bumbum do Deus menino? Não havia nenhum obstetra de plantão em Belém! Nem mesmo uma parteira experiente. É plausível acreditar que o próprio José tenha feito o trabalho, aparando o menino.

Se a hipótese do zoólogo alemão Ernst Haeckel for verdadeira, então, ao esvaziar-se, tornando-se um embrião, Jesus recapitulou todos os estágios evolutivos pelos quais a humanidade e cada ser vivo vertebrado passou desde seu surgimento na terra. Segundo esta teoria, a ontogonia recapitularia a filogenia, isto é, o desenvolvimento de um organismo refletiria exatamente o desenvolvimento evolucionário das espécies. Isso explicaria a razão pela qual o embrião humano passaria por etapas em que aparentaria um peixe, dotado de guelras, e, num estágio posterior, um réptil dotado de cauda, ambos desaparecendo antes de chegar à etapa anterior ao nascimento. Durante os primeiros estágios, todos os vertebrados seriam idênticos. A comprovação desta teoria redimensionaria a compreensão que temos do mistério da encarnação de Cristo, e encontraria eco no ensino paulino de que Ele assumiu a totalidade da criação em Si mesmo a fim de reconciliá-la com Deus. Sua encarnação, portanto, visaria a redenção de toda a criação, incluindo o processo evolutivo pelo qual houvesse passado ao longo das eras. 

3 – “...tomando a forma de servo...” – Jesus Se identificou com as camadas mais pobres da sociedade. Embora pertencente a uma estirpe real (por isso era chamado “Filho de Davi”), teve que trabalhar desde cedo, aprendendo o ofício de Seu pai adotivo. Aquele que modelou as montanhas e os vales da Terra, que plantou as grandes florestas tropicais, agora tinha que aprender a arte da carpintaria.

4 – “...fazendo-se semelhante aos homens...”- Ele não era um embuste. Era 100% humano (embora em Sua essência fosse 100% Deus). Por isso, teve fome e sede, como demonstrado na tentação no deserto (Mt. 4). Se não fosse assim, Sua cruz seria uma encenação, e Sua morte teria sido a maior trapaça de que se tem notícia. A única coisa que O diferenciava dos demais humanos era o fato de jamais ter pecado (Hb.4:15).

5 – “E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo...” – Do Trono Celestial para o ventre de Maria. Do ventre para a manjedoura. Da manjedoura para a vida serviçal. De lá para o deserto. Do deserto para as ruas empoeiradas dos subúrbios da Galiléia. Sua próxima escala antes da Cruz seria a bacia. Numa atitude inusitada, Jesus toma uma bacia e uma toalha, despe-Se aos olhos dos Seus discípulos, e lava-lhes os pés. Aquela era uma tarefa para os escravos. Aquele que criara os oceanos, e projetara as mais lindas praias, agora usava uma bacia rasa para banhar os pés calejados dos Seus discípulos. Antes que as autoridades judias e romanas O humilhassem publicamente, Ele humilhou-Se a Si mesmo.

6 – “...sendo obediente até à morte, e morte de cruz.” – Sua próxima parada seria um jardim. Um cenário bem parecido com aquele em que o primeiro homem preferiu rebelar-se contra o seu Criador. Jesus, o segundo Adão, tinha a oportunidade de reverter a maldição, obedecendo a Deus até as últimas conseqüências, abrindo mão de Sua própria vida. A atenção do Universo se voltou para aquele lugar. Era o momento decisivo. Jesus sofreria Sua última tentação. Enquanto Seus discípulos dormiam, deu-se o embate mais importante da história do Cosmos. O destino de cada partícula subatômica dependia do resultado desse embate. Os pássaros silenciaram-se. O vento aquietou-se. Os anjos prenderam a respiração. Suspense! Jesus pondera e apela: “Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice!” Os anjos engoliram a seco. E agora? Deixem que o Filho de Deus complemente Seu pedido: “Todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mt. 26:39). Onde o homem falhou, o Novo Homem venceu. O caminho da redenção estava aberto. O cosmos respirou aliviado. O que já houvera sido decidido na Eternidade, agora encontrou eco dentro do tempo e do espaço. A obediência de um reverteu para sempre o efeito causado pela desobediência de outro (Rm.5:19). 

7 – “Pelo que Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Cristo Jesus é o Senhor, para glória de Deus Pai”(vv.9-11). Percebe que Paulo omite a ressurreição e a ascensão de Cristo? Da Cruz, ele vai direto para a exaltação. Por que? Alguém poderá dizer que aqui estão subentendidos tanto a ressurreição, quanto a ascensão. Pode ser que sim. Mas prefiro acreditar que Paulo percebeu que a exaltação de Cristo Se deu na Cruz. Não estou diminuindo o peso da ressurreição. Apenas demonstrando que o que deveria ser considerado vergonhoso, Deus declarou como o mais glorioso evento da História. Foi lá no madeiro que Deus fez convergir em Cristo todas as coisas, tanto as que estão nos céus, quanto as que estão terra (Ef.1:10; Cl.1:20). Foi também lá que Ele triunfou e despojou os principados e potestades, expondo-os publicamente ao desprezo (Cl.2:15). Foi na Cruz que Deus O exaltou! Sua ressurreição e ascensão são conseqüência desta exaltação. Mesmo em Seu corpo glorioso, as cicatrizes dos cravos são mantidas. E não duvido que abaixo da coroa de glória, ainda se vêem as cicatrizes deixadas pela coroa de espinho. Essa é a Sua glória! Quando Jesus pediu ao Pai que lhe restituísse a glória que tinha antes da fundação do mundo, Ele estava falando da glória da Cruz, pois o Cordeiro foi morto antes dos tempos eternos. A Cruz não foi um acidente de percurso. A Cruz é eterna! Por isso, na visão de João em Apocalipse, o trono de Deus é ocupado por um Cordeiro “como tendo sido morto”.

É na Cruz que o tempo e a eternidade se cruzam. O Cronos e o Kairós contraem matrimônio. Do ponto de vista histórico, não se pode dissociar a cruz da manjedoura. Aqueles que afirmam que não devemos celebrar o Natal de Jesus, mas unicamente a Sua morte, estão cometendo um grande engano. Ser inimigo da manjedoura é também ser inimigo da Cruz (Fp.3:18).

Feliz Natal a todos que o celebram com o mesmo sentimento que houve em Cristo.

14 comentários:

  1. Que lindo e edificante texto!
    Feliz Natal pra vc tb!

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  2. Perfeita esta reflexão, querido pastor! Só no item 4 que achei um pouco conflitante! Se Jesus tornou-se "semelhante aos homens", não poderia ser 100% homem! Não só eu falo assim, o nosso amado pr. Ciro Sanches também preserva essa tese. Mas, isso é apenas filigrana diante de tão grande edificação que esta reflexão nos traz. Deus abençoe sobremaneira o teu profícuo ministério. “Amado, desejo que te vá bem em todas as coisas e que tenhas saúde, assim como bem vai a tua alma”(3João 2).

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  3. Louvo a DEUS pela sabedoria e entendimento da palavra que o SR. tem dado ao irmão...
    Texto maravilhoso..

    FELIZ NATAL PRA VC E TODA SUA FAMÍLIA!!!

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  4. Anônimo10:24 PM

    Só passando porque gostaria de agradecer imensamente a existência de blogs como o de vocês,Obrigada!


    Se não fosse a existência de gente como vocês eu não saberia a direção certa a tomar!

    Obrigada por me incentivarem a cada vez mais,a amar ser atéia!


    :)

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  5. Caro Anônimo,

    Credite seu ateísmo a si mesmo, e não a terceiros. Assim como nós, os que cremos, devemos nos responsabilizar por nossa própria fé.

    Se você de fato amasse ser atéia, não adotaria o recurso do anonimato. Quem ama algo, não tem razão pra esconder.

    Abraço.

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  6. Caso você seja um cristão que está tentando me desanimar e desacreditar meu trabalho neste blog, sabia que para cada crítica destrutiva, Deus tem enviado pessoas testemunhando o quanto têm sido edificadas através deste ministério. Digo ministério, porque é assim que encaro este blog, uma extensão de meu ministério.

    Dá uma olhada nos dois comentários anteriores ao seu e veja um exemplo disso.

    Toda a glória e honra sejam dadas ao Rei dos reis, Cristo Jesus, a quem sirvo com tudo o que tenho e sou.

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  7. Pastor Hermes!!

    Como eu amo seus textos!
    Essa leitura me levou às lágrimas, me levou a adorar ao Senhor com um coração contrito, e este, eu sei que Deus não rejeita...

    Que Deus o abençoe a cada dia, para todos os dias vc nos presentear com tantas bençãos aqui na internet!

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  8. Querido Hermes, Graça e Paz,

    As palavras podem ser consideradas por diferentes prismas. Por isso, quero utilizar as mesmas palavras registradas no comentário da nobre leitora anônima e ateia:

    "Se não fosse a existência de gente como vocês eu não saberia a direção certa a tomar!"

    É isso mesmo: se não fosse pela existência de pregadores como você, estaria hoje perdido e sem Jesus; se não fosse pela existência de pregadores como você, não conheceria a Verdade que liberta, Jesus, meu Senhor e Rei; se não fosse pela existência de pregadores como você, estaria perdido em meio a tantas heresias que têm infestado a Igreja com suas teologias de prosperidade, atos patéticos e outras bobagens.

    Poderia aqui enumerar outros tantos motivos, mas fiquemos por aqui. Portanto, continue nesse teu trabalho árduo e apologético, o qual tem, sim, sido instrumento nas mãos de Deus para que muitas almas seja edificadas e resgatadas das mãos do diabo, e tendo sempre em mente I Co 15.58.

    Que o Senhor Deus continue a te usar e a abençoar a ti e a tua família!

    Graça, Paz, e um feliz Natal!

    Marcelo de Andrade.

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  9. Amado Hermes Fernandes... Tive que transcrever esta reflexão para nosso blog...Caso não concorde, avise-me que retirarei...
    Que Deus possa continuar te usando com sabedoria.
    Um grande abraço...
    Visite nosso blog poramoraomundo.blogspot.com

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  10. Anônimo4:14 PM

    O TEXTO É MUITO BOM. PORÉM, NÃO PODEMOS ESQUECER QUE JESUS COM CERTEZA NÃO NASCEU NO DIA 25 DE DEZEMBRO, SABEMOS QUE ESSA FESTA É PAGÃ. MAS PODEMOS LEVAR EM CONTA QUE DE CERTA FORMA AS PESSOAS TAMBÉM FICAM MAIS SENSIBILIZADAS E O ESPÍRITO SANTO PODE USAR QUALQUER INSTRUMENTO PARA ALCANÇAR AS ALMAS PERDIDAS.

    A PAZ

    ADRIANA

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  11. Na bíblia Não Está Escrito Para Celebrarmos
    Nem o Próprio jesus Celebrou Seu Aniversário,
    Nem Tão Pouco Disse Pros Apóstolos fazerem Isso.
    Não Acho Respaldo Espiritual para fazer Tal Coisas.
    Cristão Que Segue a Jesus e Suas palavras Devería refletir a respeito Disso.

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  12. Anônimo12:50 PM

    Hermes pare com esta história de Natal que na bíblia Sagrada e ora alguma não diz sobre natal ok?
    Fale de Jesus Cristo que é, o Caminho, a Verdade, e a Vida.
    Não misture as coisas.
    Jesus Cristo nunca pregou sobre natal, e sim o evangelho de salvação.
    Para muitos, Jesus foi substituído por papai noel,e parece que muitos cristãos estão nesta também de papai noel, presentes, bebidas alcoólicas escondido, etc.
    Olha as tragédias que este dia 24 e 25 de Dezembro trás, mortes e mais mortes por bebidas e etc, está comprovado e relatado em jornais e tvs.
    Isto é ser subversivo?
    Caia na real, e ame o evangelho original de Jesus ok?
    Não venha com festas pagãs!
    Se natal está na bíblia e é subversivo, me prove biblicamente onde está ok?
    Mentiras não!

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  13. Pr. Hermes,

    Meu amigo e pastor querido.

    Também utilizando as palavras da amiga anônima que diz:

    "Se não fosse a existência de gente como vocês eu não saberia a direção certa a tomar!"

    poderia afirmar que se não fosse através do se testemunho de fé o qual acompanho diariamente, com a máxima certeza, estaria envolto e preso ao ateísmo, afinal enquanto Jesus liberta, muitas igrejas oprimem e como o ateísmo é uma crença em sí próprio, jamais me aventuraria em crer em um Deus pessoal e relacional.

    Muito mais confortável ser ateu, ao invés de participar de igrejas que não pregam a essência do Evangelho, pregadno prosperidade e falsas doutrinas.

    Se não fosse por pessoas como você não poderia ver o amor de Deus sendo irradiado ao seu redor e, provavelmente, não creria num mundo melhor onde cada ser humano é responsável por ser um agente infiltrado neste mundo tão egoísta e egocêntrico.

    A Paz!

    Seu conservo,

    Rafael Thiago

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  14. Anônimo4:07 PM

    subversão pura é nisso que eu creio!

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