quinta-feira, fevereiro 27, 2014

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O Bloco dos Lambuzados pela Graça



Por Hermes C. Fernandes

Após aquela memorável batalha, "os homens de Israel estavam exaustos" (v.24). E não bastasse o cansaço, estavam famintos e proibidos de comer. Tudo porque "Saul conjurara o povo, dizendo: Maldito o homem que comer pão antes da tarde, antes que eu me vingue de meus inimigos. Pelo que todo o povo se absteve de provar pão" (v.24). Que diferença gritante entre Saul e seu filho Jônatas. Enquanto Jônatas falava por Israel, Saul falava por si mesmo. Para ele, a guerra era algo pessoal. Era sua honra que estava em jogo, e não a glória do Deus de Israel. Por causa disso, todos deveriam jejuar. Repare: Jônatas toma pra si a responsabilidade de uma batalha em que o bem de seu povo e a glória do seu Deus estavam em jogo. Saul toma para si a ofensa, e lança sobre os ombros do seu povo a obrigação de jejuar. Saul era chefe, Jônatas era líder. 

Ninguém se atrevia a comer naquele dia. Se Saul soubesse de alguém que lhe houvesse desobedecido a ordem, certamente o mataria. Todos o temiam e por isso o obedeciam cegamente.

O verdadeiro líder é quem não necessita usar do artifício da recompensa nem da punição para ser seguido. As pessoas o seguem porque se inspiram em seu exemplo. O texto diz que "todo o povo chegou a um bosque, onde havia mel à flor da terra. Chegando o povo ao bosque, viram o mel que corria, mas ninguém chegou a mão à boca, porque o povo temia a conjuração. Jônatas, porém, não tinha ouvido quando seu pai conjurara o povo, e estendeu a ponta da vara que tinha não, e a molhou no favo de mel. Levando a mão à boca, aclararam-se-lhe os olhos" (vv.25-27).

Quantas coisas são feitas na mais pura ingenuidade? Esta santa ingenuidade parece incomodar a muitos. Daí se levantam os profetas agoureiros, com suas palavras intimidadoras, enxergando maldade onde não há maldade.

Muitos Pastores mantém seu povo à rédeas curtas, não por zelo para com a santidade de Deus, mas simplesmente pelo prazer de controlar as pessoas. E infelizmente é esta mesma ingenuidade que as leva a se submeterem a tais energúmenos. Paulo os denuncia, exortando-nos:
“Tende cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo (...) Se estais mortos com Cristo quando aos rudimentos do mundo, por que vos sujeitais ainda a ordenanças, como se vivêsseis no mundo, como: não toques, não proves, não manuseies? Todas estas coisas estão fadadas ao desaparecimento pelo uso, porque são baseadas em preceitos e ensinamentos dos homens” (Cl.2:8,20-22).
Em algumas comunidades, as Escrituras são usadas apenas para respaldar todo tipo de manipulação e abuso de poder. No fundo, o que está em jogo é tão-somente a autoridade pastoral, e não a verdade da Palavra. Não se pode ouvir música secular, ir à praia, frequentar festas de incrédulos, levar os filhos ao cinema, e por aí vai... Há líderes que acham que têm ingerência até na vida conjugal de seus fiéis. 

Quando Jônatas levou o mel à boca, seus olhos aclaram-se. Por quê? Porque estava exaurido, precisando da energia que o mel poderia lhe fornecer.



Imediatamente vieram as censuras.

- O que você está fazendo? Você acaba de desafiar a autoridade do seu pai!

Pelo que Jônatas lhes respondeu:
“Meu pai turbou a terra. Vede como se me aclararam os olhos por ter provado um pouco deste mel. Quanto mais se o povo hoje tivesse comido livremente do despojo, que achou de seus inimigos. Não teria sido maior a derrota dos filisteus?” (v.29).
Há quem não se atreva a questionar qualquer que seja a atitude de seu líder, temendo incorrer no horrendo pecado de tocar no ungido do Senhor. Jônatas não tocou na unção de seu pai, mas apenas discordou de sua precipitação ao proibir que seus soldados comessem. Ao comer do mel, o príncipe de Israel foi comedido. Mesmo faminto, não quis expor-se aos olhos dos seus soldados. Porém, quando o povo percebeu que aquele gesto lhes abria um precedente, não esperou mais.
“O povo lançou-se ao despojo e, tomando ovelhas, bois e bezerros, degolaram-nos no chão, e os comeram com sangue” (v.32).
Enquanto um foi comedido, os demais se lambuzaram. Este é o efeito colateral do legalismo. Já diz o adágio: Quem nunca comeu melado quando come se lambuza. Proibição gera compulsão. É como esticar o elástico e, de repente, soltá-lo. Quando os líderes vêem as pessoas abusando da liberdade que lhes é conferida pela graça, usam isso como pretexto para mantê-las em cativeiro.

Paulo é claro: “Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não useis, porém, a liberdade para dar ocasião à carne” (Gl.5:13a). O povo faminto não teve noção do que estava fazendo. Comeu a carne sem extrair o sangue, conforme ordenava a Lei. Entra, então, em cena, os fofoqueiros de plantão.
“Então o anunciaram a Saul: Vê, o povo peca contra o Senhor, comendo carne com sangue. Disse ele: Procedestes deslealmente. Revolvei-me para aqui hoje uma grande pedra. Disse mais Saul: Espalhai-vos entre o povo, e dizei-lhes: Trazei-me aqui cada um o seu boi, e cada um a sua ovelha, e degolai-os aqui, e comei. Não pequeis contra o Senhor, comendo com sangue” (1 Sm.14:33-34a).
Pronto, a situação parecia remediada. O controle voltara para as mãos de Saul. Já que não havia como impedir que o povo se alimentasse, então, que o fizesse na sua frente. Esta tem sido a linha de raciocínio de muitos líderes. Já que não se pode impedir que as pessoas tenham vida social, então, que a tenham na igreja, aos olhos de seus pastores, para que não cometam abuso.

Daí surgem os blocos carnavalescos evangélicos, as night gospel, e similares, que nada mais são do que uma maneira de manter o controle. Foi este raciocínio que originou a subcultura evangélica, com suas imitações grotescas de tudo o que acontece lá fora. Antes que nossos jovens se desviem para os bailes funk, vamos criar um baile funk gospel, e assim, os manteremos sob controle. Ora, o estilo de liderança bíblico dispensa qualquer tipo de controle. As pessoas têm que aprender a lidar com a liberdade que a graça lhes confere, sem cometer lambanças. Em vez de controle, o caminho é a conscientização.

Saul aproveitou o momento em que o povo se esbaldava na comilança, e edificou “um altar ao Senhor; este foi o primeiro altar que ele edificou ao Senhor” (v. 35). Talvez quisesse conferir um aspecto mais espiritual ao que estava acontecendo. É como querer transformar um baile funk num culto de adoração. A turma se esbalda, se lambuza na sensualidade, mas depois, a gente lê a Bíblia, faz um apelo, e se porventura alguém se ‘converter’, pronto, está tudo justificado. É sinal de que Deus aprovou a estratégia.

Agora que todos estavam alimentados, Saul imaginou que seria uma ótima oportunidade de voltar para o campo de batalha. Só que desta vez, o protagonista seria ele, e não Jônatas. Enquanto o povo arrotava carne, Saul propôs: “Desçamos de noite atrás dos filisteus, e despojemo-los, até o amanhecer, e não deixemos de resto um homem sequer deles. Responderam: Faze tudo o que bem te parecer. Disse, porém, o sacerdote: Consultemos aqui a Deus. Então Saul perguntou a Deus: Descerei atrás dos filisteus? Entregá-los-á nas mãos de Israel? Porém naquele dia Deus não lhe respondeu” (vv.36-37).

Quem mandou aquele sacerdote se meter onde não era chamado? Pra não ficar mal na fita, Saul concordou em consultar ao Senhor, porém este não o respondeu. Meio sem-graça, Saul diz: “Chegai-vos para aqui, todos os chefes do povo, e informai-vos, e vede qual o pecado que hoje se cometeu. Tão certo como vive o Senhor que salva a Israel, ainda que esteja em meu filho Jônatas, será morto. Porém ninguém de todo o povo lhe respondeu” (vv.38-39).

Se você voltar ao início do meu texto, verá que Saul já havia sido rejeitado por Deus para ser rei em Israel. Se havia ali alguém em pecado, este alguém era o próprio Saul. Depois de lançada sorte entre sua casa (representada por ele e seu filho) e o resto do povo, chegou-se à conclusão que a culpa estava em um dos dois. Por fim, acabou sobrando pra Jônatas.

- Ufa! Escapei por pouco. Deve ter imaginado o rei.

Se as coisas não vão bem, achamos que alguém deve ser o culpado. Qualquer um, menos nós. Se as coisas vão bem, queremos os créditos só para nós. Se estão ruins, buscamos um bode expiatório. Ninguém aceitar arcar com a responsabilidade de um eventual fracasso. Mas de quê fracasso estamos falando aqui? Israel acabara de experimentar uma vitória contra os filisteus. Aquele que fora responsável pela vitória, agora era tido por culpado, pelo fato de Deus não responder a uma consulta do rei. Que estranho isso, não? Como Saul conseguiu manipular o jogo!
“Disse então Saul a Jônatas: Declara-me o que fizeste. E Jônatas lhe disse: Tão-somente provei um pouco de mel com a ponta da vara que tinha na mão. E agora devo morrer?” (v.43). 
Suspense... Saul está tenso... nunca se vira numa saia justa daquelas... Disse Saul: “Assim me faça Deus, e outro tanto, que com certeza morrerás, Jônatas”(v.44). A vida do filho lhe valia menos que sua reputação.

- Alguém terá que arcar com isso, e este alguém definitivamente não sou eu! Imaginou o rei.

Há pessoas que para preservar sua reputação são capazes de sacrificar amizades de anos, casamento, e até os filhos. Tudo vai pro lixo, mas sua imagem tem que ser mantida imaculada. Era hora do povo corresponder com gratidão ao livramento que Deus lhes dera por intermédio de Jônatas.
“Porém, o povo disse a Saul: Morrerá Jônatas, que operou tão grande salvação em Israel? Tal não suceda. Tão certo como vive o Senhor, não lhe há de cair no chão um só cabelo da sua cabeça, pois com Deus fez isso hoje. Assim o povo livrou a Jônatas, para que não morresse” (v.45).
Neste caso em particular, a voz do povo foi a voz de Deus. Não se podia permitir que um herói fosse tido por vilão de uma hora pra outra, só porque o rei não obtinha resposta de Deus. Caso Jônatas houvesse sido executado, Saul se tornaria num tirano, carregando consigo para sempre a mácula da injustiça.

Que Deus conceda igual sabedoria ao Seu povo hoje para distinguir os verdadeiros vilões, que seduzem o povo com seu carisma, enquanto os usa para atingir seus sórdidos objetivos.

Não deixe de ler o post anterior a este para uma melhor compreensão do assunto (O título é "Por líderes que se arrastam...")

3 comentários:

  1. Olá!
    Parabéns pelo Blog e pelo trabalho apologético que tem desempenhado. Bom saber que algumas fozes não aceitam esse evangelho agua com açucar que está sendo pregado por aí a fora...

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  2. A paz do senhor!

    Parabéns pelo seu blog!
    Obg pela visita.
    Ja estou te seguindo também.

    Deus te abençoe!

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  3. Olá Hermes! Obrigado por visitar e comentar no meu blog. Ainda é um trabalho muito recente, mas atualizarei sempre que possível, pois não tenho muito tempo, mas uqero compartilhar com todos um pouco do que penso e sobre meu amor por Jesus Cristo. Espero que volte!
    Grande Abraço e fique na Paz!

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