quinta-feira, maio 27, 2010

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O final de Lost e o livro de Apocalipse


Lost The Last Supper image 3 O final de Lost e o livro de Apocalipse
Espiritualidade é um dos aspectos fortes de Lost, vide a “Santa Ceia” que serviu como divulgação da última temporada.


A série norte-americana Lost durou 6 anos e teve seus últimos episódios transmitidos domingo passado (23/05). De várias maneiras Lost entrará para a história da televisão mundial. Milhares de blogs fizeram análises dos mistérios apresentados pelo programa, gerando um envolvimento que vai muito além do simples ato de assistir algo na TV. Surgiram inclusive vários livros abordando diferentes nuances do seriado, como filosofia e história. O pastor Chris Seay chegou a publicar em 2009 um livro intitulado “ O evangelho segundo Lost”. Sem dúvida já surgiu uma “cultura Lost” que talvez possa ser comparada ao que os filmes de Guerra nas Estrelas gerou no entretenimento mundial. Críticos de TV chegaram a afirmar que ela mudou a maneira das pessoas assistirem televisão. Por isso, é provável que ainda se ouça falar dela por muitos anos.

O último capítulo traz consigo vários elementos espirituais, que não são exatamente uma novidade na série. Ao longo de seus mais de 100 capítulos, Lost apresentou várias idéias que podem ser claramente identificadas como espirituais, juntando aspectos de diferentes religiões. Somos uma geração visual e é senso comum que o que vemos na televisão influencia nossa maneira de ver a realidade. Não há espaço aqui para tentar explicar nada, mas apenas promover uma reflexão.

Na tentativa de “ler”nossa cultura com as “lentes” do evangelho, é possível afirmar que muito da proposta da série pode ser vista num paralelo com o livro de Apocalipse. Para começar, as duas histórias começam numa ilha. A de Apocalipse é Patmos, ilha-prisão em que se encontrava o apóstolo João. A de Lost é uma ilha-prisão que não tem nome e fica em algum lugar entre a Austrália e o sul da Ásia. De maneira similar, as revelações apresentadas nas ilhas mostram o verdadeiro sentido da existência, além do conflito entre o bem e o mal (Lost) e Deus e o diabo (Apocalipse). As duas narrativas também não vêem o tempo como algo linear, misturando presente, passado e futuro. O importante é o todo, a narrativa, não a cronologia de acontecimentos.

Enquanto João apenas registra tudo o que ele viu e ouviu, os personagens de Lost acabam escrevendo sua própria história. As duas histórias também falam sobre um julgamento e a que todos devem ser submetidos. Em ambos há dois cenários: este mundo em que vivemos (conhecido) e uma outra dimensão, outro mundo (desconhecido). Nas duas narrativas a morte física não é a final, existe algo a mais, além deste corpo. Ambas as narrativas contemplam que a vida anda na linha fina entre as escolhas de cada um (livre arbítrio) e caminhos pré-estabelecidos (predestinação na Bíblia, destino na série). O final de ambos é uma “outra vida” e a necessidade de “redenção”. Mas enquanto na história da TV cada um precisa buscar a sua, na história bíblica essa redenção é oferecida pela fé em Jesus.

O cristianismo tem uma presença forte na trama, talvez começando pelo personagem principal da trama, o dr Jack Shepard. Seu sobrenome, em inglês, quer dizer “pastor”. Um dos lugares de acesso, ou “porta de entrada” entre os dois “mundos” em Lost é uma igreja. Na cena final da série a “explicação” sobre muito do que acontece é apresentada nessa igreja, que traz indicações de ser ecumênica, contemplando símbolos de várias tradições religiosas. É nessa igreja que o pai de Jack, Christian Shepard (que traduzindo seria “cristão pastor”) abre o entendimento do filho e dos expectadores. Depois de mostrar o interior da igreja com todos felizes por entenderem o que foi sua vida, ele abre as portas para que a luz entre.

João, o autor de Apocalipse, de certa forma faz o mesmo com seus leitores. No começo do livro ele se direciona a igrejas, trazendo uma mensagem para todos que estão nelas. Depois, vai narrando em grande parte o sentido da vida e fala de um lugar em que mesmo mortos, todos vivem e estão felizes, pois não há mais dor nem lágrimas. Todos passaram por algum tipo de provação, dificuldades, mas persistiram na sua fé e agora podem desfrutar da luz eterna que emana do próprio Deus.

Ao longo desses seis anos o personagem central deixou de ser o “homem da ciência” e termina seus dias como um “homem de fé”. Ele acaba fazendo um sacrifício final, morrendo para salvar seus amigos e enfrentando a encarnação do mal (monstro de fumaça) que quer destruir a ilha. Jack vence (a luta), mas ao mesmo tempo perde (a vida). Em Apocalipse, o personagem central também perde (a vida), mas vence (a luta) contra a encarnação do mal que quer destruir o mundo (o diabo).

Não, a série não é o que poderia chamar de cristã, nem tem uma mensagem evangelística. Apenas ressalto os aspectos acima por entender que há sinais da mensagem central de Apocalipse e da mensagem bíblica em vários aspectos da cultura pop. E Lost, assim como Apocalipse, dá margem a muitas teorias, interpretações apaixonadas e busca de respostas. Mas Lost, assim como Apocalipse não oferece todas as respostas. Talvez porque elas não sejam tão importantes assim. Os autores disseram o tempo todo que a série era sobre pessoas, relacionamentos. O autor de Apocalipse também oferece uma história sobre as pessoas que Deus criou e seu relacionamento com ele. Seria muito interessantes se entendermos a mensagem final de Lost, que como a mensagem final de Apocalipse é de esperança. O último livro da Bíblia começa mostrando como as igrejas deveriam ser e o que deveriam fazer. A série termina mostrando como as igrejas deveriam ser: cheias de pessoas que mesmo mortas (para o mundo), puderam nascer de novo (em Cristo) e são felizes por isso. O que elas deveriam fazer? Mesmo sendo um lugar sem todas as respostas, vê-se o cristão (Christian) estender a mão, dar uma explicação sobre o sentido da vida e deixar a luz de Deus entrar.

Jarbas Aragão, no Blog dos 30 (Via Pavablog)

6 comentários:

  1. Na minha opinião, a melhor série de todos os tempos.
    Além de bem feita (gastaram grana, fala sério!), ela representa o nosso zeitgeist.
    Parabéns pelo post.
    Escrevi algumas considerações so bre a série e meu blog, se achar que deve, será uma honra, sua visita.

    http://arazaodaesperanca.blogspot.com/2010/05/quando-lost-acabar-nao-fique-lost.html

    abraço

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  2. Confesso que não a acompanhei, e me arrependo por isso. Mas achei muito interessante o post, principalmente quando faz conexão com meu livro predileto das Escrituras: O Apocalipse.

    Obrigado pelo comentário, Adriana.

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  3. Um tapa no cérebro dos intelectualóides de plantão

    “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia” (William Shakespeare).

    Assim é nossa vida e assim foi o final de Lost: um verdadeiro tapa no cérebro dos intelectualóides de plantão.

    Neste mundo materialista em que vivemos, em que tudo é cartesiano, é difícil para muitos aceitar a mensagem poética do último episódio de Lost.

    Todos estávamos sedentos por respostas lógicas para tantas questões físicas e metafísicas com as quais fomos bombardeados ao longo destes 6 anos. Fomos habilmente levados a isso pelos criadores da série, que souberam magistralmente como alimentar nossa curiosidade. Eles nos instigaram a formular as mais complexas teorias para tentar explicar o inexplicável. Em nosso afã de entender, não medimos esforços, afinal, mexeram com nossos brios. Jamais nos subestimaram, sempre apostando em nossa capacidade criativa. Sempre nos surpreenderam com poucas respostas e novos enigmas a cada episódio, cada temporada.

    (continua...)

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  4. Assim, ficamos tão obcecados com o lado científico da série, tão bem representado pela Iniciativa Dharma, uma paródia de nossa desesperada tentativa de controlar tudo, que acabamos relegando o lado humanístico da trama.

    Olhando agora, em perspectiva, podemos lembrar que ao final de cada episódio, quase sempre eram mostradas cenas dos losties se reconciliando, se reencontrando, se ajudando, se perdoando. Este era o real cerne desta obra, que foi uma verdadeira ode à capacidade humana de se superar frente às adversidades. Apesar de toda nossa imperfeição, ou talvez por causa dela, ansiamos tanto por redenção. Era justamente o que cada um a seu modo buscava durante a saga. Acertando em alguns momentos, errando em outros, todos foram galgando seus obstáculos em busca da própria verdade. Como estavam perdidos, era cada um por si. A exceção de Jack, o mais solidário de todos, que logo profetizou: “Se não vivermos juntos, morreremos sozinhos”. E ele não morreu só.

    A ilha era uma metáfora da vida de cada um, todos solitários e isolados como uma ilha. Todos perdidos, tanto em suas vidas quanto em suas mortes. Todos com a mesma luz que emanava do coração da ilha em seus próprios corações, mas também com o mesmo lado sombrio em suas almas, representado pela fumaça negra. Uma síntese de nossos eternos conflitos: Bem x Mal, Luz x Trevas, Razão x Emoção, Saber x Crer.

    (continua...)

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  5. Como eu disse anteriormente, como os autores sempre tiveram a capacidade de nos surpreender, não poderia haver final mais surpreendente que este.

    Valeu a pena cada madrugada em claro, cada neurônio queimado, cada lágrima derramada.

    Lost, que sempre esteve em nossas mentes, agora estará definitivamente em nossos corações.

    Abração a todos os Lostmaníacos,

    Jacques Dinelli Silva.

    P.S.: Lost nos remete a filmes como ”Sexto Sentido” e “Os Outros”, com a diferença de que nestes casos todos já estavam mortos desde o início. Um filme que recomendo é este: “Uma Simples Formalidade”. Pra quem ainda não viu, vale a pena conferir.

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  6. Até que finalmente, ajudados por Desmond, que aliás foi o responsável por provocar a queda do Oceanic 815 na ilha, os losties foram descobrindo uma verdade absoluta, comum a todos: o Amor. Este era o elo que os unia e nos uni a todos. Ele próprio teve um pequeno vislumbre disso quando descobriu que para se situar no tempo precisava de uma constante, que em seu caso era Penny, o amor de sua vida. Assim como reuniu todos na ilha, coube a ele a tarefa de reuni-los novamente no além. À medida que cada um ia se lembrando das experiências de amor que vivenciaram juntos na ilha, tudo ficava claro e todo o sofrimento por que passaram tornava-se insignificante. O Amor era a catarse final que restituiu suas consciências e permitiu a redenção de todos, numa grande confraternização.

    Sim, amigos, o bom e velho Amor, tantas vezes ridicularizado e banalizado, mas que sempre triunfa, como exaltado pelo apóstolo Paulo em sua Primeira Epístola aos Coríntios, singelamente conhecida como Hino à Caridade ou Hino ao Amor:
    “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse Amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom da profecia, e CONHECESSE TODOS OS MISTÉRIOS E TODA A CIÊNCIA, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse Amor, nada seria... O Amor nunca falha...”

    Ou mais recentemente, como já pregavam os Quatro Evangelistas de Liverpool: “All you need is love” (The Beatles).

    É piegas, é brega, é clichê, mas é a mais pura verdade.

    (continua...)

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