sábado, dezembro 26, 2009

0

Nosso Natal na América

Tivemos um Natal atípico este ano. A começar pela antevéspera, quando minha família e eu ficamos até uma da madrugada fazendo compras (alguns presentinhos e comida). Descobri que não é só brasileiro que deixa tudo pra última hora! O mercado estava cheio, tal qual acontece em nosso país. Fui reconhecido duas vezes por três pessoas que já haviam me assistido pregar numa igreja presbiteriana em Ocoee (New Hope Church).

Também descobrimos que algumas iguarias natalinas que são tão caras no Brasil, aqui são bem baratas, por não serem tão apreciadas. Por exemplo: compramos bacalhau cortado em filé por 3,69 dólares (mais ou menos 6,50 reais! dá pra acreditar?). Outros produtos como nozes são muito comuns aqui, e por isso, igualmente baratos.

Na véspera do Natal, recebemos em nossa casa o casal Rosie e Tony, ambos portorriquenhos, e a visita relâmpago de dois colegas de escola dos meus filhos, Rafael e Taíssa, ambos brasileiros.

Foi divertido assistir ao Pastor Carlos Eduardo de Marechal Hermes, RJ, conversando em espanhol com os nossos convidados. Não é que ele fala bem mesmo? Convenceu!

Depois de orarmos, agradecendo a Deus por nos haver enviado Seu Filho, e pedindo em favor de nossos irmãos espalhados pelo mundo, chegou o momento de compartilharmos daquilo que o Senhor proveu. Nossa ceia natalina foi uma mistura de pratos típicos do nosso país com pratos de Porto Rico. O peru feito por Tony estava suculento e delicioso. Um dos pratos que trouxeram é chamado "pastel", mas não lembra em nada o pastel que comemos com caldo de cana nas lanchonetes cariocas. Trata-se de um prato feito de banana verde, embrulhado com folhas como uma pamonha. Tive que provar uma bebida típica deles, que mistura entre outras coisas, ovos e canela. Desceu queimando!

Difícil foi fazer rabanada com pão cubano! Tânia e Revelyn bem que se esforçaram.

Na hora de compartilharmos os presentes, fui surpreendido por um presente inusitado: um GPS. Rosie que me presenteou! Já não precisarei consultar mapas e pegar direção no Google toda vez que tiver que sair para algum lugar desconhecido. Já me perdi muitas vezes! O GPS chegou em ótima hora, já que temos sido convidados para pregar em igrejas de outras cidades.

No dia 25, logo de manhã, fui à Igreja Luterana (Saint Luke’s Lutheran Church em Oviedo), onde o Bispo Bill Mikler congregou desde a infância. Lá chegando, encontramos Lisa, sua esposa, Amy e Christian, suas filhas, seu genro Jerry, e seus dois netos.

A igreja estava linda, devidamente ornamentada para a ocasião, com presépio, pinheiros, e muitas flores natalinas.

Na noite anterior, ligando para diversos pastores e amigos do Rio para desejar-lhes feliz natal, um deles, Pr. Martins, contou-me um sonho que tivera. Dois rios, um de águas claras e outros de águas turvas, se encontravam, formando um novo rio. Segundo ele, era algo como o entroncamento do rio Negro e o rio Solimões, que dão origem ao rio Amazonas. Ele me contara que por alguma razão sabia em seu espírito que um desses rios representava Lutero. O que ele não podia supor é que na manhã seguinte eu estaria, pela primeira vez, num culto luterano.

Lá estava eu, um bispo com sucessão apostólica pelas mãos de oito bispos episcopais, nascido numa igreja pentecostal (Assembléia de Deus), criado no berço do neo-pentecostalismo, e que abraçara a doutrina reformada a partir de uma experiência que tivera em Outubro de 1995, envolvendo sua filha especial. Com tantos ‘afluentes’, talvez eu representasse o rio Negro, com suas águas turvas. De fato, era como se dois mundos colidissem.

Tive que receber uma permissão especial para participar da Santa Ceia, de acordo com os regulamentos luteranos.

Desde a procissão com a Cruz, passando por todo o rito litúrgico, a homilia, a Comunhão, até a bênção apostólica, era como seu estivesse entrado numa máquina do tempo.

Emocionei-me com o choro compulsivo do Bill quando o coral começou a entoar um antigo hino eslovaco, que era cantado por seus ancestrais que migraram para os Estados Unidos há cerca de um século.

O que assisti ali não tinha nada de entretenimento. Não era um show, mas um culto reverente ao Deus que enviara Seu único Filho a este mundo para redimir o Seu povo.

É claro que como expositor da Palavra, preferia que a pregação durasse mais que os 17 minutos utilizados. Talvez uma canção contemporânea de adoração também ajudasse a contextualizar mais o culto. Mas devo confessar: embora fosse um culto litúrgico, seguindo uma tradição de cinco séculos, não cheirava a naftalina, pelo contrário, havia vida pulsando naquele lugar. Bem diferente do que muita gente pensa quando se trata de liturgia.

Acho que hoje se fechou um ciclo em minha vida ministerial. Já preguei e participei de cultos em muitas denominações diferentes, desde pentecostais, passando por presbiterianas, batistas, metodistas, comunidades, católicas, episcopais... só faltava mesmo a igreja luterana. Embora já tenha lido tanta coisa atribuída a Lutero, somente agora posso dizer que conheço um pouquinho mais da raiz do protestantismo. Quiçá, tenha se iniciado uma nova fase em minha trajetória ministerial.

Aquela visita me fez refletir por quase todo o dia sobre a beleza que há nas diversas expressões de louvor e adoração a Deus. Temos tanto que aprender uns com os outros. Breve estarei postando alguns artigos frutos desta reflexão.

Depois do culto, fomos ao cemitério da igreja, onde Bill e Lisa me mostraram onde foram sepultados seus antepassados. Fiquei a me perguntar qual seria a razão que impede que as igrejas brasileiras tenham seus próprios cemitérios. Como seria maravilhoso poder ser sepultado ao lado de outros irmãos em Cristo no mesmo lugar.

À noite, eu, minha esposa e filhos fomos à casa dos Mikler para a celebração natalina, mesmo lugar onde celebramos o Dia de Ação de Graças. Fomos recebidos lá como parte da família. A mesa estava ornamentada com um presépio em seu centro.

Fico feliz de dar aos meus filhos a oportunidade de inserir-se neste caldeirão cultural que os Estados Unidos nos oferecem. Estamos aprendendo muito com todos eles. Tanto os irmãos portorriquenhos (hispanos), quanto os americanos (anglos) têm contribuído substancialmente para que aprendamos a amar e respeitar às pessoas em seu próprio contexto social e cultural.

Apesar de toda esta experiência rica, a saudade não deu trégua. Saudade de nossa gente, de seu jeito festivo, do seu calor, de suas gargalhadas. Infelizmente não consegui falar com todos para os quais liguei. Provavelmente estavam na igreja, ou reunidos em casa de parentes. Mas valeu a pena tentar. Alguns nos atenderam emocionados, chorando de alegria e de saudade. Sorrimos com quem não conseguiu reconhecer nossa voz. Vibramos com a voz do Bispo Celso, nosso guerreiro. Choramos com a notícia da morte da filha de uma de nossas missionárias, Luciana, que tinha apenas 37 anos. Ela faleceu no dia 14. Que Deus conforte sua família. Emocionei-me ao falar com minha mãezinha. Que saudade!

Confesso que tive receio que Tânia, minha esposa, fosse tomada de tristeza quando se lembrasse que sua mãe já não está entre nós. Porém, tantas tarefas não permitiram que ela se deixasse tomar por este sentimento. Mesmo ligando para sua família, e sentindo profundamente pelo seu pai, logo se recompôs, dando vazão ao espírito natalino.

Só faltou a neve para alegrar um pouco mais as crianças. Mas querer neve aqui na Flórida já é pedir demais!

Nenhum comentário:

Postar um comentário