quarta-feira, setembro 09, 2009

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Acima de qualquer suspeita

Vinte anos se passaram, desde que Jacó fugira de sua casa, e encontrara abrigo na casa de seu tio Labão. Lá ele aprendeu o quanto dói ser enganado e passado pra trás. Por várias vezes foi trapaceado pelo seu próprio tio.

Logo que chegara, propôs trabalhar de graça por sete anos, desde que recebesse a mão de Raquel em casamento. No dia do casório, Labão aproveitou-se da embriaguês de Jacó, e deu-lhe Lia, sua primogênita, no lugar de Raquel, sua caçula e preferida. Jacó só se deu conta do equívoco no dia seguinte pela manhã, após ter consumado o casamento.

As Escrituras são claras: tudo o que homem semear, isso também ceifará. Assim como ele enganou a seu pai, fazendo-se passar por seu irmão para receber a bênção, Labão fez com que Lia se fizesse passar por Raquel, para que Jacó a recebesse por esposa. Ele bem que tentou argumentar com seu tio. Mas cedeu ante o argumento de que em sua cultura, primeiro se casava a primogênita, para depois casar a caçula.

Tudo bem! Jacó se deu por vencido. Mas não desistiu de seu sonho de consumo: Raquel. Dispôs-se a trabalhar por mais sete anos pela mão da pastorinha que conquistara seu coração desde o primeiro encontro.

Mais adiante, Jacó se viu enganado por Labão várias vezes, conquanto mudasse sua forma de pagamento, toda vez que percebia que ele estava prosperando. Não suportando mais a pressão, resolveu deixar Labão e seguir seu próprio caminho.

Não tendo como argumentar com Labão que o recebera vinte anos antes como um filho, Jacó preferiu sair na calada da noite com toda a sua família e gado, enquanto seu tio/sogro dormia.

O texto diz:

“Então se levantou Jacó, pôs os seus filhos e as suas mulheres sobre os camelos, e levou todo o seu gado, e todos os seus bens, que havia adquirido, o gado que possuía, que havia adquirido em Padã-Arã, a fim de ir ter com Isaque, seu pai, à terra de Canaã. Tendo Labão ido tosquiar as suas ovelhas, Raquel furtou os ídolos do lar que pertenciam a seu pai” (Gn.31:17-19).

Há pessoas que se aproveitam de um momento de crise entre duas partes, para tirar alguma vantagem. Raquel aproveitou a situação, foi pé por pé na tenda de seu pai, e roubou-lhe os ídolos. Ninguém ficou sabendo. Ela não contou nem pra seu marido, nem pra sua irmã.

Não eram ídolos de gesso com os de hoje, mas de ouro. Tinham um valor financeiro, e por isso, poderiam ser úteis num momento de aperto. Pelo menos, imagino que tenha sido esta a sua motivação.

Somente três dias depois, Labão sentiu a falta de Jacó.

“Tomando consigo os seus irmãos, seguiu a Jacó por sete dias e o alcançou na montanha de Gileada. Veio, porém, Deus a Labão, o arameu, num sonho de noite, e disse-lhe: Guarda-te, não fales a Jacó nem bem nem mal” (vv.23-24).

Sair no encalço de Jacó era um direito que lhe assistia. Mas pronunciar qualquer juízo estava fora de sua alçada. Quando finalmente o alcançou, Labão desabafou com seu genro fujão:

“Que fizeste, que me enganaste, e levaste minhas filhas como cativas pela espada?” (v.26).

Na verdade, elas concordaram em partir com Jacó. Não foram forçadas a nada. Portanto, eram responsáveis por sua escolha. Tão responsável quanto aquele que lidera, são aqueles que se submetem à sua liderança. Todos temos que responder por nossas ações.

Labão tinha que entender que agora elas não eram apenas suas filhas, mas também esposas de Jacó. Seu domínio sobre elas terminará no momento que ele as deu em casamento.

Ele prossegue em seu desabafo:

“Por que fugiste ocultamente, e me enganaste, e não me fizeste saber, para que eu te despedisse com alegria e com cânticos, ao som de tambores e de harpas? Nem mesmo me permitiste beijar meus filhos e minhas filhas. Fazendo assim, procedeste nesciamente. Eu tenho o poder para vos fazer mal, mas o Deus de vosso pai me falou ontem à noite, dizendo: Guarda-te, não fales a Jacó nem bem nem mal” (vv.27-29).

O que doía mais não era a ausência de suas filhas e netos, mas o fato de ter sido enganado, passado pra trás. O resto de seu argumento foi apenas uma tentativa de fazer com que Jacó se sentisse mal consigo mesmo. Em outras palavras, Labão estava dizendo: - Não precisava ser desse jeito. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde você nos deixaria. Mas não tinha que ser assim. A sua sorte é que seu Deus resolveu intervir, se não, eu poderia lhe fazer mal pela sua indelicadeza.

De repente, Labão deixa escapar o real motivo que o levara a perseguir Jacó:

“Ora, partiste de vez porque tinhas saudades de voltar à casa de seu pai. Mas por que furtaste os meus deuses?” (v.30).

Dava pra colocar um pano quente sobre tudo aquilo. Simplesmente, relevar. Afinal, Isaque, pai de Jacó, já estava à porta da morte. Daí a pressa com que Jacó saiu. Porém, inaceitável era sofrer qualquer prejuízo material.

Quer sair com suas mulheres? Tudo bem! Quer levar seus filhos? Ok! Mas tomar algo que me pertence já é demais. Quero os meus deuses de volta!

Jacó se viu numa saia justa. Ele nem mesmo sabia do furto dos ídolos. Provavelmente gaguejando, ele respondeu:

“Tive medo, porque pensava que tu me arrebatarias as tuas filhas. Com quem achares os teus deuses, esse não viva. Diante de nossos irmãos descobre o que é teu do que está comigo, e leva-o contigo. Pois Jacó não sabia que Raquel os tinha furtado” (vv.31-32).

Quem diria? A pastorinha do coração de Jacó foi quem furtou os ídolos do seu pai.

Se ele ao menos desconfiasse dela, jamais teria dito aquilo. Raquel era alguém acima de qualquer suspeita. Não apenas para Jacó, como também para Labão. Todos confiavam cegamente na pastorinha.

O texto prossegue:

“De modo que Labão entrou na tenda de Jacó, na tenda de Lia, na tenda de ambas as servas, e não os achou. Saindo da tenda de Lia, entrou na tenda de Raquel” (v.33).

Percebe? Labão deixou a tenda de Raquel por último. Sua procura começou pela tenda de Jacó. Aos seus olhos, Jacó era o maior suspeito. Depois examinou as tendas das servas. Em seguida, vasculhou a tenda de sua primogênita Lia. E finalmente, entrou na cena do crime.

“Ora, Raquel havia tomado os ídolos do lar, e os tinha metido na albarda do camelo, e se assentara sobre eles. Labão apalpou toda a tenda, mas não os achou. Disse Raquel a seu pai: Não se acenda a ira de meu senhor, por não poder eu levantar-me na tua presença, pois estou com o incômodo das mulheres. Assim ele procurou , mas não achou os ídolos do lar”
(vv.34-35).

- Ufa! Esta foi por pouco! Deve ter pensado Raquel, com o coração na boca.

Malandramente, Raquel escondeu os ídolos sobre o camelo, e assentou-se sobre eles. Assim também, há muitos que escondem suas verdadeiras razões e motivações nos lugares mais inusitados de sua alma. Lá no íntimo, bem no fundo, nos recôndidos mais obscuros do ser, jazem suas verdadeiras motivações.

Muitos são peritos em disfarçar, em esconder o jogo. Enganam a muitos, porém não enganam a Deus.

Quando Deus o enviou de volta a Betel para edificar-Lhe um altar, Jacó reuniu sua família e a todos os que faziam parte de sua caravana, e disse-lhes:

“Lançai fora os deuses estranhos que há no meio de vós, e purificai-vos, e mudai as vossas vestes. Levantemo-nos, e subamos a Betel, onde farei um altar ao Deus que me respondeu no dia da minha angústia, e que foi comigo no caminho por onde andei. Então deram a Jacó todos os deus estranhos, que tinham nas mãos...”
(Gn.35:2-4a).

Provavelmente havia outras pessoas em sua caravana que traziam deuses estranhos consigo. Raquel deve ter aproveitado a ocasião para livrar-se daqueles ídolos sem que ninguém notasse. E assim, mais uma vez ela escapou ilesa. Porém, os olhos de Deus jamais a perderam de vista.

O preço pago por Raquel foi que ela não chegou ao destino final ao lado de seu marido. As Escrituras afirmam que ela morreu no parto de seu filho Benjamim, e foi sepultada no caminho (Gn.35:19).

Interessante frisar que quando Jacó estava perto de morrer, pediu para ser sepultado ao lado do corpo de Lia (Gn.49:29-31). Isso me leva a considerar que, embora Raquel tenha sido o amor de sua juventude, Lia foi o grande amor de sua vida.

Nada há oculto que não seja revelado.

Os piores ídolos são aqueles que são facilmente escondidos. Ídolos sutis, que encontram abrigo em nossa intimidade. Ídolos que carregamos sem que ninguém note. Estes não precisam de andor, nem de altares, pois preferem a discrição. Muitas vezes se materializam em forma de sentimentos malignos, dos quais nos envergonhamos de externar. Avareza, inveja, ciúmes, lascívia, vaidade, soberba, são alguns dos seus nomes.

Antes de voltarmos para Betel, temos que nos livrar deles, pois comprometem nossa comunhão com Deus.

Ninguém está acima de qualquer suspeita. Todos devemos vasculhar nossa própria tenda, e verificar se há ídolos que precisam ser despejados.

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