segunda-feira, agosto 10, 2009

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Sai do meu pé, pouca fé!

Não sei como alguns podem falar em crise de fé. Estamos vivendo um verdadeiro boom da fé, as pessoas acreditam em tudo. Bom, em tudo, não. Em Deus, não. Duende vá lá, mas fé também tem limite.

Esta é uma história quase real. Há uns dez anos uma amiga minha, como muita gente, trocou o materialismo histórico pelo esoterismo histérico, com uma rápida escala — também como muita gente — no ecologismo patético. A escala foi rápida porque, gaúcha que ela é, os apelos atávicos, arquetípicos e místicos da picanha fatiada foram irresistíveis. Mas entre os gnomos e a ditadura do proletariado a opção foi decisiva em favor dos simpáticos homenzinhos verdes. Ou homenzinhos verdes são os marcianos?

Não lembro se minha amiga chegou algum dia a ser ufóloga, mas Cavaleira (sic) Templária Por Correspondência ela foi. Todo mês ela pagava um carnê no banco, e depois recebia pelo correio umas apostilas com a Sabedoria Oculta da humanidade, preservada por uma elite de Iniciados Secretos contra o obscurantismo da Igreja, da Ciência [1], da Filosofia e, principalmente, contra Qualquer Pessoa Com Um Mínimo de Bom Senso [2].

Durante algum tempo eu achei que esse pessoal da religião de resultados tinha mais fé que os católicos. Afinal eles pagam adiantado, enquanto que a gente só depois de alcançada a graça, e mesmo assim com todas as cláusulas previamente estipuladas, em letras miúdas, no rodapé da promessa.

Mas se um sujeito te diz “não creio nessas estorinhas, sou um cara esclarecido, sei das coisas como elas realmente aconteceram: Jesus, depois que desceu do disco voador, foi educado na Índia e no Tibet [3], aprendeu levitação com o Lavai Lama em pessoa, casou com Maria Madalena e foi com ela para as Gálias, onde deram origem à dinastia merovíngia” —, para esse sujeito temos que tirar o chapéu.

Não sei como alguns podem falar em crise de fé. Estamos vivendo um verdadeiro boom da fé, as pessoas acreditam em tudo. Bom, em tudo, não. Em Deus, não. Duende vá lá, mas fé também tem limite. De qualquer modo, é inegável que o Ocidente entra na Era de Aquário vivendo um clima assim, digamos, meio zen. Zen-vergonha.

Funde agora uma religião, nem isso, uma seita já está bom, pode ser a Grande Ordem Oculta [4] do Chifre Incandescente (o Umberto Eco diria que esse é um nome aberto, com múltipla valência semântica), e assista ao milagre da multiplicação dos discípulos e dos seus ativos financeiros [5].

Para garantir o sucesso de suas reuniões, aqui vai a infalível receita da Pizza Holística Agri-Doce: na lua cheia, quando o seu ascendente estiver na casa da Mãe Joana, pegue um punhado de massa de manobra e umedeça com uma calda morna feita de partes iguais de xarope de caetano e chá de erva gabeira. Enrole bem, amasse e apresente. Enfeite com alguns bettos & boffes, e espalhe por cima de tudo baba de capra a gosto. Requente, sirva e aguarde os aplausos!

Quando você cansar e disser aos seus discípulos “Brincadeirinha!”, e eles perguntarem “Mas então, ó guru, onde está a verdade?”, você responderá que diz, mas com cinqüenta por cento adiantado, e o resto na entrega das chaves.

E se você precisar de uma consultoria (baratinha) em Ciências Ocultas e Letras Apagadas, ligue para mim. Ligue djá.


Notas

[1] O universo está em expansão tão rápida que não é errado dizer que vivemos todos em meio a uma explosão. O tempo passa mais devagar para um objeto que se movimenta com grande rapidez. A luz é onda quando se desloca no espaço, mas partículas quando se choca contra um objeto. O elétron passa de um ponto a outro sem atravessar o espaço intermediário. Com uma realidade tão fantástica à nossa volta, cabe aos psicólogos, sociólogos, sei lá quem mais — explicar o interesse por ocultismos, astrologias e triângulos das bermudas.

[2] Normalmente, o maior segredo oculto que um Iniciado Secreto é capaz de guardar é aquela foto dele pelado, com quatro ou cinco anos de idade, que a mãe insiste em mostrar para todo mundo.

[3] Embora haja quem afirme com segurança que foi em Harvard, com doutorado em Marketing por Wharton.

[4] Com publicações e cerimônias divulgadas com estardalhaço. Que graça tem pertencer a uma sociedade secreta sem que todo mundo saiba disso?

[5] Afinal, templo é dinheiro.



Título original: A Fraternidade Cósmica do Repolho Místico - Por Alexandre Ramos da Silva - Via Pastoralis (Site de orientação católica)


É interessante ler a opinião de um católico romano sobre o momento ímpar que nossa sociedade tem vivido com relação à fé e o misticismo. E o pior é que esse misticismo é generalizado, inclusive nos arraiás evangélicos, com suas correntes e amuletos.

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