segunda-feira, outubro 29, 2012

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O Rei está nu



Por Hermes C. Fernandes

Um dos mais esdrúxulos adesivos de carro que já vi é aquele que diz "Jesus está vivo, hoje falei com Ele". O único que considero pior que esse é o que diz "Em caso de arrebatamento, este carro ficará desgovernado". Não julgo a intenção de quem o exibe em seu carro. Mas fico imaginando o que passa na cabeça de um não cristão quando se depara com ele. E se alguém pergunta onde foi que O encontramos? O que responderemos? Qual o endereço de Jesus neste Mundo? Estaria Ele nas suntuosas catedrais da fé? Sinceramente, acho mais fácil encontrá-lO sob a marquise de um prédio abandonado, coberto de papelão. Se levarmos a sério as Suas palavras, concluiremos que Jesus está vivo entre nós, perambulando pelas ruas e avenidas das metrópolis brasileiras, faminto, pelado, com frio, sem ter onde reclinar a cabeça.

Deus não Se impressiona com lindas melodias, nem com o luxo dos templos, ou com seu estacionamento lotado de carros do ano. A única coisa com que Ele Se importa é com a maneira como temos tratado aqueles nos quais Se esconde: os excluídos da sociedade.

Não seremos julgados pelos cânticos que cantamos ou deixamos de cantar, ou por nossa participação nas programações da igreja. Em vez disso, seremos julgados pelo bem que sabíamos que deveríamos fazer, mas não o fizemos. Tiago diz que “aquele que sabe o bem que deve fazer, mas não faz, comete pecado” (Tg.4:17).

Todos queremos estar entre os que vão ouvir dos lábios de Jesus: “Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo” (Mt.25:34). Mas nos esquecemos que tal veredicto será seguido por uma explanação: “Pois tive fome, e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era forasteiro e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; estive enfermo, e me visitastes; preso e fostes ver-me” (vv.35-36). Jesus Se identifica com as necessidades e mazelas humanas. Ele é Deus, que feito homem, clama pela misericórdia dos homens.

É interessante notar que as pessoas para quem Jesus dá boas-vindas ao Reino, parecem não ter consciência de que o bem que fizeram ao próximo, era como se fora ao próprio Cristo. Eles fizeram o bem ao próximo, sem reconhecer nele a figura de Cristo. E isso mostra que eles exerceram misericórdia sem qualquer pretensão religiosa. Eles não o fizeram no afã de receberem algum galardão. Tudo o que fizeram foi pelo prazer proporcionado pelo exercício da justiça e da misericórdia.

Mas ao fazer o bem ao semelhante, a quem o Filho de Deus chama de “um dos meus pequeninos irmãos”, “a mim o fizestes”, declara Jesus.

Esse, porém, não será o único veredicto pronunciado pelo Supremo Juiz. Quanto àqueles que, ao vir o sofrimento alheio, nada fizeram para atenuá-lo, ouvirão a terrível sentença: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos” (v.41). Estes não alcançarão misericórdia, pelo simples fato de não terem tido misericórdia de seu semelhante. Afinal, “o juízo será sem misericórdia para aquele que não usou de misericórdia. A misericórdia triunfa sobre o juízo!” (Tg.2:13).

Qualquer religiosidade que despreza isso é rejeitada por Deus. De acordo com Tiago, “a religião pura e imaculada para com nosso Deus e Pai é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições, e guardar-se incontaminado do mundo” (Tg.1:27). O resto é ritual desprovido de sentido. Chega a ser um insulto ao Criador.

Tiago encarou este problema com muita propriedade. Ele havia encabeçado a igreja em Jerusalém durante um período de muita carestia e fome, e por isso, adverte: “Se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento cotidiano, e algum de vós lhe disser: Ide em paz; aquentai-vos e fartai-vos, mas não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito há nisso?” (Tg.2:15-16). Em outras palavras: de nada adianta dizer “Deus te abençoe” se não nos oferecermos para ser bênção para o nosso próximo. Versos como este são uma punhalada na teologia da prosperidade tão em voga em nossos dias. De acordo com os seus expoentes, quando um irmão está atravessando dificuldades financeiras, deve-se provavelmente à sua falta de fé, ou à sua infidelidade a Deus. Que paranóia! No pensar de Tiago, a necessidade de um irmão nada mais era do que a oportunidade que a Igreja tinha de manifestar seu amor, não apenas em palavras, mas também em obras. Tiago não diz que se deveria quebrar qualquer tipo de maldição que houvesse sobre ele, ou submetê-lo a uma sessão de exorcismo, ou mesmo profetizar meia dúzia de palavras positivas sobre ele. Em vez disso, a Igreja deveria acolher e buscar suprir as suas necessidades.

Se palavras abençoadoras bastassem, Salomão não teria dito: “Em todo trabalho há proveito, mas meras palavras só conduzem à pobreza” (Pv.14:23).

De que adianta praticarmos qualquer rito religioso, se não atentarmos para as necessidades e os direitos dos nossos semelhantes?

Há uma denúncia séria feita por Deus em Isaías 58:
“Pois dia a dia me procuram; têm prazer em saber os meus caminhos, como um povo que pratica a justiça, e não deixa os mandamentos do seu Deus. Perguntam-me pelos direitos da justiça, e têm prazer em se chegar a Deus. Dizem: Por que jejuamos nós, e tu não atentas para isso? Por que afligimos as nossas almas, e tu não o sabes? Contudo no dia em que jejuais, prosseguis nas vossas empresas, e explorais todos os vossos trabalhadores.” ISAÍAS 58:2-3
Aquele povo se achava no direito de cobrar de Deus uma atenção especial. Usavam seus jejuns como meio de exigir que Deus lhes atendesse as petições. Seu jejum era o ápice da manifestação de sua religiosidade, que aos olhos de Deus, não passava de uma representação teatral. Enquanto seu jejum era voluntário, seus trabalhadores tinham que jejuar involuntariamente, por causa da exploração a que eram submetidos.

O jejum prescrito por Deus é que soltemos “as ligaduras da impiedade”, desfaçamos “as ataduras do jugo”, e deixemos “livres os quebrantados”, despedaçando “todo jugo”, e mais: que repartamos o nosso pão com o faminto, e recolhamos em casa os pobres desterrados, e ainda: vendo o nu, o cubramos, e não nos escondamos do nosso próximo (Is.58:6-7). Em suma, o jejum que Deus deseja que Seu povo pratique é a justiça e a misericórdia, e não a privação momentânea de alimento.

Trocando em miúdos, o exercício espiritual que as Escrituras nos prescrevem é a partilha, por meio da qual a Justiça do Reino é estabelecida.

2 comentários:

  1. Anônimo12:26 AM

    Eu estava justamente falando sobre isso com minha mãe. O que importa pra Deus? Importa que eu estou falando mal da vida de alguém? Importa que eu estou julgando um gay? Ele vai se importar se meu caminho é coberto de ouro? Na verdade não, o que importa é que eu ande em paz e multiplicando a obra Dele, sem pedir, sem exigir, sem condenar, apenas fazendo por amor...é isso que importa. O melhor do seu texto é que você pega os exatos versos que falam sobre isso.
    Obrigada pelo texto.

    Bjs da Mel

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  2. Vania7:20 PM

    Perfeito!!!

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