Mostrando postagens com marcador Opinião. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Opinião. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, fevereiro 22, 2017

20

Entre Blocos e Retiros: Uma parábola do papel da igreja no Carnaval


Por Hermes C. Fernandes

Uma parábola sobre o papel da igreja durante o Carnaval

Epêneto era o presbítero responsável pela igreja em Roma, desde que Priscila e Áquila tiveram que deixar a cidade em busca de novos campos missionários. Epêneto foi um dos primeiros a se converterem através do trabalho realizado por Paulo nessa cidade.

Aquela igreja era muito ativa, sempre aberta a acolher as pessoas. Quando havia algum cataclismo, fome ou guerra, os cristãos se mobilizavam para socorrer as vítimas. Por causa de seu envolvimento com a dor humana, ganhou a simpatia de todos, inclusive de funcionários do palácio de César.

Num belo dia, ouviu-se o clangor do clarim. Todos se reuniram para ouvir o que o mensageiro do império tinha para anunciar. Em duas semanas, o exército romano estaria chegando de uma campanha militar bem-sucedida. O próprio César o receberia com uma Parada Triunfal, que seria seguida de um feriado prolongado dedicado aos deuses Marte e Saturno, também conhecidos como Apolo e Baco, divindades da guerra e do vinho, respectivamente. Seria uma grande festa, regada a bebidas alcoólicas e todo tipo de luxúria. A população sairia às ruas para assistir ao desfile das tropas romanas, dando-lhes boas-vindas, e assistiriam à execução de milhares de prisioneiros. Ninguém trabalharia naqueles dias.

Epêneto ficou preocupado com a notícia. Qual deveria ser o papel da igreja durante essa festa pagã? Ainda inexperiente como líder, reuniu alguns dos mais antigos membros da igreja para discutir o que fazer.

Um deles, chamado Narciso, pediu a palavra e deu sua sugestão:

- Amados no Senhor, por que não aproveitamos o ensejo para promover um desfile paralelo, onde demonstraremos ao mundo a nossa força, revelando a todos nossa lealdade ao Rei dos reis, Jesus Cristo? Podemos até copiar algumas de suas canções, adaptando-as à nossa fé. Em vez de exibirmos prisioneiros, exibiremos testemunhos daqueles que foram salvos. Vamos montar nosso próprio bloco, quer dizer, nossa própria parada triunfal. Pode ser uma grande oportunidade evangelística.

Epêneto, depois de algum tempo pensativo, respondeu: Caro Narciso, a idéia parece muito boa. Porém, quem ouviria nossa voz durante os momentos de folia? Nosso modesto bloco se perderia no meio de toda aquela devassidão. Ademais, a maioria das pessoas estará embriagada, incapaz de entender nossa mensagem. Também não estamos preocupados em dar uma demonstração de força. Jesus disse que nosso papel no mundo seria semelhante à de uma pitada de fermento, que de maneira discreta, sem chamar a atenção para si, vai levedando aos poucos toda a massa. Por isso, acho que sua idéia não é pertinente. Quem sabe em gerações futuras, haja quem a aproveite?


Levantou-se então Andrônico, que gozava de muito prestígio por ser parente de Paulo, e sugeriu:

- Amados, durante o Desfile Triunfal e as Saturnais, a situação espiritual da cidade ficará insuportável. Divindades pagãs serão invocadas, orgias serão promovidas em lugares públicos à luz do dia. Não convém que estejamos aqui durante essa festa da carne. A melhor coisa a fazer é nos retirarmos, buscarmos um refúgio fora da cidade, e aproveitamos esse tempo para nos congratularmos, sem nos expormos desnecessariamente às tentações da carne.

Todos acenaram com a cabeça, demonstrando terem gostado da idéia. Já que seria mesmo feriado, ninguém precisaria trabalhar. Um retiro parecia a melhor sugestão.

O velho presbítero ficou um tempo em silêncio, meditando. Todos estavam atônitos esperando sua palavra, quando mansamente respondeu:

- Irmãos, não nos esqueçamos de que somos o sal da terra e a luz do mundo. Se no momento de maior trevas nos retirarmos, o que será desta cidade? Por que a entregaríamos ao controle das hostes espirituais das trevas? Definitivamente, nosso lugar é aqui. Não Precisamos de exposição, como sugeriu nosso irmão Narciso, nem de fazer oposição à festa, retirando-nos da cidade, como sugeriu Andrônico. O que precisamos é estar à disposição para acolher aos necessitados, às vítimas da violência, aos desassistidos, aos marginalizados.

A propósito, não temos estado sempre disponíveis para atender as pessoas durante as tragédias que tem abatido o império? E o que seriam tais desfiles, senão tragédias morais e espirituais? Saiamos às ruas, mesmo sem participar da folia, e estendamo-los as mãos, em vez de apontar-lhes o dedo, oferecendo compaixão em vez de acusação, amor em vez de apatia. Que as casas que usamos para nos reunir estejam de portas abertas para receber quem quer que seja, e assim, revelaremos ao mundo Aquele a quem amamos e servimos. Afinal, o reino de Deus se manifesta sem alarde, sem confetes, sem barulho, mas perturbadoramente discreto.

Depois dessas sábias palavras, ninguém mais se atreveu a dar qualquer outra sugestão.


* Esta é apenas uma parábola que elaboramos para emitir nossa humilde opinião acerca do papel da igreja durante o período carnavalesco.

Postado originalmente em 11/02/2010

segunda-feira, fevereiro 06, 2017

21

PENA DE MORTE: Como me posiciono apesar do que a Bíblia diz



Por Hermes C. Fernandes

Sempre que ocorre um crime hediondo com requintes de crueldade, ouve-se vozes em defesa da aplicação da pena capital. Eu mesmo, ao assistir à reportagem sobre o assassinato a sangue frio de uma criança de apenas cinco anos que suplicava pela vida mãe, deixei escapar dos lábios: Este bandido não merece viver.

Todavia, não é sensato posicionar-se sobre um tema tão complexo na hora da emoção. Como cristãos, devemos buscar abalizar nossas opiniões no espírito do Evangelho.

Engana-se quem pensa que não há pena de morte no Brasil. Ela é prevista exclusivamente para crimes militares cometidos em tempo de guerra. O Brasil é o único país de língua portuguesa que prevê a pena capital em sua constituição. O código pena militar trata dos crimes que são puníveis com a morte (ao todo são 36 crimes), e determina que seja executada por fuzilamento, havendo a possibilidade de que o presidente da República conceda graça ou comute a pena por outra. Somente a partir da constituição de 1988, a pena de morte foi totalmente abolida para todos os crimes não-militares.

Portugal foi praticamente o primeiro país do mundo a abolir a pena de morte. E hoje, a maioria dos países civilizados já a aboliu.

Nos Estados Unidos, onde os estados possuem certa autonomia em sua legislação, alguns ainda mantêm a pena, mesmo depois de terem sido comprovadas falhas no sistema de justiça que levaram à execução pessoas inocentes.

Há vários métodos usados em sua aplicação ao longo da história, alguns dos quais são vigentes até hoje.
Injeção Letal - Aplica-se por via intravenosa, e de forma contínua, barbitúricos de ação rápida em quantidade letal, combinados com produtos químicos paralisante-musculares. 
Fuzilamento - São disparados vários tiros simultaneamente sobre indivíduos condenados à morte. 
Enforcamento – Pressiona-se com uma corda o pescoço, interrompendo o fluxo de oxigênio para o cérebro.  
Câmara de Gás - Método muito usado pelo regime nazista. 
Eletrocussão – Prende-se o indivíduo a uma cadeira onde recebe uma forte descarga elétrica. 
Crucificação – Método predileto dos romanos. Era uma espécie de ritual em que, primeiro o individuo era flagelado, e depois crucificado. 
Fogueira – Muito usado durante o período da Santa Inquisição. 
Decapitação  – Por espada ou guilhotina 
Envenenamento – O indivíduo é obrigado a ingerir poção venenosa 
Lançando às feras – Muitos cristãos foram vítimas deste método cruel no Império Romano.
O que todos estes métodos têm em comum além de provocar a morte? São irreversíveis. Se for comprovada a inocência de um preso, basta soltá-lo. Mas este houver sido executado, não haverá como corrigir a injustiça. Talvez esta seja a argumentação mais razoável sustentada por quem é contra a aplicação da pena de morte.

O que dizem as Escrituras sobre o tema? Há amparo bíblico para a aplicação desta pena? Uma leitura honesta nos levará a algumas conclusões que para alguns podem parecer desconcertantes.
A primeira delas é que foi o próprio Deus quem a instituiu. Confira:
“E ordenou o SENHOR Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” Gênesis 2:16-17
A partir da desobediência do primeiro casal, todos já nascemos espiritualmente mortos e destinados a experimentar igualmente a morte física. Portanto, a pena do pecado (a  morte) se aplica à toda humanidade.

A segunda constatação é que a Lei dada por Deus a Moisés no monte Sinai sanciona a pena de morte, que deveria ser aplicada em casos de assassinato premeditado (Êx 21:12-14); sequestro (Êx 21:16; Dt 24:7); adultério (Lv 20:10-21; Dt 22:22); incesto (Lv 20:11-12, 14); bestialidade (Êx 22:19; Lv 20:15-16); desobediência aos pais (Dt 17:12; 21:18-21); ferir ou amaldiçoar os pais (Êx 21:15; Lv 20:9; Pv 20:20; Mt 15:4; Mc 7:10); falsas profecias (Dt 13:1-10); blasfêmia (Lv 24:11-14; 16:23); profanação do sábado (Êx 35:2; Nm 15:32-36); e sacrifícios aos falsos deuses (Êx 22:20).

Os profetas não a invalidaram. Veja, por exemplo, o que diz o Senhor pelos lábios de Ezequiel:
“Eis que todas as almas são minhas; como o é a alma do pai, assim também a alma do filho é minha: a alma que pecar, essa morrerá.” Ezequiel 18:4
Alguém poderia argumentar que todas estas passagens se encontram no Antigo Testamento, mas que agora, sob a égide da Nova Aliança, a pena de morte perdeu a sua legitimidade. Porém, não é isso que constatamos ao ler os evangelhos e as epístolas. Repare, por exemplo, no que diz Paulo, apóstolo da graça:
“Porque os magistrados não são motivo de temor para os que fazem o bem, mas para os que fazem o mal. Queres tu, pois, não temer a autoridade? Faze o bem, e terás louvor dela; porquanto ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador em ira contra aquele que pratica o mal.” Romanos 13:3-4
Paulo reconhece que Deus outorgou ao Estado o dever de aplicar duras penas para coibir o avanço do crime e da injustiça. Toda autoridade é ministro de Deus, trazendo consigo a espada para punir os malfeitores. Em momento algum Paulo questiona o direito que Deus confere às autoridades na aplicação da pena capital. Num episódio narrado em Atos, vendo-se sob o risco de ser condenado a tal pena, o apóstolo diz:
“Se, pois, sou malfeitor e tenho cometido alguma coisa digna de morte, não recuso morrer; mas se nada há daquilo de que estes me acusam, ninguém me pode entregar a eles; apelo para César.” Atos 25:11
Diante do que expus a cima, não vejo alternativa senão admitir que a pena de morte seja bíblica, autorizada por Deus tendo como objetivo a manutenção da ordem social. Todavia, recuso-me a posicionar-me favorável a ela. Será que posicionando-me assim, eu estaria me opondo aos princípios da Palavra de Deus? Permita-me explicar minhas razões, antes de condenar-me à fogueira destinada aos hereges.

Assim como Deus autoriza o estado a usar a espada, Cristo ordenou que Seus discípulos o acompanhassem na reta final de Sua jornada na terra munidos de espadas. Porém, quando um deles, afoito, desembainhou sua espada para tentar defender seu mestre daqueles que pretendiam leva-lo preso, Jesus o repreendeu e disse: “Embainha a tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada, à espada morrerão” (Mt.26:52). Talvez Pedro tenha ficado confuso, pensando: - Como assim? Ele mesmo nos manda trazer espadas e agora me censura por usá-la para defendê-lo?

Ora, violência gera violência. A melhor maneira de se combater o crime, a desordem, a injustiça e suas mazelas não é com o uso da força. Não estou, com isso, dizendo que o estado não tenha tal prerrogativa. Todavia, a igreja deve oferecer uma alternativa ao uso ostensivo da violência. E isso, a meu ver, inclui a aplicação da pena capital. 

Outro caso que nos ajudará a tomar posição acerca do assunto é o da mulher pega em flagrante adultério e prestes a ser sumariamente executada. Aqueles homens munidos de pedras não estavam agindo arbitrariamente. Pelo contrário, estavam devidamente amparados pela Lei. Aquilo era o certo a fazer. O pecado tinha que ser punido publicamente para que outros, ao assistirem àquele espetáculo de horror, pensassem duas vezes antes de incorrerem no mesmo erro.

Jesus Se vê numa saia justa. A quem, afinal, ele deveria defender, a vítima ou seus algozes? Jesus não poderia desautorizá-los, questionando e relativizando a ele. Mas também não poderia assistir àquela execução passivamente. Em vez de posicionar-se contra ou a favor da pena capital, Ele lança um desafio: “Aquele que não tem pecado, atire a primeira pedra” (João 8:7). Todos foram saindo à francesa. Pelo jeito, ela não era a única digna de morte ali.

A pena capital está fundamentada no Princípio da Proporcionalidade. Moisés declarou que “quem ferir o outro, de modo que este morra, também será morto (...) Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé” (Êx 21:12, 24). Trata-se da lei de talião, que visava impedir abusos por parte de requeresse justiça. Quem perdesse um olho, não poderia cobrar dois de quem o furou. Sem dúvida, qualquer jurista vai dizer que esta lei foi um avanço na compreensão que a sociedade alcançou acerca do direito. Todavia, Jesus veio nos mostrar um caminho mais excelente. Leia atentamente o que Ele diz:
“Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra.” Mateus 5:38-39
Jesus, portanto, lança um novo fundamento sobre o qual deveríamos construir a civilização do reino:  o perdão. Ele reconhece o direito que a sociedade tem de requerer a morte de quem praticou um crime hediondo, porém, nos desafia a ir além do exercício deste direito, perdoando e rompendo assim com o ciclo da violência. Por incrível que pareça, Gandhi, um hindu, percebeu isso melhor do que muitos cristãos. Pregador da não-violência, ele acreditava que se levássemos a lei do “olho por olho” ao pé da letra, todos acabaríamos cegos.

A prova de que a justiça humana falha está no fato de Jesus ter sido condenado à morte inocentemente. O mesmo não aconteceu com os outros dois crucificados ao Seu lado. Um deles reconheceu a inocência de Jesus e a sua própria culpa. Se aquele ladrão que se converteu na cruz tivesse a chance de ter sua pena revogada, ele teria se tornado numa bênção para toda a sociedade. Acho que ele teria sido mais útil no mundo do que no paraíso. Eu só poderia ser a favor da pena de morte se não acreditasse no poder que o evangelho tem de transformar monstros em homens de bem.

terça-feira, dezembro 20, 2016

34

Porque fiz as pazes com o Papai Noel



Por Hermes C. Fernandes

Acabo de chegar de uma cantata numa igreja hispana em Deltona, Florida. Devo admitir que aprecio muito a atmosfera natalina. Gosto de ver as casas enfeitadas, os shoppings lotados, o corre-corre, a mesa farta, a troca de presentes, e até… o Papai Noel. Isso mesmo que você acabou de ler. Sou fã do bom velhinho. Tive minhas desavenças com ele anos atrás, pois julgava que estava usurpando o lugar de Cristo. De um tempo pra cá, fiz as pazes com o velho Noel. Antes que alguém me esconjure, deixe-me explicar.

Gosto de ver as casas enfeitadas, porque nesta época do ano elas se tornam mais aconchegantes. Os olhos da criançada brilham enquanto vêem a mãe enfeitando a árvore com penduricalhos e pisca-pisca. Quem não tem uma boa lembrança da infância quando chega este período do ano? Aqui nos Estados Unidos dá pra gente saber quem é cristão ou não pela maneira como a casa é decorada para o Natal. Geralmente, enchem-nas de pisca-piscas ao redor da casa, luzes coloridas, presépios, bonecos de neve, veados e alces, trenós, etc. Quando uma casa não é enfeitada, presume-se que ali more uma família judia, ou hinduísta, ou de qualquer outro credo, ou mesmo, sem credo. As casas iluminadas contagiam a vizinhança de um clima de celebração. Aqui em casa reunimos os filhos para ajudar na decoração. Esta semana, enquanto eu e Tânia armávamos o pinheiro de natal, lembrei-me de que foi o grande reformador Martinho Lutero quem começou esta tradição. As bolas representavam o fruto do Espírito Santo. O pinheiro foi escolhido porque é a única árvore a sobreviver à estação do inverno nos países onde é mais rigoroso sem perder a folhagem.

Por que gosto de ver os shoppings lotados? Não seria isso um culto ao consumismo? Que tal deixarmos um pouco o radicalismo de lado? Primeiro, por conta da explosão de vendas, a indústria e o comércio podem empregar mais gente. A economia do país melhora. E quanto à motivação que leva multidões às compras? Não seria a generosidade, uma vez que a maioria vai aos shoppings para comprar presentes? Não seria isso inspirado no exemplo dos magos que ofertaram ao menino Jesus os seus tesouros? Mesmo que gaste parte do sermão natalino pregando contra o espírito consumista predominante nesta época, gosto de receber presentes ao término do culto. Em vez de criticar quem gaste parte de seu orçamento com lembrancinhas, por que não incentivar que pelo menos uma parte dos presentes seja dada aos mais necessitados? Você sabia que é nesta época que as crianças que vivem em orfanatos recebem mais visitas e presentes? O Natal consegue despertar o melhor que há nos homens.

Gosto de mesas fartas. Alguém aí prefere ver famílias que distribuem seus filhos entre casas de vizinhos e parentes, ou simplesmente vão dormir mais cedo por não terem condição de montar uma mesa com as iguarias natalinas? Não confunda isso com glutonaria! Em vez de criticar, líderes poderiam incentivar os fiéis a não desperdiçarem comida, distribuindo para os moradores de rua no dia seguinte. Toneladas de alimento vão pro lixo um dia depois do natal. Isso é que deveria ser condenado.

E quanto ao Papai Noel? Quer saber por que fiz as pazes com ele? Porque cheguei à conclusão de que não será uma figura imaginária que ameaçará a supremacia de Cristo no Natal. Já houve quem até satanizasse o velhinho. Uma igreja na Inglaterra chegou a dizer que o seu nome em inglês seria um anagrama do nome  "Satan". Isso porque seu nome em inglês é Santa Claus, devido à tradição que o associa a São Nicolau. Na mente fértil desta turma, Santa, como geralmente é chamado pela criançada nos países de língua inglesa, seria na verdade Satan, bastando trocar a letra “n” de lugar. #Peloamordedeus! Imagina se o meu Jesus ficaria enciumado por causa de um personagem fictício, que no imaginário popular representa generosidade! Por que não usar a própria figura do Papai Noel para anunciar a Cristo às crianças? Seria muito mais produtivo do que simplesmente demonizá-lo. Imagine alguém fantasiado de Noel numa comunidade carente, com o saco cheio de presentes pra criançada, de repente, antes de distribuí-lo, ele anuncia que o verdadeiro presente de Natal é Jesus, dado por Deus aos homens para que tenham vida eterna. Ademais, sinto-me mais confortável de ver o "bom velhinho" sendo usado como garoto propaganda durante o período natalino, do que ver o meu Senhor tendo Sua imagem associada a qualquer que seja o produto. Seria, no mínimo, desrespeitoso. 

Cristo jamais foi ameaçado por personagem algum. No Natal há lugar para o magos do Oriente, para os pastores de Belém, para o anjo Gabriel e para tantos outros personagens bíblicos, inclusive o malévolo rei Herodes. Noel entra de penetra, mas é bem-vindo. Apesar de ser associado a Nicolau, um cristão primitivo que prezava as crianças, tornou-se num ícone natalino através de uma campanha da Coca-cola nos anos 30. Antes disso, ninguém o reconheceria vestido com aquela roupa vermelha, botas pretas, saco de brinquedos e trenó.

Dito isso, desejo a todos os meus leitores um Natal repleto de alegria e contentamento no Espírito. E que os cristãos não sejam vistos como estraga-prazeres, e sim como aqueles que têm motivo extra pra festejar.

Publicado originalmente em 20/12/2010, durante minha estada na América.

terça-feira, agosto 23, 2016

2

A dança como instrumento de sedução e alienação



Por Hermes C. Fernandes

Nos dois textos anteriores defendemos a dança como expressão de louvor e interação social. Demonstramos através de diversas passagens bíblicas que nada há que desabone sua prática. Entretanto, não podemos ignorar o estado pecaminoso em que se encontra a humanidade, corrompendo tudo à sua volta. Somos uma espécie de rei Midas ao inverso [1], tudo o que tocamos se deteriora, perdendo seu valor original.  Nenhuma manifestação cultural está imune à contaminação do pecado, e isso, naturalmente, inclui a dança.

A mesma faca usada para fatiar um pão pode ser usada para cometer um homicídio. Isso não a torna intrinsecamente má. Assim se dá com relação à dança e qualquer outra manifestação cultural. Cabe aqui a argumentação de Paulo de que “todas as coisas são puras para os puros, mas nada é puro para os contaminados e infiéis; antes o seu entendimento e consciência estão contaminados” (Tt. 1:15).

Temos exemplos bíblicos de como a dança pode ser mal utilizada em propósitos funestos e destrutivos. Por exemplo, no episódio em que a enteada de Herodes, orientada por sua própria mãe, o seduz com sua dança sensual, a ponto do rei babão dizer: “Tudo o que me pedires te darei, ainda que seja a metade do meu reino” (Mc. 6:23). Aliás, esta é uma das raras vezes em que encontramos nas páginas das Escrituras um exemplo de dança performática. Nas demais vezes, a dança é apenas uma manifestação espontânea de alegria de um povo. Isso, de maneira alguma, desabona as danças performáticas como, por exemplo, o ballet clássico ou o street dance. O problema não está na performance em si, mas no propósito por trás dela. 

A filha de Herodias sabia o potencial sedutor de seus movimentos corporais. Provavelmente estava vestindo roupas sumárias, provocando a imaginação do rei. No final das contas, o rei perdeu a cabeça em seus devaneios, enquanto o maior dos profetas perdeu-a literalmente numa bandeja de prata.

Quantos chefes de família têm perdido a cabeça em boates de strip-tease! Quantas meninas estão se perdendo nas mãos desta famigerada indústria de entretenimento! Menores são aliciadas. Mulheres contrabandeadas pelo mundo afora. Tudo para o aprazimento de homens desprovidos de qualquer escrúpulo.

O cristão que aprecia a dança artística deve cuidar para que seu corpo não se torne num instrumento de sedução barata, lembrando sempre que ele é templo do Espírito Santo (1 Co.6:19).  Nosso lema deve ser “não pecar e não fazer ninguém pecar”. Somos carne e, portanto, vulneráveis ao assédio de nossos apetites carnais. Então, para quê cutucar a onça com vara curta?

Quem está envolvido com dança, quer seja na igreja ou como profissional, deve pautar pelo equilíbrio, evitando a vulgarização de algo tão precioso. 

A sensualidade também não é algo ruim em si mesmo. Todos temos uma medida de sensualidade. O que precisa ser evitado é a vulgarização. Não vejo qualquer erro numa mulher seduzir seu marido com uma dança provocativa. Aos olhos de Deus eles são uma só carne. Um relacionamento conjugal desprovido do elemento sedução está fadado ao naufrágio. O próprio intercurso sexual tem seu ritmo e movimento, análogo à dança. Errado seria usar seu poder de sedução para arrancar do outro o que quiser, como fez a enteada de Herodes.

O outro exemplo de dança performática encontrado nas Escrituras é a protagonizada por Sansão no templo de Dagom. O texto diz que os filisteus que o haviam prendido estavam tão eufóricos que exclamaram: “Mandai vir Sansão para nos divertir! Tiraram-no da prisão, e Sansão teve que dançar diante deles. Tendo sido colocado entre as colunas” (Jz. 16:25). Lemos ainda que “o templo estava repleto de homens e mulheres, e estavam ali todos os príncipes dos filisteus; havia cerca de três mil pessoas, homens e mulheres, que do teto olhavam o prisioneiro dançar” (v.27).

Todos se divertiam à custa de Sansão até que este faz um pedido inusitado ao seu Deus. Com as forças devolvidas, Sansão derruba as colunas do templo, matando de uma vez maior número de inimigos do que durante toda a sua trajetória.

Definitivamente aquele não era o lugar de Sansão. Seus cabelos haviam sido raspados, seus olhos vazados, sua honra ultrajada. Suas energias agora eram despendidas no trabalho forçada no moinho de Dagom. Como se não bastasse, o herói dos hebreus se transformara no bobo da corte.

O que estava sendo celebrado ali? A suposta vitória de Dagom, divindade filisteia sobre Iavé, Deus dos hebreus. 

Não é por gostarmos de dançar que devemos frequentar certos lugares, onde o que se celebra é contrário a tudo em que cremos.  Como um cristão poderia participar de um desfile de escola de samba que estivesse promovendo o culto a outras divindades? Ainda que respeitemos a religiosidade alheia, não devemos violar nossa consciência. Nosso culto é direcionado exclusivamente ao Deus revelado em Jesus Cristo. Como um cristão se sentiria dentro de um baile funk onde os valores morais são pisoteados e o sexo é cultuado como se fosse um deus? Se somos habitados pelo Espírito Santo, sentiremos um enorme desconforto por estarmos sendo cúmplices das obras infrutuosas das trevas (Ef.5:11).

O povo de Israel achou que Moisés já estava morto depois de uma ausência de quarenta dias no monte. Pressionando Arão, fizeram um bezerro de ouro e festejaram-no como se fosse o deus que os tirara do Egito. Quando Moisés vinha descendo, encontrou-se com Josué que o esperava no pé da montanha, e disse: "Há gritos de guerra no acampamento!" "Não, respondeu Moisés, não são gritos de vitória, nem gritos de derrota: o que ouço são cantos." Aproximando-se do acampamento, viu o bezerro e as danças. Sua cólera se inflamou, arrojou de suas mãos as tábuas e quebrou-as ao pé da montanha. Em seguida, tomando o bezerro que tinham feito, queimou-o e esmagou-o até reduzi-lo a pó, que lançou na água e a deu de beber aos israelitas” (Êx. 32:17-20).

Suponho que muitos dos que ali dançavam em torno do bezerro não tinham a menor ideia do que estivesse acontecendo. Eram “Maria vai com as outras”. Apenas se deixaram embalar pela música e começaram a dançar alheios aos fatos. Que decepção para Moisés! Depois de tudo o que aquela gente assistira, como a abertura do Mar Vermelho e as pragas no Egito, bastaram alguns acordes para que se esquecessem de tudo e celebrassem perante o deus errado.

A música e a dança têm potencial entorpecente, capaz de fazer com que o cérebro produza efeitos semelhantes aos das drogas. Neste estado de consciência as pessoas podem fazer coisas de que se arrependerão pelo resto de suas vidas.

Preciso salientar que o problema não é a comida, mas a glutonaria. Nem a bebida, mas o alcoolismo. Nem o sono, mas a preguiça. Nem o sexo, mas a promiscuidade. Assim também, o problema não é a dança, mas seu uso desprovido de senso crítico.


* Caso não tenha lido os dois posts anteriores, recomendo que o faça para uma compreensão mais abrangente do tema. 




[1] Midas é um personagem da mitologia grega que transformava em ouro tudo o que tocava.

segunda-feira, agosto 22, 2016

30

O cristão pode dançar em ocasiões festivas?


dança como instrumento de interação social


Por Hermes C. Fernandes

“Mas, a quem assemelharei esta geração? É semelhante aos meninos que se assentam nas praças, e clamam aos seus companheiros, e dizem: Tocamo-vos flauta, e não dançastes; cantamo-vos lamentações, e não chorastes.” Mateus 11:16-17

Supondo que a questão da dança como expressão de louvor esteja superada, passemos adiante e reflitamos sobre a dança em seu aspecto social. Haveria alguma base bíblica que respaldasse o boicote dos cristãos à dança? Seria errado que um pai de família dançasse a valsa na celebração dos quinze anos de sua filhinha? Ocasiões como casamentos, aniversários e formaturas não poderiam ser festejadas com danças? O marido que num rompante romântico tirasse a esposa para dançar estaria cometendo algum sacrilégio? Sugiro que deixemos de lado nossos preconceitos e investiguemos o que dizem as Escrituras sobre isso. O sábio Salomão salienta que “tudo tem a sua ocasião própria, e há tempo para todo propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derribar, e tempo de edificar; tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar (Ecl.3:1-4).

Certamente que ele não estava referindo-se à dança litúrgica, mas a celebração que fosse o contraponto do pranto e do luto.  Se num funeral, pranteava-se, num casamento era comum que os convivas acompanhassem os nubentes na dança.  No Israel dos tempos bíblicos, não havia bodas sem baile. Seria como um casamento sem bolo em nossos dias.  Duvido muito que o próprio Jesus não tenha dançando durante as bodas de Caná da Galileia. Teria sido uma desfeita, pra não dizer uma afronta.


Muitos cristãos preferem não frequentar festas porque se sentem deslocados quando a turma começa a dançar. Uns, simplesmente se levantam, e saem à francesa. Outros se sentem afrontados por acharem que sua presença deveria impor algum respeito.  Ora, se somos orientados a “chorar com os que choram e alegrar-nos com os que se alegram”, logo, deveríamos, no mínimo, sentir-nos contentes de vê-los celebrar.  Jamais deveríamos portar-nos como “estraga-prazeres”.

Lemos em Juízes 21 que a tribo de Benjamim se via ameaçada de extinção e que, por isso, seus homens foram a uma espécie de baile à procura de moças para se casarem.  “Quando as moças estavam dançando, cada homem tomou uma para fazer dela sua mulher. Depois voltaram para a sua herança, reconstruíram as cidades e se estabeleceram nelas” (Juízes 21:23). Aquela tribo foi salva por um baile.

É claro que não estamos aqui fazendo apologia aos bailes onde prevalece a imoralidade. A própria igreja ou as famílias poderiam promover celebrações onde os jovens pudessem se alegrar e bailar de maneira decente, saudável e divertida. Quantos anciãos poderiam aproveitar um baile da terceira idade para fazer amigos e até encontrar alguém com quem pudessem compartilhar o restante de sua vida!

Além de espirituais, também somos seres sociais.

Também não estou defendendo que se façam bailes como estratégia evangelística, mas como celebrações legítimas para o próprio povo de Deus, onde possamos dar boas gargalhadas, brincar entre amigos, cantar, dançar e festejar sem nos preocupar com críticas dos que se consideram super-espirituais.

A ausência de dança representava juízo de Deus sobre o Seu povo

Na Antiga Aliança, a falta de dança era resultado do juízo de Deus sobre o Seu povo.

“Cessou a alegria de nosso coração”, desabafa Jeremias,  “converteu-se em lamentação a nossa dança” (Lm. 5:15). Se o coração de Deus não estava alegre, isso acabava refletindo na vida social do Seu povo. Cria-se que a alegria do Senhor era força do Seu povo. Se Deus estava satisfeito, logo, todos festejavam. 

A propósito, o Deus que se revelou aos patriarcas e profetas é um Deus festeiro. Não foi à toa que Ele estabeleceu quatro festas anuais em Israel, e todas elas regadas a muita dança.  Ora, se a ausência de dança indicava juízo, sua volta marcava a restauração da alegria do povo.

O mesmo profeta prediz:
“Então as moças dançarão de alegria, como também os jovens e os velhos. Transformarei o lamento deles em júbilo; eu lhes darei consolo e alegria em vez de tristeza.” Jeremias 31:13
O salmista também testifica: “Mudaste o meu pranto em dança, a minha veste de lamento em veste de alegria” (Sl. 30:11). Restauração é a palavra-chave. Onde quer que ela ocorra, sobram motivos para festejar.

Foi o que aconteceu no retorno do filho pródigo. Aquele momento precisava ser celebrado. Por isso, o pai mandou anunciar que naquela noite haveria baile na fazenda.  Não era um culto, mas um baile. Porém, aos ouvidos de Deus aquele baile soaria como um autêntico culto de ação de graça. Enquanto todos se divertiam, o filho mais velho que passara o dia no campo trabalhando chegou perto de casa, e “ouviu a música e as danças” (Lc. 15:25). Aquela foi a gota d’água. Ofendido, ele recusou-se a entrar na festa. Foi preciso que o pai saísse ao seu encontro e o convencesse de que aquela era uma ocasião propícia para celebrar. O filho que estava morto havia revivido.

Quantos de nós temos reagido exatamente como o filho mais velho da parábola? Não admitimos que outros celebrem. Questionamos suas motivações. Achamos que a única razão de celebrarmos é o fato de sermos salvos. Ok.  Esta é a mais forte razão, mas não é a única. Por que não festejarmos o nascimento de um filho? Por que não sair pra dançar com a esposa no aniversário de casamento? Por que não tirá-la pra dançar na sala de estar ao som de uma música romântica? Será que o Espírito Santo se sentiria ofendido ao ver um casal abraçado dançando romanticamente? Creio que não. Aborrecido ficaria ao vê-los brigar, discutir, se agredir verbalmente.

Sempre haverá ocasiões especiais para serem celebradas com danças. Lemos que “quando os soldados voltavam para casa, depois de Davi ter matado o filisteu, as mulheres saíram de todas as cidades de Israel ao encontro do rei Saul com cânticos e danças, com tamborins, com músicas alegres e instrumentos de três cordas.” (1 Sm. 18:6). E não eram propriamente louvores a Deus que entoavam.

Há quem pense que só podemos dançar canções que exaltem o nome do Senhor. Porém, há canções que, ainda que não mencionem o nome “Deus”, exaltam valores que nos são caros, tais como família, amizade, amor, etc.

Confesso que não me sentiria confortável dançando com a minha esposa ao som de louvores. A ocasião não é própria para isso. O que não falta é oportunidade de louvar ao meu Deus, e acho que Ele não se sente enciumado quando tiro minha esposa para dançar ao som de uma canção romântica secular. Desde que sua letra não afronte minha fé e meus valores, nada impede que eu a curta ao lado de quem amo.

No próximo post quero abordar o outro lado da moeda, mostrando como a dança tem sido usada como instrumento de sedução e alienação. 

sábado, agosto 20, 2016

15

É legítimo usar a dança como expressão de louvor a Deus?




Por Hermes C. Fernandes

Não é de hoje que a dança é um tabu entre os cristãos de diversas tradições. Há quem a admita apenas como expressão cultural ou de interação social, mas jamais como instrumento de louvor a Deus. E há quem faça o caminho inverso, usando e abusando da dança no ambiente de culto, porém, desprezando-a fora dali.

Pesquisando pela internet encontrei várias advertências quanto ao seu uso pelos cristãos. De acordo com o site Jesus Voltará, a igreja metodista condena a dança, alegando que ela é "prejudicial à vida cristã. O mesmo site afirma que para a igreja congregacional, "a prática da dança por parte dos membros de nossa igreja não condiz com a profissão religiosa, devendo ser tornada objeto de disciplina. A igreja presbiteriana consideraria "a prática de dança por parte dos membros da igreja como pasmosa incoerência", e alerta aos pais que enviarem seus filhos a escolas de dança de estarem cometendo um grave erro na disciplina da família. Para o bispo A. C. Coxe da igreja episcopal, "a dança é lascívia". O mesmo bispo advertiu aos dançadores a não participarem da mesa da comunhão. O bispo Hopkins, também da igreja episcopal, acrescenta: “A dança é responsável pela dissipação de tempo, a condescendência para com a vaidade pessoal e o incitamento prematuro das paixões, e artifício nenhum pode torná-la condizente com o pacto do batismo.” Nem mesmo a igreja católica romana se posicionou favorável à dança. O Concílio Pleno de Baltimore diz:“Consideramos ser nosso dever advertir nosso povo contra os divertimentos que possam facilmente tornar-se para eles ocasião de pecado, contra as modalidades de danças que, como praticadas presentemente, repugnam a todo sentimento de delicadeza e decoro, e se fazem acompanhar dos maiores perigos para a moral.”[1]

Apesar de todos estes posicionamentos contrários à dança, ela nunca esteve tão presente na vida eclesiástica quanto atualmente.  Deixando de lado as opiniões denominacionais, verifiquemos o que dizem as Escrituras acerca desta prática que acompanha a humanidade desde os seus primórdios.

# Dança como expressão de louvor a Deus nas Escrituras

Não faz muito tempo que algumas igrejas resolveram adotar a dança em seus cultos. Porém, no afã de evitar escândalo, principalmente por parte dos mais conservadores, adotou-se a nomenclatura “coreografia” em vez de “dança”.  A princípio, os grupos de coreografia apresentavam perfomances comedidas, com passos e gestos bem sóbrios. 

Com o passar do tempo, alguns grupos aderiram ao mover conhecido como dança profética.  O termo ‘dança’ em conexão com o termo ‘profética’ tornou a prática mais palatável entre os considerados mais espirituais, despindo-a de sua conotação mundana. Segundo os expoentes do movimento, a dança profética teria o objetivo de trazer mensagens à congregação, levando-a a uma adoração mais profunda.  Deste mover, desenvolveu-se a adoração extravagante, em que os participantes expressam seu louvor a Deus com canções e danças improvisadas.

Já entre os pentecostais clássicos surgiu o movimento conhecido como re-te-té, em que as pessoas são tomadas por uma espécie de êxtase, rodopiando ou marchando pelo salão da igreja. Tais manifestações exóticas são consideradas por estes grupos como danças espirituais, embaladas pelo som de pandeiros e corinhos de fogo cujo ritmo e harmonia lembram pontos cantados em terreiros de religiões afro-brasileiras.

Apesar de nossas reservas devido aos abusos cometidos em alguns movimentos, não podemos negar que haja fundamentação bíblica para o uso da dança como expressão de louvor a Deus.

Lemos no relato do Êxodo dos hebreus, que após atravessarem o Mar Vermelho, “Miriã, a profetiza, a irmã de Arão, tomou o tamboril na sua mão, e todas as mulheres saíram atrás dela com tamboris e com danças” (Êx. 15:20).

Alguns poderão alegar que Miriã provavelmente estava sob influência cultural egípcia, e que àquela altura o povo de Israel ainda não havia desenvolvido sua própria maneira de cultuar a Deus.  Entretanto, encontramos outro episódio ocorrido vários séculos depois, quando Israel já estava devidamente estabelecido como nação, e o culto a Deus já havia sido normatizado. Trata-se da passagem em que Davi trouxe de volta a Jerusalém a Arca da Aliança. O texto diz que “Davi, vestindo o colete sacerdotal de linho, foi dançando com todas as suas forças perante o Senhor, enquanto ele e todos os israelitas levavam a arca do Senhor ao som de gritos de alegria e de trombetas” (2 Sm. 6:14-15). Censurado por sua própria esposa que o acusou de querer exibir-se perante suas servas, Davi se justificou: foi perante Senhor que dancei; e perante ele ainda hei de dançar” (2 Sm 6:21). Aos que insistem em associar a dança com irreverência, pergunto: Estaria Mical com a razão? Teria Davi cometido algum excesso? 

Não bastassem esses dois casos, encontramos uma orientação clara no livro dos Salmos, que, diga-se de passagem, foi fartamente usado pela igreja primitiva como base do seu culto a Deus:

“Louvai-o com o tamborim e a dança, louvai-o com instrumentos de cordas e com órgãos. Salmos 150:4

A maioria que discorda do uso da dança como elemento de culto alega não haver no Novo Testamento qualquer orientação acerca disso. Porém, sabemos pelo próprio Paulo, que a igreja deveria usar os Salmos em seu culto a Deus. Confira:

“Falando entre vós em salmos, e hinos, e cânticos espirituais; cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração.” Efésios 5:19

Teria Paulo e os demais apóstolos censurado o Salmo 150 que nos orienta a louvar a Deus com danças? Recuso-me a crer nesta possibilidade. Imagine a cena: todos estão declamando este salmo, quando, de repente, alguns começam a dançar. Paulo, então, interrompe a leitura e diz: “Parem com isso agora mesmo! Que irreverência! Vocês podem ler, mas não praticar!” Ora, isso não me parece razoável.

E o que dizer dos Salmos 87 e 149? Também deveriam ser censurados?

“Com danças e cânticos, dirão: "Em Sião estão as nossas origens!” 
Salmos 87:7

“Louvem eles o seu nome com danças; ofereçam-lhe música com tamborim e harpa.” Salmos 149:3

A exigência neotestamentária é que o culto deve ter ordem e decência (1 Co.14:40). Porém isso, de maneira alguma, exclui expressões corporais, desde que não sejam apelativas e sensuais. Ademais, por que numa aliança caracterizada pela liberdade faltaria um elemento como a dança tão apreciada sob a primeira aliança? Seria, no mínimo, um contrassenso acreditar que os que vivem sob a égide da graça seriam privados de um bem tão comum aos que viveram sob o peso da lei.

Que tem havido abuso quanto ao uso da dança no culto, não me atrevo a discordar. Só não vejo razão para jogar fora o bebê junto com a água suja do banho. Basta que eliminemos os exageros para que encontremos um equilíbrio.

Penso que haja lugar tanto para danças ensaiadas (performáticas) como para danças espontâneas e congregacionais.  Tudo dentro de um padrão descente e devidamente ordenado. Sem chocarrices. Sem histeria. Sem êxtases. Apenas corações tomados da alegria do Espírito, desejosos de expressar sua gratidão a Deus. 

Décadas atrás, a igreja debatia se deveria ou não usar instrumentos musicais em seus cultos. Hoje, esta temática parece estar ultrapassada. Tanto órgãos como guitarras elétricas e baterias são facilmente encontrados em igrejas de praticamente todas as denominações. Acredito que o mesmo se dará com o uso de dança nos cultos. 

Os pregadores podem ficar tranquilos que a dança jamais substituirá a pregação da Palavra, nem os louvores congregacionais. Se porventura isso ocorrer, compete ao ministro chamar a atenção de sua congregação para que reencontre o equilíbrio perdido. 

No próximo post abordaremos a dança como expressão cultural e de interação social. É lícito ao cristão praticar ballet, dança de salão, valsa de debutante, etc?



[1] http://www.jesusvoltara.com.br/atuais/dancar_danca.htm

quinta-feira, junho 02, 2016

23

Desigrejados, uni-vos!




Por Hermes C. Fernandes

Jesus peitou o sistema religioso de Sua época, mesmo sabendo o alto preço que teria que pagar por Seu atrevimento. Ele disse que faríamos obras ainda maiores. E por quê maiores? Quem somos nós para superarmos o nosso Mestre?

O fato é que, quando Jesus caminhou entre nós, o sistema religioso, por mais refinado que parecesse, ainda era rudimentar em comparação aos nossos dias. Hoje, se quisermos seguir os passos de Cristo, teremos que peitar uma verdadeira indústria religiosa, onde as pessoas são vistas, ora como produtos, ora como clientes, ora como engrenagens.

O que muitas vezes é chamado "discipulado", nada mais é do que a produção de seguidores em série, soldadinhos de chumbo, réplicas perfeitas de seus mentores e líderes. Não foi isso que Jesus planejou quando recrutou Seus primeiros discípulos na Galileia. Jamais foi Sua pretensão que a igreja se tornasse numa fábrica de lunáticos.

O discipulado autêntico é aquele que nos desafia a encarnar a mensagem de Cristo, tornando-nos agentes transformadores do Reino, infiltrados numa sociedade corrompida. O verdadeiro discipulado é o que envia ovelhas para o meio dos lobos.

O mais importante não é encher a igreja, mas encher o mundo com o conhecimento de Deus.

Enquanto quebramos maldições hereditárias, o abismo entre gerações se acentua, e assim, 'maldições existenciais' se perpetuam. Buscamos cura interior, enquanto lá fora, há chagas sociais que precisam cicatrizar, hemorragias que ainda não foram estancadas.

Discutimos o sexo do anjos, enquanto pequenos anjos, abandonados nas ruas, são molestados diariamente por quem deveria protegê-los.

Reagimos violentamente contra leis que poderiam prejudicar a igreja, mas não nos importamos com leis que prejudicam os mais necessitados, solapando seus direitos.

Mania de coar mosquitos e engolir camelos!

- Limpem bem seus pés quando entrarem no templo para não estragar o carpete novo. Amém ou não amém? E não se esqueçam de se escrever em mais um congresso a ser realizado no hotel tal, por uma bagatela de 400 reais.

Tornamo-nos uma caricatura da igreja de Jesus.

Enquanto a sociedade se debruça sobre questões de primeira grandeza, voltamo-nos para nós mesmos, preocupados com questiúnculas.

- Não podemos perder para os gays, não é verdade? Se eles reuniram três milhões em sua parada, vamos reunir o dobro em nossa marcha para Jesus.

Grande coisa!

Ah se os cristãos soubessem que muitos desses manifestos são apenas demonstrações de poder político! É por essas e outras que, a cada dia, cresce assustadoramente o número de desigrejados. Uma massa descontente com os rumos tomados pelas igrejas.

Quando sairemos às ruas em favor do oprimido? Quando deixaremos de lado nossa postura arrogante e estenderemos as mãos aos necessitados?

Enquanto mantivermos o dedo em riste, em espírito inquisitório, o mundo nos dará outro dedo, o do meio. 

Quando as igrejas deixarem de ser currais eleitorais, e se tornarem centros de cidadania; quando deixarem de se preocupar com o próprio umbigo, e voltarem-se para fora, então a esperança triunfará. O dedo que antes apontava os erros, passará a indicar o caminho.