terça-feira, julho 02, 2019

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PRA NÃO DAR NA PINTA



Por Hermes C. Fernandes 

Ele não poderia deixar barato! Onde já se viu uma quantia considerável em dinheiro que poderia ter vindo para sua mão sendo desperdiçada daquela maneira...  Mas ele também não poderia dar na pinta. Seus colegas jamais poderiam imaginar seu verdadeiro interesse.

De fato, aquela cena estava revirando seu estômago. Algo precisava ser feito. Alguém teria que detê-la! Ela estava abrindo um perigoso precedente.  Até aquele dia, todo dinheiro que chegava tinha que passar por ele, afinal de contas, ele era o tesoureiro. Jesus não teria dado tamanho voto de confiança a alguém em quem não confiasse, não é verdade? Por isso mesmo, ninguém era capaz de supor que ele desviasse parte do dinheiro das contribuições que visavam manter o ministério de Jesus. Refiro-me a contribuições feitas em sua maioria por viúvas, trabalhadores, gente do povo. Judas não tinha o menor escrúpulo em surrupiar parte daquele dinheiro. Por incrível que pareça, sua consciência se mantinha intacta. Não sei como ele conseguia driblá-la, mas posso imaginar que ele se convencia de que merecia ficar com parte do que era arrecado, ainda que sem o consentimento do mestre.

Tudo corria conforme o esperado até que aquela mulher estragou tudo. Que revolta! Ela não tinha nada que derramar um perfume tão caro nos pés de Jesus! Por que não o vendeu e entregou o valor em suas mãos? Pode-se dizer que aquela teria sido a oferta mais expressiva que Jesus recebera até então.  Não era um perfume qualquer comprado em um Boticário na esquina. Custara-lhe 300 denários, isto é, um ano inteiro de trabalho. Supondo que hoje um trabalhador ou diarista ganhe em torno de 50 reais por dia de trabalho, 300 denários equivaleria à quantia de 15.000 reais.

Um denário era uma moeda que pesava quatro gramas de prata. Portanto, 300 denários equivaliam a 1,2 kg de prata. Não dava para fazer vista grossa a uma quantia tão vultuosa.

Será que daria para reverter aquilo ou pelo menos impedir que aquilo ocorresse mais vezes? Já pensou se vira moda?
Judas respira fundo, e num cochicho diz aos colegas: Vocês não acham que isso é um desperdício? Ela poderia ter vendido o perfume e entregue o valor em dinheiro. Pelo menos assim teríamos com que acudir os pobres.

Quanta cara de pau, seu Judas! Você nunca se importou com os pobres! Você era um dos que criticavam o mestre quando este se preocupava em alimentar os pobres. Agora me vem com essa estorinha...

Pelo olhar dos demais discípulos, todos pareciam concordar. Judas tinha razão! Os pobres deveriam ser prioridade. Porém, Jesus não pareceu dar a mínima para a crítica de Judas, pois conhecia a sua índole. Se Ele não impediu a oferta de uma viúva pobre no templo, por que impedira que aquela mulher lhe demonstrasse todo o seu amor?

Semelhantemente, há quem só é tomado por uma aparente crise de consciência quando o dinheiro deixa de passar por sua mão. Seus comentários agora só tem um propósito: dissuadir os que almejam agradar a Cristo, dedicando-lhe sua vida e seus recursos.

Judas não deixou barato.  Aquela foi a gota d’água que revelaria seu caráter. Mal esperou que a última gota de perfume fosse derramada em Jesus e saiu correndo para encontrar-se com os sacerdotes para trair seu mestre pela bagatela de 30 moedas de prata. Repare nisso: Judas traiu Jesus pelo dízimo do valor que aquela mulher dedicou a Jesus.

Dizem por aí que o que teria motivado Judas a trair seu mestre era a esperança de que isso o forçaria a abandonar o seu ministério e submeter-se à agenda de quem só pensava em tomar o poder e se locupletar dele.

Judas parecia um exímio jogador de xadrez, mas levou um xeque-mate de Cristo ao ser exposto ante os olhos dos demais discípulos: "O que mete a mão comigo no prato, este me trairá." Quem é capaz de meter a mão no prato do próprio mestre, servindo-se a si mesmo sem o menor recato, é quem igualmente é capaz de meter a mão na bolsa para se locupletar. O cuidado com os pobres é apenas a justificativa, a cortina de fumaça.  Não dê crédito a crises de consciência tardias, pois estas expõem de maneira eloquente o verdadeiro intento do coração.

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