Por Hermes C. Fernandes
Se espera encontrar aqui uma receita de bolo, aconselho a
parar por aqui mesmo, pois vai se desapontar. Mas se busca por instruções
legítimas que possam lhe proporcionar um tempo de refrigério em sua jornada,
leia até o fim. Todas essas instruções se encontram na primeira carta de Paulo
aos Tessalonicenses, capítulo 5, do verso 12 ao 22.
1 – Líderes e
trabalhadores devem ser honrados – “Agora
lhes pedimos, irmãos, que tenham consideração pelos que trabalham entre vocês, e
pelos que os lideram no Senhor e os aconselham. Tenham-nos na mais alta estima,
com amor, por causa do trabalho deles. Vivam em paz uns com os outros” (1
Tessalonicenses 5:12,13). Não se pode honrar líderes enquanto se despreza os
trabalhadores, tampouco se pode considerar a mão de obra sem levar em conta os
que a instrui. Ambos cumprem um importante papel na promoção do bem comum. Deve-se,
portanto, estima-los, não como quem os bajula por algum interesse, mas
exclusivamente por amor; não em função do título que ostentem, mas unicamente
por causa de seu trabalho. Somente assim, haverá paz entre os do andar de cima
e os do andar de baixo, entre o pico da pirâmide e a sua base. A paz não deve
ser confundida com uma trégua temporária, mas com uma condição alcançada quando
há justiça, e nenhuma das partes se locupleta do prejuízo da outra.
2 – Os insubmissos
devem ser admoestados – “Exortamo-vos
também, irmãos, que admoesteis os insubmissos” (v.14). Interessante notar
que algumas traduções trazem a palavra “ociosos” no lugar de “insubmissos”, o
que nos leva a crer que na percepção do apóstolo, o insubmisso é aquele que faz
do ócio um instrumento de sabotagem. Ele sabe criticar e pôr defeito em tudo o
que os outros fazem, mas não move uma palha visando o bem comum. O tal deve ser
advertido. Somos orientados pelas Escrituras a que sejamos submissos uns aos
outros, isto é: devemos colocar o bem comum à frente de nossos próprios
interesses.
3 – Os desanimados
devem ser consolados – “...consoleis
os desanimados” (v.14). Infelizmente, muitos invertem a ordem e acabam
consolando os insubmissos e admoestando os desanimados. Na maioria das vezes, o
estágio de desânimo antecede ao da insubmissão. Antes de sabotar o bem comum,
tornamo-nos céticos e cínicos por já não encontrarmos razão para acreditar.
Consolar um desanimado poderá evitar que ele se torne num insubmisso. E
consolar aqui tem o sentido de encorajar, botar para cima, reanimar.
4 – Os fracos devem
ser sustentados – “...sustenteis os
fracos” (v.14). “Ninguém solta a mão de ninguém!” Ninguém é forte o tempo
inteiro. Todos temos nosso momento de fraqueza, quando nossa humanidade fica à
flor da pele. E nestas horas, procuramos estar com os que não desistem de nós,
apesar de nós mesmos. Abandonar o fraco em sua jornada constitui-se num das
mais covardes atitudes que um ser humano possa tomar. Ao deparar-se com alguém
nesse estado, lembre-se de que amanhã poderá ser você. A ovelha que se desvia
do redil deve ser admoestada, e para isso, o pastor faz uso de sua vara. A
ovelha que cai em um barranco deve ser resgatada, e para isso, o pastor faz uso
de seu cajado. Mas a ovelha machucada e fraca deve ser carregada nos ombros do
pastor.
5 – Devemos ser
pacientes com todos – “...e sejais
pacientes para com todos” (v.14). Quem nunca se sentiu como o Chaves em sua
lamúria? “Ninguém tem paciência
comigo...! Todos os grupos descritos acima carecem de nossa paciência. Sem
paciência, não honraremos nossos líderes, nem tampouco os trabalhadores. Sem
paciência, os insubmissos ficarão exatamente como estão, os desanimados serão
desprezados, os fracos serão postos de lado para não atrapalhar, e assim por
diante. Mas antes de procurar ter paciência para com os outros, pense no quanto
eles têm tido que lhe aturar em suas falhas e fraquezas. A paciência que você sonega a eles é a mesma
de que você carece para continuar em sua jornada desfrutando de sua companhia.
6 – O ciclo do mal
precisa ser interrompido – “Tenham
cuidado para que ninguém retribua o mal com o mal, mas sejam sempre bondosos
uns para com os outros e para com todos”(v.15). Longe de ser um atestado de
idiotice, oferecer a outra face é a única alternativa para quem não almeja
retroalimentar o ciclo da violência. Devemos, antes, ser bondosos, não apenas
com os que pertencem ao nosso grupo, com os que professam a nossa fé, mas com
absolutamente TODOS.
7 – O prazo da nossa
alegria deve ser prorrogado – “Regozijai-vos
sempre”(v.16). O prefixo ‘re’ tem o sentido de ‘novamente’. Portanto, ‘regozijar’
significa literalmente ‘gozar de novo’. E que estória é essa de “gozar de novo sempre”? Sabemos que nada
é mais efêmero do que o gozo, tanto o sexual, quanto o de qualquer outra
natureza. O gozo é intenso, porém, é fugaz e dura bem menos do que gostaríamos.
Nesta passagem, Paulo diz que é possível estender nosso gozo de maneira
ininterrupta. E como se dá isso? Não permitindo que nada roube nossa alegria.
Que nossas tristezas sejam momentâneas, mas nossa alegria seja perene. Que a
alegria seja muito mais que uma sensação e se torne em um estado permanente
subsidiado pela graça. E caso não percebamos qualquer razão imediata para
estarmos alegres, busquemos em nossas memórias ou mesmo em nossas esperanças. O
certo é que, em se tratando de gozo/alegria, não devemos nos contentar com
pouco. Porém, usando a vida sexual como analogia, o gozo só vem quando há tesão/desejo.
E se este for muito, é possível gozar várias vezes em um único intercurso. Infelizmente,
muitos adotam uma espiritualidade brochante,
que corta o barato de qualquer um, pois pensam que Deus é uma espécie de estraga-prazer
cósmico. Ao contrário disso, Deus foi quem inventou o prazer. O gozo é uma
celebração, um aperitivo do que nos espera na eternidade.
8 – Devemos
permanecer em Stand-By – “Orai sem
cessar” (v.17). Particularmente, não conheço ninguém capaz de orar
ininterruptamente. Todos temos nossos afazeres. Se não fizéssemos outra coisa
que não fosse orar, morreríamos de fome. Por isso, recuso-me a crer que Paulo
estivesse sugerindo algo nesse sentido. O que seria, então, orar sem cessar?
Imagine um celular. Ainda que você não esteja atendendo a alguma ligação, ou
ligando para alguém, seu aparelho se encontra em stand-by. A qualquer momento,
alguém poderá lhe alcançar ou vice-versa, a menos que você esteja fora da área
de cobertura ou com o seu aparelho em modo avião ou desligado. Assim também
deve ser nossa comunhão com Deus. Não precisamos seguir nenhum protocolo para
acessá-lo. Nem carecemos de “entrar em Sua presença” a cada vez que oramos,
visto que vivemos em Sua presença em todo o tempo. Basta que nos dirijamos a Ele,
seja de maneira audível ou apenas em pensamento, e imediatamente seremos
ouvidos. Da mesma forma, a qualquer momento, em qualquer lugar, Ele poderá nos
acessar através do Seu Espírito.
9 – Não deixe espaço
para a ingratidão – “Em tudo dai
graças, pois esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco”
(v.18). Repare que o apóstolo não diz que devemos dar graças POR TUDO, mas EM
TUDO. Como vou agradecer a Deus por algo
que não veio d’Ele? Há situações que são frutos de escolhas equivocadas.
Portanto, não faz sentido agradecer a Deus POR elas. Entretanto, nada há que
não tenha a permissão divina, e por isso, mesmo não agradecendo por tais
situações, devo agradecer a Deus por me permitir atravessá-las. Não vejo
sentido em agradecer a Deus por uma doença, mas creio ser importante manter-se
grato a Deus mesmo em meio a uma enfermidade. Devo ser grato por Sua provisão
contínua, ainda que por um instante passe por privação. Permitir-me vivenciar
algo é dar-me um voto de confiança. Como não Lhe serei grato? Nada fere mais o
coração de Deus do que a ingratidão. É dela que brota a murmuração e todo tipo
de insolência. O simples fato de estarmos vivos já deveria ser suficiente para
sermos gratos a Deus que todos os dias renova a Sua misericórdia para conosco,
dando corda em nosso coração.
10 – Não apague o que
não foi você quem acendeu – “Não
apagueis o Espírito” (v.19). Não, o Espírito Santo não é uma chama. Ele é
uma Pessoa. Então, o que Paulo quis dizer com esta instrução? Embora Ele seja
uma Pessoa, Sua presença em nós é como uma chama, e o combustível que a mantem
acesa se chama COMUNHÃO. Quando ignoramos Sua presença, deixando de dar ouvidos
aos Seus sussurros em nossa consciência, Sua presença em nós vai ficando cada
vez mais tênue até que um dia deixe a impressão de ser ausência. Jesus estava
no barco quando os discípulos enfrentaram aquela tempestade que por pouco não
os fez naufragar. Se eles se mantivessem conversando com o mestre durante todo
o trajeto, Ele não teria descido para a polpa do barco para dormir.
Semelhantemente, se ignorarmos a presença do Espírito, será como se o confinássemos
nos porões de nossa alma. Em vez de ficar papeando com os seus botões, gaste
tempo estreitando sua comunhão com o Deus que reside em você.
11 – A Palavra não
pode ser desprezada – “Não desprezeis
as profecias” (v.20). Se falamos com Deus através da oração, Deus fala
conosco através da Sua Palavra. Desprezar as profecias é o mesmo que desprezar
o cumprimento delas: JESUS. Ele é a Palavra Encarnada que cumpre fielmente a
Palavra Encadernada, isto é, o Antigo e o Novo Testamento. Preste atenção no que diz o escritor da
epístola endereçada aos Hebreus: “Havendo
Deus outrora falado, muitas vezes, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos,
nestes últimos dias, pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo, por quem
fez o mundo” (Hebreus 1:1-2).
12 – Não compre
pacotes fechados – “Examinai tudo.
Retende o bem. Abstende-vos de toda espécie de mal” (vs.21-22). Em vez de
sair por aí comprando pacotes fechados, devemos examinar item por item, absorvendo
apenas o que for bom, que promova o bem de todos, e descartando o que só
desperta o que há de pior em nossa natureza, realçando nosso egoísmo, nossas
presunções, nossos preconceitos. Nem mesmo as Escrituras devem escapar do
escrutínio de nossa consciência iluminada pelo Espírito Santo. Qualquer coisa
ali que não nos remeta a Jesus deve ser rechaçada, venha de quem vier, de
Abraão, de Moisés, de Davi ou de qualquer outro. O mesmo critério deve ser
usado ao examinarmos qualquer obra, seja literária, cinematográfica, política,
ideológica, etc. Sempre haverá algo bom que seja fruto do gênio humano. Porém
todas as nossas obras possuem as digitais de nossa condição existencial pecaminosa.
Somos filhos de nosso próprio tempo, e tudo quanto produzimos vem contaminado
pela leitura que fazemos com as lentes de nossa própria cultura.
Estas instruções poderiam ser lidas de baixo para cima, ou
de frente para trás. Se examinássemos tudo, retendo somente o que fosse bom,
não desprezaríamos as profecias. E se não desprezássemos as profecias, não
apagaríamos o Espírito, visto que Sua presença em nós se alimenta da Palavra.
Se não apagássemos o Espírito, certamente daríamos graças em tudo, e o faríamos
em constante oração. Se orássemos sem cessar, nada interromperia nossa alegria.
E assim, não haveria qualquer razão para que retribuíssemos mal com mal, pois
seríamos pacientes com todos, até com os que nos prejudicassem de alguma
maneira. Justamente esta paciência que nos possibilitaria sustentar os fracos,
de modo que eles jamais se desanimariam. E caso se desanimassem, deveríamos
consolá-los para que não se tornassem insubmissos e ociosos. E assim, somente
assim, haveria paz para que líderes e liderados trabalhassem em harmonia em
prol do bem comum.
A todos os que leram atentamente essas linhas, desejo-lhes
um surpreendente ano novo sob os auspícios da graça de Deus revelada em Cristo.
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