Por Hermes C. Fernandes
“O melhor de Deus ainda está por vir!” é o brado de muitos
pregadores no culto de Réveillon. Quem não almejaria viver um tempo de vitórias
e realizações? Não é à toa que tantos votos são feitos na reta final de cada
ano no afã de que o vindouro não seja uma mera repetição dos anteriores. Porém,
ano após ano, a fórmula se repete exaustivamente e a vida segue seu fluxo inexorável, da
maneira como deve ser, alternando entre altos e baixos, vitórias e fracassos nem sempre
evitáveis.
Haveria alguma garantia de que a presença de Deus resultaria
em sucessivas vitórias em todas as áreas de nossa vida? Romper o ano novo na
igreja garantiria que durante o transcorrer de 2019 não correríamos o risco de
amargar um desemprego, um divórcio, uma dívida, uma enfermidade?
Há um episódio bíblico que talvez nos ajude a encontrar resposta para isso. A narrativa começa afirmando que “veio a palavra de Samuel
a todo o Israel; e Israel saiu à peleja contra os filisteus e acampou-se junto
a Ebenézer; e os filisteus se acamparam junto a Afeque” (1 Samuel 4:1).
Repare que tal iniciativa foi tomada com base em uma palavra
proferida pelo profeta. Portanto, eles estavam sob a orientação de Deus. Como
se não bastasse, escolheram acampar em um lugar chamado Ebenézer, que significa
“Até aqui nos ajudou o Senhor.” Não creio que tal escolha tenha sido aleatória.
Israel vinha de sucessivas campanhas militares bem-sucedidas desde os tempos de Josué. Se Deus
os havia ajudado até ali, era de se esperar que seguisse ajudando-os ininterruptamente. É razoável que nos fiemos em experiências exitosas obtidas ao longo de
nossa jornada. Assim como um time de futebol que segue ileso no campeonato,
entramos em campo de salto alto, subestimando o adversário. Afinal, as estatísticas nos são favoráveis. Porém, o
placar ainda está em aberto. Tudo pode acontecer.
Para a surpresa dos israelitas, os filisteus venceram a
batalha, ceifando a vida de pelo menos quatro mil homens.
“O que terá saído errado?”, indagaram. Por que Deus os metera naquela furada? Por
que permitiu que Seu povo passasse tão grande vexame?
Alguém, então, teve a inusitada ideia de voltarem ao campo
de batalha, mas desta vez, acompanhados da Arca da Aliança, a mesma que
acompanhou o exército de Israel em tantas outras investidas militares.
A Arca da Aliança era a representação física da presença de
Deus no meio do Seu povo. Mas somente sacerdotes poderiam carrega-la. Por
isso, Eli, o Sumo-sacerdote de Israel, destacou seus dois filhos, Fineias e
Hofni para conduzir o utensílio sagrado no campo de batalha. Quando a Arca
chegou ao arraial israelita, a euforia foi tamanha, que os gritos dos soldados
fizeram tremer a terra. “E os filisteus, ouvindo a voz de júbilo, disseram: Que
voz de grande júbilo é esta no arraial dos hebreus? Então souberam que a arca
do Senhor era vinda ao arraial. Por isso os filisteus se atemorizaram, porque
diziam: Deus veio ao arraial. E diziam mais: Ai de nós! Tal nunca jamais
sucedeu antes. Ai de nós! Quem nos livrará da mão desses grandiosos deuses?
Estes são os deuses que feriram aos egípcios com todas as pragas junto ao
deserto. Esforçai-vos, e sede homens, ó filisteus, para que porventura não
venhais a servir aos hebreus, como eles serviram a vós; sede, pois, homens, e
pelejai” (1 Samuel 4:6-9).
De fato, os israelitas estavam com a faca e o queijo na mão.
O efeito psicológico que a presença da Arca causou nos inimigos foi devastador.
Mesmo apavorados, os filisteus não entregaram os pontos,
pois reconheciam que toda a opressão que fizeram aos israelitas voltaria contra
eles como um bumerangue caso fossem derrotados. Resultado: os filisteus venceram novamente. E desta vez, sua
vitória foi ainda mais esmagadora, ceifando a vida de trinta mil homens.
Como assim? E a Arca de Deus? E toda aquela euforia dos
soldados israelitas? Como se não fosse suficiente a épica derrota, algo ainda pior lhes sucedera: A Arca da Aliança foi tomada pelos filisteus. Para se ter uma ideia
do quanto isso era considerado grave,
quando a notícia chegou aos ouvidos de Eli, o sumo-sacerdote caiu de seu
assento, quebrou o pescoço e morreu na hora. Não pelo fato de Israel ter
perdido a batalha, nem mesmo pela morte de seus dois filhos responsáveis pela
segurança da Arca, mas por ela ter sido levada por seus adversários. Uma de
suas noras estava grávida e ao ouvir a notícia, deu a luz. Não resistindo às
fortes dores, antes que morresse, deixou escapar de seus lábios o nome que
queria dar ao seu filho: ICABODE, que significa “Foi-se a glória de Israel.”
Ela se importou mais com a Arca roubada do que com a sua repentina viuvez.
Vivemos hoje sob a égide da Nova Aliança em que não há mais
utensílios sagrados, nem templos, nem ritos, nem sacrifícios a serem feitos.
Tudo isso era sombra do que haveria de se cumprir em Cristo. Ele é a nossa Arca
da Aliança, e afiançou que estaria conosco todos os dias até a consumação
dos séculos. Todavia, Sua presença entre nós não é a garantia de que nunca amargaremos uma derrota, uma injustiça, uma adversidade. Pelo contrário, Ele
nos deixou claro que no mundo teríamos aflições, mas que isso jamais deveria
nos tirar o ânimo.
Sempre que as coisas desandam, buscamos encontrar uma razão,
uma explicação que aplaque nossa frustração e apazigue nossa consciência. “Onde
foi que errei?” é a pergunta que nos persegue, revelando que ainda somos reféns
de uma mentalidade legalista e moralista, baseada na lei da causa e efeito.
A verdade é que nem sempre encontraremos uma boa razão que
justifique nossas derrotas. Talvez pelo fato de que o que realmente importa não
seja a razão em si, mas o propósito. E este, por sua vez, nem sempre é óbvio,
tampouco nos é revelado durante o transcorrer da situação. Na maioria das vezes, só entendemos o
propósito em retrospectiva, isto é, depois do fato consumado.
Enquanto os israelitas digeriam o amargo sabor da derrota,
longe dali algo surpreendente acontecia, mas que escapava totalmente ao seu
conhecimento.
Atribuindo ao seu próprio deus a vitória conquistada, os
filisteus tomaram a Arca e a puseram no templo dedicado a Dagom. De manhã cedo,
quando os sacerdotes de Dagom vieram prestar-lhe culto, depararam-se com sua
imagem caída com o rosto em terra, como se estivesse prostrada diante da Arca
de Deus. Assustados, ergueram a Dagom e o puseram novamente em seu lugar. “E,
levantando-se de madrugada, no dia seguinte, pela manhã, eis que Dagom jazia
caído com o rosto em terra diante da arca do Senhor; e a cabeça de Dagom e
ambas as palmas das suas mãos estavam cortadas sobre o limiar; somente o tronco
ficou a Dagom” (1 Samuel 5:2-4).
Metade homem, metade peixe, Dagom era uma das mais perversas
divindades do panteão cananeu, que dentre outras coisas, exigia o sacrifício de
crianças. Com a queda da imagem, restou-lhe apenas a cauda de peixe. Sua cabeça
e seus membros superiores foram espatifados. O que havia de humano nele (pelo
menos do ponto de vista morfológico) foi-lhe decepado, sobrando-lhe apenas o
que lhe havia de irracional.
O Deus de Israel permitira que o Seu povo amargasse aquela
derrota para que Sua Arca fosse introduzida no templo daquela divindade
perversa, e assim, os filisteus reconhecessem e temessem o Seu nome, deixando
de oprimir o Seu povo. O que para Israel era tão somente uma questão militar,
para Deus a batalha era de ordem espiritual.
Dagom representava a opressão que os filisteus exerciam
sobre Israel, assim como os deuses egípcios ao longo de mais de quatrocentos
anos de escravidão. A prostração de Dagom ante a Arca da Aliança, bem como seu
esfacelamento, representavam a rendição dos opressores à causa dos oprimidos.
Mas não ficou só nisso. Seus adoradores, habitantes de
Asdode, foram acometidos de hemorroidas. Se o seu deus foi atingido na parte
superior de seu corpo, seu povo foi atingido na parte inferior, mas
precisamente nas partes íntimas, justamente a parte onde Dagom foi poupado. Por
razões óbvias, peixes não podem ter hemorroidas...rs
Desorientados, os filisteus enviaram a Arca para a cidade de
Gate e depois para Ecrom, e o fenômeno se repetiu entre os seus moradores.
Enquanto a Arca de Deus foi joguete entre os filisteus, o juízo divino os
acompanhou, não só com hemorroidas, mas também com uma súbita invasão de ratos
que representavam o que eles haviam se tornado para os israelitas: devoradores.
Só então, eles concluíram que o Deus de Israel os estava
punindo pela opressão e exploração feitas ao povo de Israel, e decidiram que a
Arca da Aliança deveria ser devolvida ao seu lugar (1 Samuel 5:7-12). E para
tal, eles teriam que devolvê-la juntamente com um cofre carregado de ouro no
formato das pragas que lhes acometeram: ratos e hemorroidas! Por mais cômico
que nos possa soar, esta foi a maneira de fazer com que o produto da exploração
a que os israelitas foram submetidos fosse-lhes devolvido.
A vitória do opressor poderá se transformar em seu pior
pesadelo, sobretudo quando esta se dá de maneira injusta, calçada na mentira e
com vista a perpetuar a exploração dos mais fracos e vulneráveis. Tudo o que
foi tomado do oprimido, agora clama aos céus por justiça, anelando retornar a
quem de direito. O fruto da extorsão deve voltar para o seu lugar de origem.
Por isso, vemos o corrupto Zaqueu prometendo devolver quadruplicadamente tudo o
que havia extorquido de seu próprio povo enquanto cobrava impostos em nome de
Roma. Seu encontro com Cristo levou-o a isso.
O que era Dagom nos dias de Samuel, Mamon era nos dias de Jesus. Razão pela qual Jesus o denunciou como principal rival do reino de Deus. "Ninguém pode servir a Deus e as riquezas (Mamon)", disse o Mestre Galileu. Interessante frisar que Jesus nunca enxergou o Estado como o grande inimigo, e sim, o capital. Ele não disse que não se podia servir a Deus e a César. Pelo contrário, Ele disse que deveríamos dar a Deus o que era de Deus e a César o que era de César. O maior ídolo contra o qual lutamos em nossos dias segue sendo o dinheiro. De acordo com Paulo, "o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males." Veja: não é o sexo, nem a indústria pornográfica, nem as outras religiões, nem mesmo as drogas, mas o amor ao dinheiro. Por causa dele, muitos se desviaram da fé.
O que vai garantir que sejamos vitoriosos nessa guerra
espiritual não é um retumbante sucesso financeiro ou coisa parecida, mas uma
fidelidade à toda prova. Nossa fidelidade e obediência nos porão frente a
frente com Mamon, assim como a Arca de Deus fora posta frente a frente com
Dagon. É lá fora, no terreno do inimigo, que a vitória se dá. É quando dizemos
não às propostas de Mamon. É quando nos tornamos numa ferramenta para emperrar
este sistema de exploração e opressão.
Aos olhos do mundo, a cruz foi um grandioso fracasso. Jesus não parecia ser quem dizia ser. Ele não estava preocupado em provar nada a quem quer que fosse. Mas quando Ele deu Seu último suspiro, Sua alma desceu ao inferno. Seus pés pisaram o terreno do inimigo. O império das trevas foi desbaratado. Principados e potestades foram depostos e despojados.
Não se preocupe com a conclusão precipitada a que as pessoas
possam chegar a seu respeito devido ao momento que você está vivendo
atualmente. Lembre-se: Deus está trabalhando para que Seus propósitos
prevaleçam em sua vida. Não ceda a oferta alguma. Não se renda às propostas
indecorosas deste mundo. Siga fiel. Siga obediente. Siga firme. Vai que Deus
pretenda lhe infiltrar em algum "templo de Dagon" como fez com a
Arca... Vai que tudo o que você está vivendo hoje seja com o propósito de
levá-lo a um lugar em que você jamais chegaria se não passasse por isso. Se
Paulo e Silas não houvessem sido presos injustamente em Filipos, a igreja não
teria nascido na casa do carcereiro que por pouco não tirou sua própria vida.
Se Paulo não houvesse sofrido um naufrágio em sua viagem para Roma, os
moradores da Ilha de Malta não teriam tido a oportunidade de conhecer o
evangelho. Portanto, em vez de perguntar "por quê?", pergunte
"por quem?" e "para quê?
Caso você experimente o pior momento de sua história ao
longo do novo ano, saiba que após a tempestade, sempre vem a bonança. Ainda que
passe pelo vale da sombra da morte, o bom pastor o conduzirá aos pastos
verdejantes e às águas tranquilas. O pior pode até vir, mas o melhor está a
caminho. E cá entre nós, se Paulo está certo ao dizer que a loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria dos homens e a Sua fraqueza mais forte que a força humana, é lícito crer que o pior de Deus ainda é infinitamente melhor que o melhor dos homens.
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