Por Hermes C. Fernandes
“Todo homem morre, mas nem todo homem vive.” William Wallace
Mais de vinte anos depois, assisti novamente a um dos filmes que mais marcaram minha vida: CORAÇÃO VALENTE, de Mel Gibson. De todas as cenas deste inesquecível épico, nenhuma me tocou tanto quanto aquela em que o herói escocês William Wallace remove o elmo daquele contra o qual duelava em um campo de batalha e descobre que o misterioso cavaleiro era ninguém menos que Robert The Bruce, o legítimo herdeiro do trono escocês, pelo qual Wallace lutava. Seu olhar de decepção e a maneira como engole seco deveriam ter-lhe rendido o Oscar.
O fato é que Robert The Bruce admirava a bravura de Wallace, bem como seu carisma e liderança na luta pela libertação de seu país. The Bruce aspirava ao trono da Escócia, e sabia que para tal, seu país teria que se libertar da tirania da coroa inglesa. Portanto, de certa maneira, Wallace lutava por The Bruce. Entretanto, The Bruce tinha como seu conselheiro pessoal ninguém menos que seu pai, um homem amargo, leproso, que apesar de viver enclausurado, sabia como manipular a situação em favor de seus interesses. Foi seu pai quem o convenceu a trair William Wallace, cerrando fileiras ao lado do exército inglês em troca de terras e títulos de nobreza. Já que não dava para assegurar a posição de rei, ele teria que se contentar com sua posição de nobre e garantir que seu clã se mantivesse rico e poderoso.
Quando Wallace remove seu elmo e percebe que estava lutando justamente contra aquele pelo qual expunha sua vida, ele solta a espada, cai sentado em pleno campo de batalha, em total perplexidade e desalento. Robert The Bruce lutava por poder. William Wallace lutava por liberdade. Um era manipulado por um pai que não saía de trás dos bastidores, enxergando a vida como um tabuleiro de xadrez. Outro se inspirava em um amor que lhe havia sido arrancado pela morte violenta de sua jovem esposa pelas mãos dos lordes ingleses. Ninguém pode negar que ambos lutaram corajosamente. Ambos mereciam ser chamados de “coração valente”. The Bruce precisou de muita coragem para trair aquele que lhe era tão leal. Wallace precisou de muita coragem para continuar a lutar depois de se ver traído. Há, portanto, uma distinção entre a coragem de ambos. A coragem de um era mesclada com amor. Amor por um povo sofrido que já não suportava a tirania inglesa. A coragem do outro era mesclada com a covardia. The Bruce foi covarde ao se negar a confrontar os interesses mesquinhos de seu pai. Ele foi covarde ao ser condescendente com os que exploravam seu povo. Ele foi covarde ao lutar contra o único que foi capaz de se expor em favor da soberania de seu país.
“Me digam, o que significa ser nobre?", William Wallace pergunta a Robert The Bruce. "Seu título te dá o direito de assumir o trono do nosso país, mas homens não seguem títulos. Eles seguem coragem.” Recentemente ouvi dos lábios de um mano querido recém-chegado à igreja que presido algo que mexeu com meus brios. Ele me confidenciou que o que o teria atraído à nossa igreja era a minha coragem. Coragem para me expor pela internet, defendendo aquilo em que creio, mesmo que isso seja considerado um tiro no meu pé. Coragem para falar o que penso, sabendo o quanto serei atacado por isso. Confesso que isso me envaideceu por um instante. Porém, depois, pus-me a pensar: de que valeria toda a coragem do mundo se esta se pusesse do lado errado da história? Não quero fazer da minha coragem a desculpa perfeita para a minha covardia. Pedro demonstrou ser corajoso ao desembainhar sua espada para defender o mestre. Porém, seus olhos ainda estavam cheios de remela devido ao sono profundo em que estava, completamente alheio ao sofrimento de Cristo que há poucos metros suava gotas de sangue. Talvez por isso tenha errado a mira e em vez de acertar o pescoço do soldado, decepou-lhe a orelha. A verdadeira coragem é a que nos faz viver sem medo da morte ou do juízo de quem quer que seja.
Que nos tirem a vida, ou nos destruam a reputação, mas nada nos faça retroceder em nossa obstinação. Que não lutemos por coisas, mas por causas justas e verdadeiras. Que não lutemos por títulos, posições, vantagens ou privilégios. Que o que nos mova não seja a vingança, o ódio, o preconceito, mas o mais nobre de todos os sentimentos: o amor. E se, por ventura, em algum momento, percebermos que aquelas em favor dos quais lutamos, deixaram-se manipular por quem quer que seja, e agora, buscam destruir-nos, que o amor que nos trouxe até aqui, siga nos conduzindo até o fim da história. Uma frase dita no início do filme me chamou a atenção: A história é a versão dos vencedores, daqueles que enforcam os heróis. William Wallace terminou sua vida sendo torturado e morto pelas mãos de carrascos ingleses. Sua cabeça foi exibida na ponte de Londres, e os membros do seu corpo foram espalhados pelos quatro cantos da Inglaterra. Mas seu exemplo de bravura contagiou gerações de escoceses que lutaram pela liberdade de sua gente. Há derrotas que são verdadeiras vitórias. Há vitórias que são verdadeiras derrotas.
Livros de história podem ser reescritos. Fatos podem ser revistos e ressignificados. Mas a covardia dos que se rendem aos sentimentos mais mesquinhos jamais será esquecida.
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