“Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre
os mortos, e Cristo te esclarecerá.”
Efésios 5:14
Não é sempre que sou surpreendido pelo roteiro
de um filme. “Passageiros” teve este mérito (se não quiser spoiler, aconselho que pare por aqui). Mais de cinco mil passageiros viajam
tranquilamente pelo universo à bordo da nave espacial Avalon em estado de sono
profundo. O destino é um planeta distante chamado “Homestead II”. Sem a
hibernação, seria impossível completar o trajeto de nada mais, nada menos que
120 anos! Porém, um dos passageiros, o engenheiro mecânico Jim Preston (Chris
Pratt) desperta 90 anos antes do tempo programado devido a avaria em sua câmara
de hibernação. Depois de um ano de solidão, desfrutando exclusivamente da
companhia de um barman androide, ele
se depara com uma linda jovem, a escritora Aurora Dunn (Jennifer Lawrence) em
uma das milhares de câmaras e se vê perdidamente apaixonado. Seu dilema agora era se devia ou não
acordá-la. Como ela reagiria ao saber que foi despertada 89 anos antes da
chegada, já que seria impossível retomar o estado de hibernação? Será que ela o
perdoaria? E se ele não contasse, deixando que ela pensasse ter sido despertado
acidentalmente da mesma maneira que ele?
Não suportando mais a solidão que ainda se
arrastaria por décadas até o destino, ele resolve correr todos os riscos e despertá-la.
Enquanto buscam resolver o mistério que teria
ocasionado em seu despertamento precoce, eles acabam se envolvendo. Os dois
vivem um intenso romance até que, por um descuido do androide, ela descobre a
verdade. O que era amor vai se tornando num ódio desmedido. E, por não conseguir
entender a razão de ele ter feito aquilo, ela se sente incapaz de perdoá-lo.
Não vou entrar em detalhes para não estragar a
surpresa que o enredo reserva. Mas posso adiantar que se ele não a houvesse
despertado, toda aquela multidão de passageiros teria morrido no espaço sideral
sem ao menos tomar conhecimento do que lhe acometera.
A película nos oferece uma perfeita metáfora da vida.
Quão frustrante é percebermos que as pessoas à
nossa volta estão adormecidas e não logramos despertá-las. Umas, porque não
querem. Outras, porque não podem. Estão numa espécie de hibernação existencial.
Passam pela vida, sem nem sequer notar o que ocorre à sua volta. Sentimo-nos
sós na maneira como percebemos a vida. Como diz a canção “Monte Castelo” de
Renato Russo, “estou acordado e todos
dormem.” Será que vale mesmo a pena despertá-los? Será que não nos odiarão
por causa disso?
Pergunto-me até que ponto a ignorância pode ser
uma bênção. O conhecimento não traz apenas libertação, mas também muito
sofrimento. Por isso, às vezes, parece preferível não saber. Mas qual o custo
da ignorância? Se o conhecimento liberta, a ignorância nos faz reféns. Todavia,
a questão que deve ser considerada é: quanta verdade somos capazes de suportar?
Um doente terminal, por exemplo, tem o direito
de saber que está morrendo? É justo poupá-lo disso?A ignorância não nos poupa do sofrimento em si,
apenas da preocupação.
Somos como a criança que se estira no banco
traseiro do carro e dorme tranquilamente confiando na destreza de seu pai ao
volante. Eu mesmo costumava dormir tranquilamente enquanto viajava, fosse de carro,
de ônibus ou de avião. Até que numa madrugada, viajando de carro entre o Rio e
Brasília, fomos surpreendidos com um boi atravessando a pista. Meu primo que
estava ao volante tentou desviar-se e acabou metendo o carro numa mata a poucos
metros de uma enorme pedra. Por pouco, não perdemos a vida. A partir daí,
passei a ter sérias dificuldades de pregar os olhos enquanto viajo. Prefiro
apreciar a paisagem, enquanto me mantenho atento a eventuais perigos.
Alguns, quando despertados, insistem em pedir “mais
cinco minutinhos”. Quando se dão por si, perderam o dia. E quando menos esperam,
lá se foi um ano, uma década, a vida inteira.
Se ninguém acordar, quem avisará aos demais
passageiros da iminência do perigo? Quem os preparará para enfrentar os
desafios que o futuro reserva?
Sinceramente, se a ignorância for uma bênção,
prefiro a maldição do conhecimento. Se eu for atingido, quero saber exatamente
o que me atingiu e o que eu poderia ter feito para evitar.
Não me esconda nada! Deixe que eu resolva como
lidar com a verdade.
Mas antes de sair por aí acordando todo mundo,
pense bem se você está preparado para lidar com a reação e a ingratidão de quem preferiria
continuar dormindo.
Sinto isso em mim, só que mais no sentido de frustração com algumas coisas do dia-a-dia. Me tornei feminista, mas minha família é reacionária de extrema-direita, então continuam mantendo todo sexismo da divisão de tarefas. Quando a família se reúne, só as mulheres trabalham na casa, e isso me causa um rápido arrependimento pelo empoderamento que o movimento me trouxe.
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