Por Hermes C. Fernandes
Eu não queria estar na pele dele naquele dia. A missão que recebera do Senhor era a mais
complicada de sua trajetória de profeta.
Como dizer ao homem mais poderoso do mundo que ele estava em pecado?
Como confrontar aquele que se acostumara com alcunha de “homem segundo o
coração de Deus”?
Ainda com olheiras que denunciavam a noite mal dormida, Natã se dirigia ao palácio de Davi. Enquanto caminhava, se indagava:
- O que aconteceu com Davi? Ele está irreconhecível! Aonde foi parar aquele menino que pastoreava as ovelhas do seu pai? Será que ele vai receber bem a palavra que o Senhor me ordenou que lhe dissesse? Será que amanhã a estas horas ainda estarei vivo? Já não bastou ter que dizer a ele que Deus não lhe permitiu construir o tão sonhado templo?
O fato é que Davi pecara contra o Senhor. Seu pecado teria
que ser exposto e confrontado.
Dias antes, enquanto seu exército lutava bravamente por seu
reino, Davi, que sempre estava à frente da batalha, resolveu tirar uns dias de
folga, desfrutando do requinte de seu palácio real.
Numa bela tarde, enquanto passeava no terraço, avistou uma
mulher que se banhava, e que, a seus olhos, parecia se insinuar. Foi paixão
fulminante à primeira vista. Davi não titubeou, e mesmo sabendo que era mulher
de um dos homens mais leais de seu exército, mandou trazê-la aos seus aposentos
e a possuiu.
Tudo não teria passado de uma puladinha de cerca básica não
fosse a inusitada notícia: Bate-seba estava grávida. E agora, José? Ou melhor... e agora, Davi?
Desesperado ante a possibilidade de ter seu pecado exposto à
opinião pública, o que traria enorme desgaste à sua imagem, Davi arquitetou um
plano. Mandou chamar Urias e tentou convencê-lo de tirar alguns dias de
descanso, curtindo sua linda e carente mulher. Para todos os efeitos, a criança
seria resultado daquelas noites de amor. Mas para sua surpresa, Urias disse
não.
- Como eu poderia usufruir do amor de minha mulher sabendo que meus homens estão no front de batalha? Obrigado pela oferta, rei. Mas minha resposta é não.
Davi ainda tentou embriagá-lo, mas não adiantou. Urias não
cedeu.
Só restou-lhe uma alternativa. Enviou, por mãos do próprio
Urias, uma carta ordenando que Joabe, seu general, pusesse-o à frente da
batalha, e quando os inimigos atacassem, retiram-se, deixando-o sozinho. Davi
confiava tanto em Urias que sabia que ele não abria a carta que continha sua
sentença.
Se Davi tivesse um espelho mágico semelhante à rainha má do
conto de Branca de Neve, e lhe perguntasse: “Espelho, espelho meu, haveria no
reino alguém mais íntegro do que eu?”, ele certamente responderia: “Sim! Urias.” Por isso, Davi tinha dois motivos para desejar a morte de Urias.
Como Davi conseguiu dormir depois disso? Onde foi parar
aquele menino que derrotara Golias e se tornara na maior referência de heroísmo
que Israel tivera em toda a sua história? Em que ele se transformou?
Agora o velho Natã tinha que confrontá-lo.
Tanto Deus, quanto Natã sabiam que Davi apresentaria algum
argumento para justificar seu pecado. Por isso, inspirado pelo Espírito, Natan
resolveu tomar uma via inusitada para alcançar a sua consciência.
Em vez de confronto direto, Natan contou-lhe uma estória que
transcrevo abaixo:
“O Senhor, pois, enviou Natã a Davi. E, entrando ele a ter com Davi,
disse-lhe: Havia numa cidade dois homens, um rico e outro pobre. O rico tinha rebanhos e manadas
em grande número; mas o pobre não
tinha coisa alguma, senão uma pequena cordeira que comprara e criara; ela
crescera em companhia dele e de seus filhos; do seu bocado comia, do seu copo
bebia, e dormia em seu regaço; e ele a tinha como filha. Chegou um viajante à casa do rico; e este, não
querendo tomar das suas ovelhas e do seu gado para guisar para o viajante que
viera a ele, tomou a cordeira do pobre e a preparou para o seu hóspede.
Então a ira de Davi se acendeu em grande maneira
contra aquele homem; e disse a Natã: Vive o Senhor, que digno de morte é o
homem que fez isso. Pela cordeira
restituirá o quádruplo, porque fez tal coisa, e não teve compaixão.
Então disse Natã a Davi: Esse homem és tu!” 2 Samuel 12:1-7
Davi fora pego em suas próprias palavras! Ele mesmo lavrou
sua sentença. Nem mesmo chegou a usar qualquer argumento para justificar-se,
pois fora sumariamente desarmado diante dos olhos de todos os que o rodeavam.
Creio que Natã usou aquela estorinha envolvendo ovelhas,
rebanhos, para de alguma maneira relembrar a Davi de onde Deus o tirara. Num
encontro anterior entre Natã e Davi, Deus lhe dissera pela boca do profeta: “Eu te tomei da malhada, de detrás das ovelhas,
para que fosses príncipe sobre o meu povo, sobre Israel” (2 Sm. 7:8).
Mas agora, ele já não
trazia consigo o cheiro das ovelhas. Os odores palacianos o substituíram. O mesmo
filho de Jessé que se atracara com um urso e um leão para livrar uma única
ovelha do rebanho que seu pai lhe confiara, transformara-se num insaciável
predador.
Porém, por baixo de todas aquelas camadas ainda havia um menino que precisa ser redescoberto. Não creio que a intenção de Deus fosse a de envergonhar a Davi. Aquela estória foi o artifício usado por Deus para promover o reencontro entre Davi e um velho conhecido.
Porém, por baixo de todas aquelas camadas ainda havia um menino que precisa ser redescoberto. Não creio que a intenção de Deus fosse a de envergonhar a Davi. Aquela estória foi o artifício usado por Deus para promover o reencontro entre Davi e um velho conhecido.
Naquele dia, através
dos lábios do profeta, o velho Davi recebeu a visita do menino Davi. Naquele dia Deus matou a saudade que sentia do pastorzinho de Israel.
Se fôssemos visitados
hoje por quem éramos quando meninos, será que seríamos reconhecidos? Em que
temos nos tornado? Teríamos orgulho ou vergonha de nós mesmos? Como
explicaríamos aos pastorzinho de ovelhas as atitudes precipitadas tomadas pelo
rei?
Como seria receber a visita do Hermes de 33 anos atrás, que com o coração cheio de alegria descia às águas batismais? Em que me tornei, afinal?
Como seria receber a visita do Hermes de 33 anos atrás, que com o coração cheio de alegria descia às águas batismais? Em que me tornei, afinal?
Teremos perdido o
idealismo? Tornamo-nos cínicos, gananciosos, presunçosos, insuportáveis? Que sentença a criança
que fomos aplicaria ao adulto em que nos tornamos?
O problema é que nunca
estamos satisfeitos com o que temos. Queremos sempre mais... Não nos
contentamos com a vida com abundância prometida por Jesus, e reivindicamos uma
vida com ganância proposta por um Cristo impostor.
O mesmo Davi que um
dia compôs um dos mais célebres salmos de todos os tempos, dizendo que o Senhor
era seu pastor e que nada lhe faltaria, finalmente encontrou algo que lhe
faltava: a mulher do seu próximo.
Estamos mais
preocupados com o que temos adquirido, do que com o que temos nos tornado. Por
mais que sejamos bem-sucedidos do ponto de vista profissional, material, ou
mesmo familiar, queremos mais... E para isso, pisamos em todos os valores que
antes nos eram caros. Vendemos a nossa alma a preço de banana. Mesmo tendo um
harém à nossa disposição, não é o bastante. Queremos Bate-seba. Queremos a
mulher de Urias.
Onde é que foi parar
aquele menino...
Se o virem por aí,
diga que estou com saudade.
Saudade de quem um dia
era. Saudade da minha ingenuidade. Do meu romantismo. Do meu primeiro amor. Quem
sabe Deus use um velho profeta para me fazer relembrar o cheiro das ovelhas do
meu pai.
Talvez o próprio Deus esteja com saudade de você.
Talvez o próprio Deus esteja com saudade de você.
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Eu e meu primeiro violão aos 11 anos |
Graça e paz, meu irmão!
ResponderExcluirRealmente uma das mais lindas palavras suas que já li!
Deus continue te abencoando e renove as unção a cada dia!
Se puder, visite meu blog tb!
Pra. Rosana Claussen.
Olá Rosana! Graça e paz!
ResponderExcluirObrigado por seu comentário.
Este post foi baseado no sermão que preguei hoje na igreja. Experimentamos um verdadeiro renovo espiritual através desta palavra.
Passa pra gente o endereço do seu blog. Gostaria muito de visitá-lo e segui-lo
Abraço!
Obrigada pela resposta...
ExcluirTenho escrito pouco no blog, mas eh algo que pretendo fazer com mais frequência...
rosanaclaussen.blogspot.co.uk
Já sigo o seu blog há algum tempo...
Deus te abencoe!
Acesse tb a Radio de nossa Igreja:
ResponderExcluirwww.cevalondon.org
Pastor Hermes, a Paz!
ResponderExcluirMaravilhosa mensagem, glória a Deus!
Que o Espírito Santo continue te usando para falar mais vezes a respeito do pecado, da justiça, do juízo, do despertar, da reconciliação, do reconquistar, do relacionamento com o Pai, da conservação da Nova Aliança.
Continue falar do pecado sem ferir, sem magoar, sem ofender, continue falando a verdade com graça, doçura e amor.
Conserve este dom, mesmo que o povo não sinta coceira nos ouvidos! Por favor, não pare.
Abraços.
Obrigado, Carla.
ResponderExcluirSuas palavras são um grande incentivo para mim. Peço que Deus me conceda graça para expressar a verdade em amor.
Abraço!
Sem palavras!!!!!
ResponderExcluirBênção, falou aoameu coração
ResponderExcluirLindo texto. Sábias palavras.
ResponderExcluirQue o senhor nos confronte e restaure sempre que necessário.
Bispo, sem palavras! É por essas e outras que não páro de ler seu blog. Posso estar em outra Cidade mas minha fonte é aqui. Na Reina se é fisgado pela Palavra e pelo Amor. Até hoje não esqueço e conto com detalhes a primeira pregação que ouvi do senhor em Isaías 6 no ano 2000. Este dia é um divisor de águas na minha vida. Dali em diante tudo mudou. Essa é a Liberdade que Cristo nos chamou pra desfrutar. Minha Família e eu somos a prova disso! Um abração.
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